David Arioch – Jornalismo Cultural

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Richard Dawkins: “Não temos nenhuma razão para pensar que os animais não humanos sintam dor menos intensamente do que nós”

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“Práticas como marcação de gado, castração sem anestesia e touradas devem ser tratadas como moralmente equivalentes a fazer o mesmo com seres humanos”

Dawkins: “Não é plausível que uma espécie não inteligente possa precisar de uma grande dose de dor para levar para casa uma lição que podemos aprender com um estímulo menos poderoso?” (Acervo: The Times)

Em 2011, o biólogo evolutivo e etólogo britânico Richard Dawkins publicou o artigo “But can they suffer?” No texto, ele manifestou publicamente a sua contrariedade em relação à displicência humana no que diz respeito ao tratamento dispensado aos animais não humanos. Ele defende que se não somos capazes de reconhecer o sofrimento dos animais que exploramos em nosso próprio benefício, deveríamos no mínimo dar a eles o benefício da dúvida e considerar as implicações de nossas ações:

O filósofo moral Jeremy Bentham, fundador do utilitarismo, disse: “A questão não é, “eles podem raciocinar?” nem “eles podem falar?”, mas sim “eles podem sofrer?” A maioria das pessoas entende, mas trata o sofrimento humano como algo particularmente preocupante, porque acham vagamente óbvio que a capacidade de sofrer da espécie está positivamente correlacionada com a sua capacidade intelectual. As plantas não podem pensar, e você teria que ser bastante excêntrico para acreditar que elas podem sofrer. É plausível que o mesmo possa ser verdade sobre as minhocas. Mas e as vacas?

E os cachorros? Acho que é quase impossível acreditar que René Descartes, que não é conhecido como um monstro, sustentava com tanta veemência a crença filosófica de que apenas os seres humanos têm mentes, e que ele alegremente seria capaz de colocar um mamífero não humano grávido sobre uma mesa para dissecá-lo. Você pensaria que, apesar de seu raciocínio filosófico, ele poderia ter dado ao animal o benefício da dúvida. Mas ele vinha de uma longa tradição de vivisseccionistas, incluindo [Cláudio] Galeno e [Andreas] Vesalius, seguido por William Harvey e muitos outros.

Como eles podem fazer isso: amarrar com cordas um mamífero que grita e resiste, e dissecar o seu coração vivo, por exemplo? Presumivelmente, eles acreditavam no que veio a ser articulado por Descartes: que os animais não humanos não têm alma e não sentem dor. Hoje em dia, a maioria de nós acredita que cães e outros mamíferos não humanos podem sentir dor, e hoje nenhum cientista respeitável seguiria o horrível exemplo de Descartes e Harvey e dissecaria um mamífero vivo sem anestesia. A legislação britânica, entre outras, os puniria severamente se o fizessem (embora os invertebrados não sejam bem protegidos legalmente, nem mesmo os polvos com seus cérebros grandes).

No entanto, a maioria de nós parece assumir, sem questionar, que a capacidade de sentir dor está positivamente correlacionada com a destreza mental – com a capacidade de raciocinar, pensar, refletir e assim por diante. O meu propósito aqui é questionar essa suposição. Não vejo razão alguma para que haja uma correlação positiva. A dor parece primal, como a capacidade de ver cores ou ouvir sons. Parece o tipo de sensação que você não precisa que o intelecto experimente. Os sentimentos não têm peso na ciência, mas, no mínimo, não deveríamos dar aos animais o benefício da dúvida?

Sem entrar na interessante literatura sobre o sofrimento dos animais (ver, por exemplo, o excelente livro de Marian Stamp Dawkins – “Rethinking Animals”), posso ver uma razão darwiniana por que poderia realmente haver uma correlação negativa entre o intelecto e a suscetibilidade a dor. Abordo isso perguntando para que, no sentido darwinista, serve a dor. É um aviso para não repetir ações que tendem a causar danos corporais. Não meta o dedão do seu pé novamente, não provoque uma cobra ou sente-se em uma vespa, não segure brasas mesmo que brilhem lindamente, tome cuidado para não morder a sua língua. As plantas não têm sistema nervoso capaz de aprender a não repetir ações prejudiciais, e é por isso que cortamos alfaces vivas sem remorso.

É uma questão interessante, incidentalmente, o porquê da dor ter que ser tão dolorosa. Por que não equipar o cérebro com o equivalente a uma pequena bandeira vermelha que, indolor, apenas avisa: “Não faça isso novamente”?  Em “O Grande Espetáculo da Terra”, sugeri que o cérebro poderia ser dividido entre impulsos conflitantes e um anseio em rebelar-se, talvez hedonisticamente, contra a busca dos melhores interesses da aptidão genética do indivíduo, caso em que precisaria ser agonizantemente punido para retornar à linha.

Vou deixar passar essa questão e retornar a minha questão principal de hoje: você esperaria uma correlação positiva ou negativa entre a capacidade mental e a capacidade de sentir dor? A maioria das pessoas assume, sem pensar, uma correlação positiva, mas por que?

Não é plausível que uma espécie inteligente como a nossa possa necessitar de menos dor, precisamente porque somos capazes de trabalhar inteligentemente o que é benéfico para nós, e quais eventos nocivos devemos evitar? Não é plausível que uma espécie não inteligente possa precisar de uma grande dose de dor para levar para casa uma lição que podemos aprender com um estímulo menos poderoso?

No mínimo, concluo que não temos nenhuma razão para pensar que os animais não humanos sintam dor menos intensamente do que nós, e de qualquer forma devemos dar-lhes o benefício da dúvida. Práticas como marcação de gado, castração sem anestesia e touradas devem ser tratadas como moralmente equivalentes a fazer o mesmo com seres humanos.

Referência

Richard Dawkins on vivisection: “But can they suffer?” Boing Boing (30 de junho de 2011).





Especismo, um mal que endossa o sofrimento animal

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Filósofos, pesquisadores, cientistas, professores e ativistas falam sobre as armadilhas do especismo

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Mark Devries, autor do documentário “Speciesism – The Movie” (Foto: Divulgação)

Embora especistas sejam popularmente conhecidos como pessoas que convivem com animais domésticos, mas se alimentam de outros animais, há um consenso mais criterioso entre pesquisadores, biólogos, filósofos, professores de direito, advogados e escritores que defendem os direitos dos animais.

Eles apontam que especismo é toda e qualquer forma de exclusão baseada na espécie, quando outros seres são privados de fazerem parte de uma comunidade moral.“Quando você pega essa ideia de que eu posso fazer isso com você, então vou fazê-lo, o auge dessa forma de superioridade, ‘um tipo de racismo’, é o especismo”, afirma Bruce Friedrich, diretor de campanhas veganas da ONG Peta e autor do documentário Meet Your Meat, que já foi visto por milhões de pessoas desde 2002.

De acordo com o famoso biólogo evolutivo Richard Dawkins, professor da Universidade Oxford, a maneira como damos tratamento especial aos humanos em relação ao aborto é uma reafirmação do especismo. “Muitas pessoas pensam que é assassinato abortar um feto humano, e esse pensamento dificilmente é partilhado quando falamos em matar vacas. E, claro, elas têm muito mais capacidade de sofrimento do que qualquer feto humano”, declara Dawkins.

HAY ON WYE, WALES, UNITED KINGDOM - MAY 27: Author and Scientist Richard Dawkins speaks at The Guardian Hay Festival 2007 held at Hay on Wye May 26, 2007 in Powys, Wales, United Kingdom. The festival runs until June 3. (Photo by David Levenson/Getty Images)

Dawkins: “A forma como damos tratamento especial aos humanos em relação ao aborto é uma reafirmação do especismo” (Foto: David Levenson/Getty Images)

Ele também cita o descaso em relação aos chimpanzés, animais inteligentes que não recebem nenhum tratamento muito ético ou moralmente correto como o dispensado aos humanos. “Suponhamos que descobríssemos uma população nas florestas da África que do ponto de vista evolutivo está entre nós e os chimpanzés, o que faríamos? O que os especistas fariam? Devemos dar um jeito, fazer algo entre a nossa moral e a nossa ética”, alega.

O filósofo australiano Peter Singer, autor do icônico livro “Libertação Animal”, de 1975, sugere que os especistas se coloquem no lugar de um escravo do século 18. Uma pessoa naquela sociedade provavelmente diria que não havia bons argumentos para o fim da escravidão, ignorando o sofrimento dos negros.

“É o que acontece hoje com o especismo. De repente, depois de rebaixarem os animais, vão querer dizer: ‘Oh, veja! Se o leão come o antílope, tudo bem eu comer a vaca.’ Mas eu nunca disse que os animais são um tipo de exemplo moral que devemos seguir. Suas ações não são baseadas em escolhas”, pondera. Um ativista, perseguido pelo FBI ao longo de sete anos por libertar milhares de martas que seriam usadas na confecção de casacos de pele, defende que qualquer justificativa contra infringir a lei para salvar animais é primordialmente um argumento especista. “Ninguém argumentaria que seria moralmente injustificado libertar escravos”, assinala.

James Serpell

Serpell: “Nós subestimamos o tempo todo a capacidade dos animais” (Foto: Reprodução)

Um dos maiores equívocos do especismo subsiste na subestimação. E o maior exemplo disso são os porcos, animais tão inteligentes quanto os cães, segundo James Serpell, PhD em ciência veterinária e professor da Universidade da Pensilvânia. “Suínos têm vida social complexa na vida selvagem. Eles formam grupos matriarcais permanentes. E esses mesmos animais ficam enclausurados o tempo todo.  São criados para serem abatidos, resumidos a carne, bacon”, pontua.

E quando grávidas, as porcas normalmente passam os quatro meses de gestação em pequenas gaiolas de 2m x 0,6m, onde conseguem apenas levantar e deitar, já que não há espaço para dar uma volta dentro da própria prisão. E com o tempo, os suínos se tornam cada vez menos sensíveis aos estímulos ambientais. É um comportamento catatônico análogo ao de pessoas com depressão severa.

“Com certeza é bem mais forte do que seria em um ser humano”, garante Serpell. Comum em qualquer lugar, a castração é outro exemplo doloroso de mutilação impingida aos porcos, realizada sem anestésico. A prática consiste em usar um bisturi para rasgar e abrir. Então os testículos são removidos e o porquinho grita em agonia, algo que jamais seria feito sem anestesia em um cão ou gato, por exemplo.

Peter Singer

Singer: “De repente, depois de rebaixarem os animais, vão querer dizer: ‘Oh, veja! Se o leão come o antílope, tudo bem eu comer a vaca.’ Mas eu nunca disse que os animais são um tipo de exemplo moral que devemos seguir. Suas ações não são baseadas em escolhas” (Foto: Reprodução)

Para Rick Dove, da Neuse Riverkeeper Foundation, sediada na Carolina do Norte, é surpreendente a quantidade de pessoas que acordam pela manhã e comem seu bacon como se não houvesse problemas no campo, no mundo. “Há um grande problema. Eles são feitos em fazendas industriais, onde os porcos nunca veem a luz do dia, onde vão do tamanho de um punho a 115 quilos em cinco meses”, reclama.

Sobre a situação das aves poedeiras e de corte, James Serpell relata que milhares de galinhas são mantidas em um mesmo galpão. Pelo fato de serem numerosas e densamente estocadas, elas ciscam umas sobre as outras e também se bicam. Selecionadas para comerem mais do que podem, engordando com celeridade, ficam muito pesadas antes que seus ossos endureçam. “São jovens e têm os ossos macios. E o que acontece então é que elas sofrem com graves fraturas, artrite e osteoartrite. Tornam-se mancas até que ocasionalmente param de andar, ficando apenas sentadas no chão”, revela o professor de ciência veterinária da Universidade da Pensilvânia.

Após realizar dezenas de investigações, o diretor executivo da ONG Mercy For Animals, Nathan Runkle, que costuma enviar espiões para acompanhar o funcionamento de fazendas e agroindústrias, descobriu que é muito comum encontrar animais vivendo em condições deploráveis, deixados para morrer sem cuidados veterinários.

“Sempre encontramos aves presas ou entaladas nos arames das gaiolas, e o ferro solto entra na pele delas e rasga. Elas morrem nessas condições. Seus corpos são deixados para apodrecer ao lado de aves que ainda produzem ovos para consumo humano. Nas fazendas de produção de leite, há tanto estrume que as vacas caem sobre as próprias fezes e se machucam. Além disso, encontramos porcas grávidas com ossos quebrados, feridas abertas. É algo que as indústrias querem que você acredite que se trata de fato isolado. Mas sabemos que isso é rotina, simplesmente faz parte dos negócios”, denuncia.

Francione: “Penso, empiricamente, que pode haver mais sofrimento em um copo de leite ou um pote de sorvete do que em um quilo de bife" (Foto: Reprodução)

Francione: “Penso, empiricamente, que pode haver mais sofrimento em um copo de leite ou um pote de sorvete do que em um quilo de bife” (Foto: Reprodução)

Quem também conhece muito bem o sofrimento dos animais é a ativista Terry Cummings, diretora do Santuário Animal Poplar Spring, situado em Poolesville, Maryland. Ao longo de anos cuidando de animais maltratados em fazendas e agroindústrias, ela aprendeu que, assim como os seres humanos, cada animal tem a sua própria personalidade.

“Alguns são tímidos, alguns gostam de ser paparicados e outros gostam de ser abraçados. Temos uma galinha enorme que passou a maior parte da vida em uma gaiola. Ela é muito doce, come na sua mão. Nós a agradamos com milho e uva. E temos outra [ela não anda mais por causa do comprometimento das articulações durante o processo de engorda] que tem uma melhor amiga chamada Sílvia. Ela choramingou um pouco porque a tirei do celeiro enquanto Sílvia ainda estava lá. Elas gostam de fazer tudo juntas”, narra sorrindo.

Pesando todos esses fatores, o professor de direito da Universidade Estadual de Nova Jersey, Gary Francione, acredita que o veganismo deve ser a linha mestra do movimento em defesa dos animais. “Penso, empiricamente, que pode haver mais sofrimento em um copo de leite ou um pote de sorvete do que em um quilo de bife. Claro que todos são produtos de tortura, e quanto a isso não há distinção, mas os animais usados na indústria de laticínios são mantidos vivos por mais tempo, logo sofrem mais”, conclui.

Sheryl Cole, professora de direito da Universidade Cornell, em Ithaca, Nova York, diz que a dor mais terrível que uma mãe pode sentir é a da separação de um filho. “E isso é rotina nos laticínios. Se você tiver que ir por esse caminho para sobreviver, não consigo imaginar como consegue viver consigo mesmo”, lamenta.

Na mesma esteira segue a reflexão de James Serpell que qualifica as emoções dos animais como muito mais intensas do que a dos seres humanos, e simplesmente porque, ao contrário de nós, eles não são capazes de racionalizar o que sentem. “Eles não conseguem filtrá-las. Nós subestimamos o tempo todo a capacidade dos animais”, endossa.

Mesmo com tantas informações disponíveis, não é difícil encontrar especistas alegando que vegetarianos e veganos também estão se alimentando de outros seres vivos. Sobre isso, Jonathan Balcombe, PhD e coordenador do Departamento de Estudos Animais da Humane Society of the United States, sediada em Washington, deixa claro que não é preciso se preocupar com as plantas porque não são organismos sencientes. “A evolução não as equipou com a necessidade de sentir dor ou prazer. E nós entendemos a mecânica de fluidos pela qual a flor segue o sol pelo céu, por exemplo, assim como entendemos o motor do funcionamento de um carro”, esclarece.

Referência

O documentário Speciesism: The Movie (Especismo), lançado em 2013 por Mark Devries, é um filme que apresenta muitas variáveis e controvérsias envolvendo o tema.

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