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Goethe seria “crucificado” no mundo de hoje

Na minha opinião, o que Goethe romantizou acima de tudo foi a impossibilidade do amor (Arte: Reprodução)
No mundo de hoje, creio que Goethe seria “crucificado” por publicar um romance como “Os Sofrimentos do Jovem Werther”. Diriam, com mais paroxismo do que no século 18, que ele romantizou o suicídio às raias da apologia e, assim como no passado, também seria responsabilizado pela morte de jovens, principalmente – mas creio que numa proporção bem maior. Quem sabe, fosse até perseguido.
Na minha opinião, o que Goethe romantizou acima de tudo foi a impossibilidade do amor (tendo como referência inclusive uma experiência pessoal) e transformou isso em uma obra que penso que talvez até tenha salvado a sua vida, já que ele morreu na obra, mas sobreviveu fora dela. Goethe a escreveu em poucos dias – num prazo tão curto que deixa claro como o escritor estava imerso nesse universo romanesco e conflituoso.
Há autores que escrevem sobre o suicídio até mesmo como uma forma de manifestação da incomunicabilidade, tentativa de compreensão de algo que parece maior do que si mesmo, escapismo, libertação e redenção – mas não desejam cometê-lo. Pode parecer sombrio para muita gente, porém, isso também é uma forma de autoconhecimento. Tenho uma crônica em que falo sobre o suicídio, e eu não estava nem triste quando a escrevi.
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Sensíveis e racionais
Há pessoas que estranham quando alguém demonstra ser tão sensível quanto racional. Temos uma forte tendência à polarização. Tratando-se de personalidade, facilmente dividimos uns aos outros entre sensíveis e racionais. Ou seja, se é sensível, não é racional, e se é racional, não é sensível.
Demonstre tanta deferência pelo romantismo quanto pelo racionalismo e verás pessoas o julgando como volátil, confuso ou até mesmo tolo. Goethe escreveu “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, um dos maiores símbolos do romantismo alemão, e mais tarde publicou “A Teoria das Cores”, em que fez oposição a Newton.
De fato, Goethe era romântico, mas outras de suas obras mostram que ele não pode simplesmente ser definido como tal. Ele era mais do que isso, assim como muitos seres humanos resumidos ao zeitgeist, ou seja, ao espírito de uma época, ou a uma linha de pensamento que diz apenas parcialmente quem realmente são ou eram.
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Lamartine: “Matar os animais é uma das mais deploráveis enfermidades da condição humana”
“É uma dessas maldições lançadas sobre o homem pelo embrutecimento de sua própria perversidade”

Lamartine: “Talvez eu esteja em dívida com essa dieta por conseguir preservar requintada sensibilidade e uma doce tranquilidade de humor e caráter” (Foto: Reprodução)
Pioneiro do romantismo francês e considerado um dos maiores poetas da França do século XIX, o escritor e poeta Alphonse de Lamartine era um defensor do vegetarianismo. Em uma de suas obras, “Les Confidences”, ele conta como se tornou vegetariano logo nos primeiros anos de sua vida.
“Minha mãe estava convencida, assim como sempre foi a minha convicção, de que matar os animais para nos alimentarmos de sua carne e sangue é uma das mais deploráveis e vergonhosas enfermidades da condição humana. É uma dessas maldições lançadas sobre o homem pelo embrutecimento de sua própria perversidade”, escreveu na página 59 da obra publicada originalmente em 1849.
Lamartine narra que surpreendeu a todos quando chegou aos 11 anos se alimentando basicamente de pão, vegetais e frutas. Nem por isso ele era menos saudável ou teve sua fase de desenvolvimento comprometida. “Talvez eu esteja em dívida com essa dieta por conseguir preservar requintada sensibilidade e uma doce tranquilidade de humor e caráter”, registrou.
Assim como sua mãe, o poeta francês acreditava que os hábitos alimentares que envolvem exploração de animais endurecem o coração humano e comprometem a capacidade de observá-los como seres gentis. “Eles são nossos companheiros, nossos auxiliares […]. Esses apetites sangrentos, essa visão da carne palpitante, são calculados para brutalizar os instintos do coração, tornando-nos ferozes”, observou.
A nutrição baseada na exploração animal era reconhecida por Alphonse de Lamartine como possivelmente mais suculenta e energética. Por outro lado, ele afirmou que essas supostas qualidades também eram as causas ativas da irritação humana e do seu definhamento físico. “Azedam o sangue e encurtam os dias de vida da humanidade”, declarou em “Les Confidences”.
Desde muito cedo, com a intenção de fortalecer a opinião do filho em relação à abstinência de carne, sua mãe contava-lhe histórias de tribos gentis e piedosas da Índia, que se negavam a se alimentar de seres sencientes. Muitos eram pastores ou camponeses e, segundo Lamartine, trabalhavam mais duro do que qualquer outra pessoa. Também possuíam uma genuína inocência. “Para matar o desejo, que mesmo que tivesse existido dentro de mim, ela não usou argumentos, mas recorreu ao instinto, que em nosso cerne é muito mais poderoso do que a lógica”, explicou.
Um dia, ainda jovem, o poeta ganhou um cordeiro de um camponês de Milly, uma comuna francesa da região da Borgonha. Com um estreito laço de amizade com o animal, ele o ensinou a segui-lo por todos os lados. “Se tornou o mais carinhoso e fiel dos cães. Nos amamos com a mesma ternura que toda criança tem pelos animais e vice-versa”, relatou.
No entanto, em uma ocasião, ele ficou chocado quando ouviu um cozinheiro conversando com sua mãe. “Madame, o cordeiro está gordo e o açougueiro veio buscá-lo. Devo entrega-lo a ele?”, questionou. Quando ouviu aquilo, Lamartine começou a gritar, abraçou o animal, perguntou o que era um açougueiro e o que tal pessoa iria fazer com ele.

“Vi um homem com os braços nus e lambuzados de sangue, batendo na cabeça de um touro” (Arte: Reprodução)
“O cozinheiro disse que era um homem que matava cordeiros, carneiros, novilhos e belas vacas por dinheiro. Eu mal podia acreditar nisso. Orei à minha mãe e facilmente a convenci a pouparem o meu amigo”, admitiu. Na realidade, a mãe do poeta não raramente testava suas convicções.
Mais tarde, Alphonse de Lamartine acompanhou sua mãe até a cidade e, no caminho, atravessaram o quintal de um matadouro. Havia um propósito nisso que o jovem só percebeu depois. “Vi um homem com os braços nus e lambuzados de sangue, batendo na cabeça de um touro. Outros cortavam as gargantas de bezerros e ovelhas, separando seus membros ainda palpitantes. O sangue fluía por todo o pavimento. Um intenso sentimento de pena, misturado com horror, se apoderou de mim. Tive que ser levado rapidamente para fora daquele lugar”, revelou.
A experiência fez com que Lamartine nunca mais deixasse de associar aquela cena à imagem de um prato com carne, tantas vezes visto por ele sobre a mesa. “Embora a necessidade de cumprir as regras da sociedade me fez comer carne [em determinado momento da vida], desde então, tudo que as outras pessoas comem [e que seja de origem animal] me causa repulsa. O que testemunhei me fez sentir completa aversão. Insuflou-me do horror perpetrado pelos açougueiros. Tem sido sempre difícil pra mim não ver no trabalho de um açougueiro a ocupação de um carrasco”, enfatizou em “Les Confidences”.
A importância de Alphonse de Lamartine
O escritor e poeta Alphonse de Lamartine nasceu em Mâcon, na França, em 21 de outubro de 1790. Criado em uma propriedade rural nas imediações de Milly, estudou os clássicos gregos e romanos, além das obras francesas contemporâneas. Sua educação foi uma educação filosófica que ele qualificava como de “segunda mão”, suavizada por sentimentos maternais. Lamartine, que sofreu grande influência de filósofos como Pitágoras, publicou 19 livros, entre poesia, ficção e história.
De todas as obras publicadas pelo francês, “Méditations Poétiques”, de 1820, continua sendo a mais famosa. No livro, o poeta aborda as relações entre o misticismo, a natureza e as emoções. Para ele, a natureza é a mais importante manifestação da grandeza divina.
Despertando para uma formação mais pessoal de espiritualidade, o escritor adotou a simplicidade como estilo de vida, tanto na forma de se vestir quanto de se alimentar. Depois do lançamento de “Méditations Poétiques”, que alçou o nome da Lamartine aos dos grandes nomes da literatura mundial, ele conseguiu uma nomeação para assumir a embaixada francesa na Itália.
Lá, viveu dez anos, e aproveitou o tempo ocioso para produzir literatura, já que seus deveres diplomáticos não exigiam tanto tempo. Em 1828, de volta à França, tentou garantir uma vaga no parlamento, mas foi derrotado. Então tomou a decisão de viajar para o Oriente Médio, onde começou a se interessar por religiões orientais. Reflexo desse período foi registrado no livro “Souvenirs, Impressions, Pensées, et paysages pendant un Voyage en Orient”, escrito em 1832 e 1832, e no romance em verso “La Chute d’un Ange”; obra de 1838 que chegou a ser banida da Igreja Católica pelo viés panteísta e racionalista.
Em um excerto, o poeta diz: “Le plus beau don de l’homme, c’est la Misericorde”. Ou seja, o maior dom do homem é a Misericórdia. Sendo assim, ele jamais deve matar qualquer animal. Lamartine também se inspirava na idealização do amor, suas crenças e sua relação com a natureza. Considerado um dos protagonistas da transição da literatura neoclássica para a romântica, marcada pela paixão e pelo lirismo, ele foi também um historiador. Escreveu sobre a história dos girondinos, importante grupo político que participou da Revolução Francesa entre os anos de 1789 e 1799.
Em 1849, Lamartine teve o privilégio de fazer parte do governo provisório da França na Segunda República, após a deposição de Luís Filipe I. O escritor e poeta liderou as ações que culminaram na abolição da escravidão e no primeiro modelo dos direitos trabalhistas na França, de acordo com o pesquisador Lawrence C. Jennings. Ainda assim, acabou derrotado por Napoleão III na eleição presidencial realizada no mesmo ano. Depois de se aposentar da política em 1851, Alphonse de Lamartine continuou escrevendo até o dia 28 de fevereiro de 1869, quando faleceu em Paris.
Referências
Lamartine, de Alphonse. Les Confidences (1857). Nabu Press (2012).
Lamartine, de Alphonse. Trois Mois au Pouvoir (1848). Nabu Press (2011).
Lamartine, de Alphonse. La Chute d’un Ange (1838). CreateSpace Independent Publishing Platform (2015).
William A. Alcott. Vegetable Diet: As Sanctioned by Medical Men and by Experience in All Ages. Marsh, Capen & Lyon (1838).
Jennings, Lawrence C. French Anti-Slavery: The Movement for the Abolution of Slavery in France, 1802-1848. Cambridge University Press (2006).
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Você é o que você come
Embora pouca gente saiba, o aforismo “você é o que você come”, não raramente divulgado de forma equivocada nos séculos 20 e 21, foi criado pelos românticos na defesa do vegetarianismo, ao ponderarem que tudo que serve de alimento ao ser humano tem implicações físicas e morais. De acordo com o escritor britânico Percy Bysshe Shelley, um dos precursores do veganismo, o consumo de carne não apenas profanou o corpo humano, mas também encorajou a adoção de outros hábitos destrutivos.
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Percy Shelley, um ativista “vegano” no século 19
“Seria muito melhor a um ser senciente jamais ter existido do que existir para suportar a miséria absoluta”
Em países que não têm o inglês como língua nativa, não raramente o poeta britânico Percy Bysshe Shelley é relegado à sombra de sua esposa Mary Shelley, autora do clássico “Frankenstein”, uma das obras mais famosas da literatura inglesa. No entanto, o que pouca gente sabe é que o livro foi influenciado pelas ideias do escritor romântico, sua interpretação do mito de Prometeu aliado à sua filosofia de vida vegetariana, também partilhada por Mary.
Um dos personagens mais influentes do romantismo, Shelley foi muito além da poesia, fazendo da Era Romântica um período em que arte e filosofia estreitaram sua relação com o vegetarianismo. Ao publicar os poemas “Queen Mab” e “Alastor, or The Spirit of Solitude”, e os ensaios “A Vindication of Natural Diet” e “On The Vegetable System of Diet”, o poeta chamou a atenção para os direitos dos animais e os benefícios da dieta vegetariana. Considerado moderno demais para a época, seu idealismo visto como intransigente e pouco ortodoxo fez dele uma persona non grata em muitos círculos sociais europeus.
Controverso, defendia o vegetarianismo, o amor livre e o direito ao ateísmo em uma sociedade visceralmente cristã. Abordava a importância dos direitos das mulheres e incentivava a esposa Mary Shelley a tornar-se ativista na busca por igualdade entre homens e mulheres, o que fez dela uma referência para o feminismo na Inglaterra e nos Estados Unidos. Além disso, ele lutou por justiça social para as classes trabalhadoras.
O poeta britânico se tornou vegetariano depois de testemunhar maus-tratos contra animais domesticados para o abate. Com uma visão filosófica progressista, ele defendia que os animais não precisavam de privilégios, mas de equidade, pois, assim como os seres humanos, também têm direito à vida. Para Shelley, o abate de animais, com a mera intenção de transformá-los em comida, não é apenas a raiz dos crimes cometidos pela raça humana, mas também a causa de todos os comportamentos imorais e criminosos da humanidade.
Ele argumentava que a adoção de uma dieta vegetariana e a cessação do abate animal levaria ao fim as injustiças sociais em decorrência da pobreza, do crime e da violência. Também tinha fé que esse seria o caminho para a implantação de um sistema que substituiria o capitalismo e daria fim às guerras. De acordo com o poeta britânico, o vegetarianismo era o único meio de alcançar a perfeição moral; pensamento que influenciaria o russo Liev Tolstói, um dos maiores nomes da literatura mundial.

Um dos personagens mais importantes do romantismo, Shelley advogava em favor do vegetarianismo (Imagem: Reprodução)
“Somente através do amolecimento e do disfarce da carne através da preparação culinária que ela se torna suscetível de mastigação e digestão, e só assim a visão dos seus sucos sangrentos e o seu horror cru não desperta ódio e desgosto.”, lamentou. Mais do que o decano do vegetarianismo no século 19, é justo dizer que Percy Shelley era um protovegano, ou seja, alguém que, despreocupado com denominações e terminologias, teve grande influência sobre o surgimento do veganismo, uma ideologia mais austera, sólida e completa em relação à defesa dos animais.
“Eu sustento que a depravação da natureza física e moral do ser humano começou com seus hábitos não naturais de vida. A origem do homem, como a do universo do qual ele faz parte, envolve um mistério impenetrável”, escreveu Shelley em “A Vindication of Natural Diet”, ensaio em que se opõe radicalmente à exploração animal em todos os aspectos. Na obra, argumenta que uma sociedade baseada na igualdade, justiça social e espiritualidade deve ter como ponto de partida uma alimentação livre da tortura e do sofrimento animal.
O interesse de Percy Shelley pelo vegetarianismo começou cedo. Quando estudava na Universidade de Oxford, o poeta britânico se alimentava como um eremita, levando em conta a pureza e a simplicidade dos alimentos. Em 1812, quando completou 20 anos, adotou a dieta vegetariana estrita. E sua crença no vegetarianismo foi reforçada quando ele conheceu a Família Newton, formada por uma longa linhagem de vegetarianos estritos.
Seus amigos Thomas Jefferson Hogg e Thomas Love Peacock não gostaram da influência dos Newton sobre Shelley. Eles viam a família de vegetarianos como “um grupo de monges tolos”, e logo começaram a zombar do poeta. Porém mudaram de opinião e mais tarde se tornaram vegetarianos. Na biografia “Life of Shelley”, Hogg fala de sua aprovação e adesão ao vegetarianismo.
Frugal, a comida preferida de Shelley era pão, alimento que sempre comprou em uma mesma padaria enquanto estudou em Oxford. Em Londres, durante a permanência do poeta em Bishopsgate em 1815 e depois em Marlow em 1817, Thomas Hogg notou que o amigo seguia firme na defesa do vegetarianismo, assim como fez até os seus últimos dias de vida.
Percy Shelley influenciou os mais importantes reformadores vegetarianos dos séculos 19 e 20, o que garantiu-lhe o título de primeira grande personalidade vegana da história do Ocidente, segundo a obra “In Pursuit of Percy Shelley, ‘The First Celebrity Vegan’: An Essay on Meat, Sex, and Broccoli”, de Michael Owen Jones. Antes de se tornar vegetariano, o poeta romântico era um humanista e humanitarista que se alimentava com simplicidade; o que à época, e paradoxalmente, foi encarado como uma extravagância e uma excentricidade inofensiva propagada por um artista e pensador que seguia os preceitos do evangelho da gentileza e do amor universal.

Na ficção e na filosofia, o poeta britânico materializou sua consciência vegana (Imagem: Reprodução)
Assim como o filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau, Shelley foi influenciado pelos filósofos gregos Pitágoras e Plutarco – principalmente pelo ensaio “Do Consumo da Carne”, que qualifica a “dieta da carne” como não natural ao homem. O britânico escreveu que os seres humanos eram naturalmente frugívoros, logo deveriam ter uma dieta baseada em água e vegetais. Também via como importante a abstenção de álcool. Considerava o licor fermentado como uma das bebidas mais nocivas ao homem. “Tão venenoso quanto a carne”, sentenciou.
Abdicando do consumo de alimentos de origem animal e retornando à dieta natural dos primeiros seres humanos que habitaram a Terra, não tardaria para a humanidade vivenciar uma evolução moral, melhorias em relação à saúde e restauração da longevidade. “O que se come é o que se é”, dizia o poeta, crente de que a identidade humana tem relação substancial com a alimentação.
E enquanto o homem não retornar às suas origens, ele há de ser punido, assim como foi o mitológico titã Prometeu que roubou o fogo para dar aos homens. Em represália, o acorrentaram ao Monte Cáucaso, onde assistiu um mesmo abutre se alimentando diariamente de seu fígado que se regenerava.
“O homem em sua criação foi dotado com o dom da eterna juventude, isto é, ele não foi feito para ser uma criatura doente como vemos agora. Ele deveria desfrutar de sua juventude e aos poucos afundar no seio da mãe terra, sem contrair qualquer doença ou sofrimento físico. Porém Prometeu ensinou ao homem como transformar os animais em comida. Depois explicou como usar o fogo para que a carne animal se tornasse digerível e agradável ao paladar. Júpiter e os outros deuses, prevendo as consequências dessas ações, ficaram irritados com a visão que tiveram dessas novas criaturas. E para puni-los decidiram deixar que experimentassem os tristes efeitos do consumo de carne. (…) E assim o homem perdeu o dom inestimável da saúde que recebeu dos céus. Ele ficou doente, sua saúde se tornou precária, e não mais desceu lentamente até a própria sepultura”, registrou Percy Shelley em “A Vindication of Natural Diet”, publicado em 1813.
Na obra, Prometeu representa a raça humana que contrariando a própria natureza, usou o fogo com fins culinários. Então os sinais vitais dos seres humanos foram devorados pelo abutre, simbolizando a emergência das doenças. “Seu ser é consumido em cada forma de sua repugnante e infinita diversidade”, registrou.
Shelley também encontrou no mito da criação uma alegoria semelhante, a de que Adão e Eva alçaram à posteridade a ira de Deus e a perda da vida eterna, isto porque se alimentaram da árvore do mal, fazendo florescer a violência e a doença através de uma dieta não natural. “O homem e os animais a quem ele infectou com sua sociedade, ou os depravou através de seu domínio, estão sozinhos e doentes. O porco selvagem, o muflão, o bisão e o lobo são perfeitamente isentos de doenças e, invariavelmente, morrem de violência externa ou de velhice. Mas os porcos domésticos, as ovelhas, as vacas e os cães estão sujeito a uma incrível variedade de enfermidades e, como os corruptores da natureza, há médicos que prosperam com suas misérias”, queixou-se.

Shelley: ““As misérias, as doenças que assolam o mundo, são uma maldição conquistada pelo ser humano desde que ele se colocou acima de seus companheiros animais”
O ativismo de Percy Shelley fez com que o famoso e controverso poeta Lord Byron também aderisse ao vegetarianismo na juventude. Na realidade, Shelley tinha um grande poder argumentativo. Não possuía dificuldade em convencer aqueles que estavam mais próximos a ele de tornarem-se vegetarianos.
“As misérias, as doenças que assolam o mundo, são uma maldição conquistada pelo ser humano desde que ele se colocou acima de seus companheiros animais. (…) Comparativamente, a anatomia sempre me ensinou que o homem se assemelha mais aos animais frugívoros, não aos carnívoros. Ele sequer tem as garras adequadas para aproveitar sua presa, e nem mesmo caninos verdadeiramente pontiagudos e afiados para dilacerar corretamente as fibras da carne. Pensem no trabalho que o ser humano tem para preparar a carne, amolecê-la e disfarçar suas características naturais”, apontou em seu ensaio.
Na obra, o autor convida o leitor a refletir sobre o aspecto cru da carne e o seu suco que geram desgosto em quem a consome, alegando que o homem come carne porque finge não ver carne. A quem se considera um carnívoro nato, Shelley, assim como Plutarco, faz um convite: “Experimente rasgar um cordeiro vivo.”
No século XIX, ele compartilhou sua filosofia com todos os seus contemporâneos, estendendo seus questionamentos morais e éticos a muitos outros artistas e pensadores, estreitando a relação dos românticos com o vegetarianismo. Em “Queen Mab”, de 1813, escreveu sobre sua transição: “E o homem…não agora, mata o cordeiro de quem observa a face, e terrivelmente devora sua carne mutilada.”
O mesmo excerto abre o ensaio “A Vindication of Natural Diet”. Em “A Refutation of Deism”, uma prosa publicada em 1814, ele aborda a sua filosofia vegetariana, assim como no poema lírico do quinto canto de “Laon and Cythna” ou “The Revolt of Islam”, de 1818, conhecido como “A Lírica do Vegetarianismo”. Com a delicadeza e humanidade que lhe era peculiar, sua crença no vegetarianismo também pode ser observada na abertura do poema “Alastor”, de 1816, onde ele invoca a comunhão entre a terra, o oceano e o ar através da amada fraternidade da natureza.
Shelley, na dedicação sincera a todos os seres sencientes escreveu: “Se o uso de comida animal é, em consequência, subversiva à paz da sociedade humana, quão injustificável é a injustiça e a barbárie exercida contra essas pobres vítimas. Esses animais são chamados à existência pelo artifício humano de garantir uma existência curta e miserável de escravidão e doenças, em que seus corpos podem ser mutilados e seus sentimentos sociais suprimidos. Seria muito melhor a um ser senciente jamais ter existido do que existir simplesmente para suportar a miséria absoluta.”
Referências
Shelley, Percy Bysshe. A Vindication of Natural Diet, Londres. Smith & Davy. 1813.
Salt, Henry. Percy Bysshe Shelley: A Monograph. Swan, Sonnenscheim, Lowrey & Co., Londres. Originalmente publicada no The Vegetarian Annual, de 1887 (1888).
Jones, Michael Owen. In Pursuit of Percy Shelley, “The First Celebrity Vegan”: An Essay on Meat, Sex, and Broccoli. Journal of Folklore Research. Volume 53. Número 2. Agosto de 2016.
Medwin, Thomas. The Life of Percy Bysshe Shelley, Londres. Biblioteca Britânica. Domínio Público (1847).
Hogg, T.J. The Life of Percy Bysshe Shelley, Londres. Editora Edward Moxon (1888).
Blunden, Edmund. Shelley – A Life Story, Londres. Collins St. James’s (1946).
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Como o romantismo influenciou o veganismo
Tenha cuidado, porque quando um verme você esmagar, a alma de um irmão você pode encontrar

Para Shelley, o consumo de carne não apenas profanou o corpo humano, mas também encorajou o consumo excessivo de álcool (Arte: Reprodução)
O romantismo foi a corrente artística que ajudou a sedimentar o vegetarianismo moderno e o veganismo no mundo ocidental. E não por acaso, já que os escritores da Era Romântica argumentavam a favor de uma dieta isenta de ingredientes de origem animal, levando em conta o estado da humanidade, a saúde e os direitos animais, a economia e a divisão de classes sociais.
Embora pouca gente saiba, o aforismo “você é o que você come”, tão divulgado de forma equivocada nos séculos 20 e 21, foi criado pelos românticos na defesa do vegetarianismo, ao ponderarem que tudo que serve de alimento ao ser humano tem implicações físicas e morais. De acordo com o escritor britânico Percy Bysshe Shelley, um dos precursores do veganismo, o consumo de carne não apenas profanou o corpo humano, mas também encorajou o consumo excessivo de álcool e a adoção de outros hábitos destrutivos.
“Acredito que a depravação da natureza física e moral do ser humano se originou com seus hábitos não naturais de vida”, escreveu Shelley em A Vindication of Natural Diet, publicado em 1813. Na obra, ele afirma que o homem naturalmente saudável foi comprometido pela sociedade moderna. “Um corpo tornado doente por uma sociedade doente”, alegou.

Ritson registrou que os dentes e os intestinos do homem são muito parecidos com os dos animais frugívoros (Arte: Reprodução)
Estudando a relação do ser humano com a carne, o escritor percebeu que o suposto alimento não representava apenas mais uma opção nutricional, mas também a legitimação e naturalização da crueldade, tirania e escravidão dos animais. Se não temos qualquer direito sobre seus corpos, como podemos nos colocar em posição de destruí-los? Não há nenhum tipo de permissão, nem mesmo sobre pardais que povoam os céus ou sobre peixes mais modestos que habitam os rios, defendiam.
No século 19, médicos e cientistas que apoiavam os românticos descobriram que a anatomia humana era muito semelhante a animal, principalmente no que diz respeito à senciência e às respostas emocionais. E isso ajudou a reforçar o discurso de que o consumo de animais já era moralmente errado. Sendo assim, o ser humano deveria retornar à dieta de base vegetal.
O escritor inglês e ensaísta Joseph Ritson também contribuiu com novas constatações. Ele registrou que os dentes e os intestinos do homem são muito parecidos com os dos animais frugívoros, portanto ele não deve consumir carne. A existência de caninos curtos e a falta de garras também ajudaram a contestar a ideia de que o homem é um predador ou caçador natural, pois ele não possui capacidades físicas para matar um animal sem usar as ferramentas apropriadas. “Além disso, o comprimento de seu intestino faz com que a digestão da carne seja muito difícil”, justificou Ritson em An Essay on Abstinence from Animal Food, as a Moral Duty, publicado em 1802.
O médico escocês George Cheyne, proeminente figura da medicina nos séculos 17 e 18, ajudou a fundamentar a defesa do vegetarianismo na Era Romântica ao concluir que o surgimento de doenças e a queda da longevidade estavam relacionados à incorporação da carne na alimentação. Para os românticos, a decadência humana começou a partir do momento que o homem fez do consumo de carne um hábito, se negando a aceitar o fato de que os primeiros humanos tinham uma alimentação muito próxima da dieta vegetariana.
E como consequência, as doenças atingiram tanto a humanidade quanto os outros seres vivos. Muitos animais foram diagnosticados pela primeira vez com enfermidades que surgiram com a crescente oferta e demanda de carne. O agravante foi o confinamento de animais em fazendas, tornando-os condutores de doenças que se espalhavam para outros animais. Até mesmo a comida servida a eles, desde o princípio, era um facilitador da proliferação de doenças.
Então os românticos fizeram da arte, da filosofia e da política um instrumento de conscientização contra a natureza opressiva humana – algo que deu origem a uma dieta considerada cruel e brutal que até hoje o afasta de seu verdadeiro papel em relação à natureza. Os vegetarianos do romantismo também foram os primeiros a se preocuparem com o meio ambiente no Ocidente, despertando uma consciência muito próxima da atual. Entendiam que o consumo de carne afetaria cada vez mais a natureza conforme a demanda crescia.
Shelley argumentava que a quantidade de matéria vegetal nutritiva utilizada na engorda do gado poderia alimentar dez vezes mais pessoas se os vegetais usados em sua nutrição fossem destinados às pessoas. Logo a criação de animais para o abate era um desperdício e um assalto à relação entre a capacidade da natureza de fornecer alimentos e o desmedido desejo do homem em explorá-la sem pesar critérios ambientais.

Tryon acreditava que a humanidade mergulhou em uma forma de ira amplificada pelo retorno financeiro que os animais poderiam proporcionar enquanto produtos (Arte: Reprodução)
Em An Essay on Abstinence from Animal Food, as a Moral Duty, Ritson afirma que é tão antinatural ao homem o consumo de carne que chega a ser impossível não incitar nele nenhum tipo de ferocidade. Os românticos se preocupavam com o embrutecimento humano, o distanciamento em relação às suas origens; até porque uma das principais características do romantismo era a evocação do passado, incluindo a defesa da natureza, da vida e da imaginação.
“Ele é um homem de paixões violentas, de olhos vermelhos e veias inchadas, que sozinho consegue empunhar a faca do assassinato”, escreveu Shelley em A Vindication of Natural Diet, em referência à prática selvagem e fisiologicamente conflituosa do derramamento de sangue. E ao contrário do que muitos acreditam, os românticos se preocupavam com as classes mais desfavorecidas. Tanto que o vegetarianismo era uma forma de resistência à cultura do luxo.
Reformistas literários como Percy Shelley, de origem burguesa, apostavam no boicote à carne como uma forma de combater também o consumismo. A carne figurava como um dos principais símbolos de distinção social e segregação de classes nos séculos 18 e 19. Para os românticos, que viam a divisão de classes como um dos grandes males da sociedade, a carne foi incluída na dieta humana não para beneficiar o ser humano, mas simplesmente para gerar lucro, aceitação e atrair visibilidade.
Os vegetarianos do romantismo chamavam a atenção para a opressão hierárquica dentro das classes econômicas e para a forma como a humanidade estava deslocada do mundo natural. Portanto consumir carne não era mais do que um vício burguês, e os abastados eram os únicos em condições de consumi-la com regularidade. Paradoxalmente, a dieta mais saudável era a das classes mais baixas. Eles comiam pães, mingau, batatas e vegetais.
Outra curiosidade é que os vegetarianos da Era Romântica eram, em sua maioria, intelectuais de classe média que desprezavam a ganância e o desperdício tão inerente à alta burguesia. O escritor inglês Thomas Tryon, importante defensor do vegetarianismo no século 17, declarou que os seres humanos jamais teriam transformado os animais em comida se fosse apenas por desejo, necessidade ou manutenção da vida. Ele acreditava que a humanidade mergulhou em uma forma de ira amplificada pelo retorno financeiro que os animais poderiam proporcionar enquanto produtos. Assim os humanos deixaram de amá-los e vê-los como indefesas criaturas da natureza.
Os românticos apostavam na expansão do vegetarianismo. Mostravam o quanto a dieta vegetariana era acessível. Eles tencionavam elaborar um plano para aumentar a oferta de alimentos vegetais, forçando a diminuição da demanda por terra na criação de animais, o que significava também reduzir os conflitos de classes. Shelley e outros pensadores entendiam que a comida era um tipo de personificação material de todas as práticas sociais. Por isso o boicote ao consumo de carne era a melhor solução para frear o consumismo.
Entre os séculos 18 e 19, Inglaterra, Alemanha e França eram os países com mais adeptos do vegetarianismo, não apenas como dieta, mas também como filosofia de vida, já que muitos acabaram se tornando vegetarianos por uma questão moral e ética envolvendo os direitos animais. Com a expansão do vegetarianismo, cresceu a disponibilidade e variedade de vegetais. À época, muitas das grandes cidades da Europa tinham seus próprios jardins que ofereciam gratuitamente frutas e vegetais à população.
E tudo isso graças à influência literária dos românticos na ficção, antropologia, teorias de consumo e evolucionismo. Contudo é importante frisar que no final do século 19 o romantismo foi influenciado pelo humanismo durante o iluminismo, quando os europeus começaram a repensar suas atitudes em relação à justiça, liberdade e fraternidade.
Um exemplo foi o filósofo inglês e idealizador do liberalismo John Locke. Ele percebeu que os animais tinham grande potencial de comunicação, além de condições de expressar emoções e capacidade de sentir dor. Então o humanitarismo foi estendido ao reino animal, considerando que não havia tantas diferenças entre os seres humanos e os animais.
Graças a Locke, ampliou-se a crença de que todos os seres vivos tinham uma forte ligação, sugerindo a ideia de que ser cruel com algum animal significava ser capaz de ser violento com qualquer criatura viva, inclusive humana. Com tais princípios, o vegetarianismo se tornou uma filosofia apropriada que ajudou a fortalecer o humanismo e a compaixão em relação aos animais.
Por meio do trabalho de estudiosos como o naturalista francês Louis Lecrerc, o Conde de Buffon, a sociedade passou a reconhecer a complexidade física, biológica e emocional dos organismos que compõem a natureza. Lecrerc defendia a ideia da ancestralidade comum em relação a humanos e animais, o que curiosamente ia ao encontro do que advogavam os românticos. No século 19, o naturalista britânico Charles Darwin, mais famoso pela autoria de On the Origin of Species, de 1859, foi influenciado por Lecrerc e pelos românticos, constatando que realmente animais e seres humanos estão naturalmente interligados.
Com ideologia enraizada na estética romântica da compaixão e da comunhão com a natureza, os adeptos do romantismo também foram pioneiros em outras linhas de frente. Prova disso foi o papel desempenhado pela escritora vegetariana Mary Shelley, autora do clássico Frankenstein que, incentivada pelo marido Percy Shelley, se tornou ativista dos direitos animais e das mulheres. Outros nomes importantes desse período são os britânicos Alexander Pope e Lord Byron – os maiores poetas do romantismo junto com Percy Shelley.
O trabalho deles culminou na fundação da Vegetarian Society em Londres em 1847, e no uso formal do termo vegetariano em substituição a pitagorianos, muito usado para se referir a quem não se alimentava de animais. Os românticos também tiveram grande influência na criação da Vegan Society, a pioneira do veganismo no Ocidente. “O vegetarianismo é o caminho para que as pessoas voltem a ter uma relação mais respeitosa com a natureza”, dizia Percy Shelley.
As contribuições do vegetarianismo à sociedade moderna
O movimento vegetariano durante o Período Romântico foi marcado pela defesa dos direitos animais e das mulheres. Também teve grande importância sobre os direitos civis no século 19. E seus ideais eram sustentados pelo legado de pensadores gregos. “Não faça aos outros o que não gostaria que fizessem com você”, diziam os românticos, em referência à Regra de Ouro de Pitágoras.
Nenhum ser humano tem mais direito à natureza do que qualquer outro ser vivo. Todos devem ser vistos como iguais, declaravam. Eles rejeitavam a ideia da superioridade humana defendida por quem alegava que o homem era o elo entre a natureza e Deus. “Usurpar autoridade sobre qualquer animal é excesso de orgulho e altivez da alma”, condenou o escritor inglês Robert Morris.
A defesa do vegetarianismo por meio do romantismo reavivou valores morais perdidos pelo homem ao longo dos séculos. Inclusive inspirou religiões baseadas em velhas doutrinas que optaram por rever a relação entre Deus, seres humanos e animais. Nesse período, os cristãos reconheceram que só após o dilúvio foi dada ao homem a permissão para comer carne, não antes, o que endossa a ideia de que a carne não fazia parte da dieta natural humana.
Com isso, religiões que abordam a reencarnação começaram a discutir sobre a alma animal e a reconhecer a importância de outros seres sencientes. “Tenha cuidado, porque quando um verme você esmagar, a alma de um irmão você pode encontrar”, escreveu a poetisa inglesa Anna Laetitia Barbauld, importante nome do romantismo, na obra The Mouse’s Petition, publicada em 1773.
Referências
Shelley, Percy Bysshe. A Vindication of Natural Diet. London. Smith & Davy (1813).
Ritson, Joseph. An Essay on Abstinence from Animal Food, as a Moral Duty, London, 1802. Kessinger Publishing (2009).
Pope, Alexander. Against Barbarity to Animals, The Guardian, No. 61 (1713).
Morton, Timothy. Cultures of Taste/Theories of Appetite: Eating Romanticism; New York: Palgrave Macmillan (2004).
Morton, Timothy. Joseph Ritson, Percy Shelley and the Making of Romantic Vegetarianism, Romanticism. Vol. 12. The University of California (2006).
Preece, Rod. Sins of the Flesh: A History of Ethical Vegetarian Thought; Vancouver; Toronto: UBC Press (2008).
Spencer, Colin. The Heretic’s Feast: A History of Vegetarianism; Great Britain: Hartnolls Ltd, Bodmin (1993).
Oerlemans, Onno. Romanticism and the Materiality of Nature. Toronto; Buffalo: University of Toronto Press (2002).
Ruston, Sharon. Vegetarianism and Vitality in the Work of Thomas Forster, William Lawrence and P.B. Shelley. Keats-Shelley Journal. Vol. 54 (2005).
Perkins, David. Romanticism and Animal Rights. Cambridge, UK; New York: Cambridge University Press (2003).
Stuart, Tristram, The Bloodless Revolution: A Cultural History of Vegetarianism from 1600 to Modern Times; Great Britain. HarperPress (2006).
Kenyon-Jones, Christine. Kindred Brutes: Animals in Romantic-Period Writing; UK: Ashgate Publishing (2001).
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Sobre os escritores do passado e o veganismo
Fico surpreso quando escrevo sobre a relação de algum escritor(a) do passado com o vegetarianismo e alguém aparece rebatendo de forma passional; tentando desconsiderar a sua contribuição, alegando que ele(a) não consumia carne simplesmente porque tinha nojo ou porque queria fazer frente a um princípio estético no ambiente burguês.
Então quer dizer que há escritores(as) que não consomem alimentos de origem animal e publicam livros abordando as questões morais e éticas do vegetarianismo simplesmente para aparecer? No mínimo curioso alguém dedicar tanto tempo a algo em que não acredita. E mesmo que fosse verdade, isso não anularia a sua colaboração, caso tenha transformado vidas.
Quando falamos em vegetarianismo e veganismo, penso que o maior cuidado que devemos ter é um só – não desmerecer alguém simplesmente porque é diferente de nós em diversos aspectos. O mais importante é que haja união em torno do que preza o vegetarianismo e o veganismo.
Sei que muitas vezes somos reféns das armadilhas do ego e passamos a querer que os outros tenham os mesmos parâmetros de vida que nós. Porém o mundo não se pauta na nossa vida, nem as outras pessoas. Então devemos aprender a respeitá-las nas suas diferenças, desde que isso não signifique prejuízo a nada ou ninguém.
Na minha opinião, tudo que contribui com o vegetarianismo e o veganismo é bem-vindo. Vejo como um equívoco julgar os vegetarianos do passado com ênfase em conceitos atuais. É muito importante entender que foi a contribuição de cada um desses pensadores, independente de motivação, que ajudou a moldar o vegetarianismo ao longo dos séculos, inclusive culminando no surgimento do veganismo como o conhecemos.
Embora há quem despreze os românticos porque eram burgueses, claro que não todos, é importante reconhecer sim que eles foram determinantes na história do veganismo no mundo ocidental, inclusive estou preparando um artigo que fala exatamente disso. E as pessoas que costumam desqualificá-los são aquelas que têm inclinação política sob viés fundamentalista, e muitas vezes não percebem como isso pode ser nocivo.
Acredito que não devemos julgar a consciência vegetariana de séculos atrás usando como referência o presente. Ademais, penso que já temos pessoas demais trabalhando contra o que o veganismo defende. “Não mais agora, ele mata o cordeiro que o observa e terrivelmente devora sua carne mutilada”, escreveu o escritor romântico Percy Shelley na obra A Vindication of a Natural Diet, publicada em 1813.
William Blake: “Toda comida sadia é apanhada sem rede ou armadilha”
Ao grito da lebre caçada/Da mente, uma fibra é arrancada/Ferida na asa a cotovia/Um querubim, seu canto silencia

Blake: “Um tordo rubro engaiolado/Deixa o Céu inteiro encolerizado/Um cão com dono e esfaimado/Prediz a ruína do estado” Arte: Reprodução)
“Toda comida sadia é apanhada sem rede ou armadilha”, escreveu William Blake, em crítica a quem resume os animais a alimentos, em The Marriage of Heaven and Hell (O Casamento do Céu e do Inferno), uma de suas obras mais famosas, lançada em 1790. No livro, um dos maiores poetas da primeira geração do romantismo inglês transmite suas crenças vanguardistas e sua espiritualidade peculiar por meio de uma combinação de prosa, poesia e ilustrações aos moldes das profecias bíblicas.
Embora não fosse exatamente religioso, o místico William Blake era espiritualista à sua maneira e acreditava que o mal que os seres humanos infligem aos animais, relegando-os à comida, têm consequências negativas para o mundo e a vida em sociedade. Inspirado no panteísmo, o poeta defendia que seres humanos e animais nascem com uma conexão natural que depois de rompida desencadeia fenômenos que ameaçam o equilíbrio da vida terrena.
Essa sua perspectiva o influenciou a escrever em 1803 um poema de 132 linhas, intitulado Auguries of Innocence (Augúrios da Inocência), que só foi publicado em 1863. Ou seja, mais de 35 anos após a morte de Blake, um pensador que qualificava como mais nociva a violação das leis espirituais do que a violação moral. Na obra com caráter sibilino de presságio, o poeta explora o paradoxo da inocência, do mal e da corrupção. E nesse contexto, apresenta a contumaz intercorrência na relação dos seres humanos com os animais:
Um tordo rubro engaiolado
Deixa o Céu inteiro encolerizado
Um cão com dono e esfaimado
Prediz a ruína do estado
Ao grito da lebre caçada
Da mente, uma fibra é arrancada
Ferida na asa a cotovia,
Um querubim, seu canto silencia
A cada uivo de lobo e de leão
Uma alma humana encontra a redenção
O gamo selvagem acalma
A errar por aí, a nossa alma
Se gera discórdia o judiado cordeiro
Perdoa a faca do açougueiro
Crítico férreo da imoralidade, e principalmente de todas as formas de crueldade, quando fala do cordeiro em Auguries of Innocence, Blake se refere tanto à candura animal, que se sobressai à humana, quanto ao destino de Jesus Cristo que perdoou seus executores.
O inglês que amargou décadas de pobreza se via mais como escultor e pintor do que poeta. Ele esperava que em uma exposição realizada em 1808 o seu trabalho pudesse trazer-lhe tanto retorno financeiro quanto reconhecimento por seu estilo original, baseado em temas a frente do seu tempo.
Na exposição que recebeu o nome de “Afrescos de Invenções Poéticas e Históricas”, Blake reuniu 16 de suas pinturas. “Aos que foram informados de que o meu trabalho se resume a obras não científicas, excêntricas ou nada mais que rabiscos de um louco, façam-me justiça e examinem tudo antes de tomar uma decisão”, pediu. Naquele dia, poucas pessoas prestigiaram o evento.
Ainda assim, ele não hesitou em dizer que não desistiria do seu sonho de ser reconhecido. “Ignorantes insultos não me farão desistir do meu dever para com a minha arte”, informou. Infelizmente ninguém comprou nenhuma de suas obras e a única resenha publicada sobre a exposição definiu William Blake como um lunático que só não corria risco de ser preso porque era inofensivo demais.
A recepção da poesia do inglês também seguiu na mesma esteira de suas pinturas e esculturas. Poucos viram ou leram pelo menos um de seus livros escritos e ilustrados à mão. Em 1811, dois anos antes de se consagrar como o poeta laureado, o britânico Robert Southey, leu Jerusalem, uma das obras mais famosas de William Blake. “É um poema perfeitamente louco”, sintetizou Southey.
No dia 12 de agosto de 1827, o poeta faleceu aos 69 anos na pobreza e no anonimato. Quase ninguém reconhecia qualidade em sua sensibilidade e autoralidade. Seu velório em Bunhill Fields, na região norte de Londres, passou despercebido e só pôde ser realizado através de um empréstimo de 19 xelins. Sepultado em um túmulo sem qualquer inscrição, o corpo de Blake foi colocado sobre outros três e seguido por mais quatro falecidos.
Catherine continuou a imprimir e divulgar as obras do marido depois que ele morreu, o que deixou claro que a parceria dos dois envolvia tanto amor quanto trabalho. Com a ajuda de poucos amigos e fãs de William Blake, ela conseguiu sobreviver por mais quatro anos. Nesse período, afirmou ter visto o marido muitas vezes, chegando a sentar-se junto dele por duas a três horas diárias. No dia 31 de outubro de 1831, Catherine chamou por Blake, como se ele estivesse no quarto ao lado. “Meu William…meu William…”, repetiu ela até o momento de sua morte.
Saiba Mais
Entre as obras mais importantes do poeta inglês se destacam The Marriage of Heaven and Hell, Jerusalem, And did those feet in ancient time, Songs of Innocence and of Experience, Milton e The Four Zoas.
William Blake nasceu no Soho, em Londres, em 28 de novembro de 1757.
Catherine Blake nasceu em 25 de abril de 1762 e faleceu em 31 de outubro de 1831.
Referências
Blake, William. The Marriage of Heaven and Hell. CreateSpace Independent Publishing Platform (2014).
Blake, William. Auguries of Innocence. Amazon Digital Services LLC (2012).
G.E. Bentley. The Stranger From Paradise: A Biography of William Blake. Yale University Press (2001).
Blake, William; Tatham, Frederick. The Letters of William Blake: Together with a Life (1906).
Gilchrist, A. The Life of William Blake, London (1863).
Morton, Timothy. The Pulses of the Body: Romantic Vegetarian Rhetoric and Itscultural Contexts. The University of Colorado at Boulder In Kevin Cope, ed.,1650–1850: Ideas, Aesthetics, and Inquiries in the Early Modern Era Vol. 4. AMS Press. Páginas 53-88 (1998).
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Quando o Le Figaro desprezou a obra-prima de Baudelaire
O poeta sabia que seus poemas teriam grande impacto na sociedade francesa
Em 25 de junho de 1857, o poeta francês Charles Baudelaire publicou a obra-prima Les Fleurs du Mal (As Flores do Mal), criando uma ponte entre o romantismo e o modernismo. Eleita pela crítica como a mais importante e influente coleção de poemas do século 19, a obra dividiu opiniões e chegou a ser vilipendiada pelo jornal parisiense Le Figaro em 20 de agosto do mesmo ano.
“Nunca em um espaço de poucas páginas vi tantos seios mordidos, ou melhor, mastigados. Nunca vi tamanha procissão de diabos, demônios, fetos, gatos e vermes. O livro é um verdadeiro hospital de insanidades da mente humana, de toda a podridão do coração humano. Se a obra tivesse sido criada para curá-los, sem dúvida seria permissível, mas ela mostra que eles não são curáveis.”
Reações como a do Le Figaro colocaram o Escritório de Segurança Pública de Paris no encalço de Baudelaire. O julgamento de Les Fleurs du Mal foi encarado pelas autoridades francesas como uma boa oportunidade de recuperarem a credibilidade após a absolvição de Gustave Flaubert, acusado de imoralidade em 7 de fevereiro de 1857 pela autoria do clássico Madame Bovary.
Baudelaire sabia que seus poemas teriam grande impacto na sociedade francesa e inclusive os produziu com a intenção de torná-los uma bandeira. Por questão de segurança, enviou cópias do seu trabalho para o poeta estadunidense Henry Longfellow e ao poeta inglês Alfred Tennyson. Visto como um lunático por parte da sociedade parisiense, o escritor também pediu ao seu editor Auguste Poulet-Malassis para esconder a maior parte do material. A precaução foi considerada prioritária quando o francês descobriu que alguém divulgou previamente o conteúdo de “As Flores do Mal”, o qualificando como um trabalho subversivo.
Mesmo com a influência de Poulet-Malassis, Charles Baudelaire não conseguiu impedir que a investigação preliminar o levasse ao tribunal, tanto que de um total de 100 poemas seus que foram citados durante o julgamento, 13 foram considerados como manifestações de desprezo às leis que protegem a religião e a moral. Por outro lado, a sentença também garantiu boa visibilidade a Baudelaire. E mais, chamou a atenção dos entusiastas para um estilo de vida incomum à época.
Seus acusadores insistiram para que o poeta fosse condenado por comportamento irreligioso, mas essa vitória não foi concedida aos detratores. Ao final, Baudelaire teve de abdicar de seis poemas publicados na primeira edição de Les Fleurs du Mal. Foram eles: “Le Léthé”, “Femmes Damnées”, “Les Bijoux”, “A Celle Qui est Trop Gaie”, “Lesbos” e “Les Metamorphoses du Vampire”.
O primeiro poema de “As Flores do Mal” a ser publicado no Brasil foi “Le Balcon”, no livro Alcíones, de Carlos Ferreira, lançado em 1872. Das inúmeras versões da obra traduzida em língua portuguesa, uma que agradou bastante os leitores foi a do tradutor Ivan Junqueira, publicada em versão bilíngue pela Editora Nova Fronteira em 1985 e relançada em 2015.
Logo abaixo, transcrevo a versão de Junqueira para a primordialmente banida “A Celle Qui est Trop Gaie”:
A que está sempre alegre
Teu ar, teu gesto, tua fronte
São belos qual bela paisagem;
O riso brinca em tua imagem
Qual vento fresco no horizonte.
A mágoa que te roça os passos
Sucumbe à tua mocidade,
À tua flama, à claridade
Dos teus ombros e dos teus braços.
As fulgurantes, vivas cores
De tuas vestes indiscretas
Lançam no espírito dos poetas
A imagem de um balé de As Flores.
Tais vestes loucas são o emblema
De teu espírito travesso;
Ó louca por quem enlouqueço,
Te odeio e te amo, eis meu dilema!
Certa vez, num belo jardim,
Ao arrastar minha atonia,
Senti, como cruel ironia,
O sol erguer-se contra mim;
E humilhado pela beleza
Da primavera ébria de cor,
Ali castiguei numa flor
A insolência da Natureza.
Assim eu quisera uma noite,
Quando a hora da volúpia soa,
Às frondes de tua pessoa
Subir, tendo à mão um açoite,
Punir-te a carne embevecida,
Magoar o teu peito perdoado
E abrir em teu flanco assustado
Uma larga e funda ferida,
E, como êxtase supremo,
Por entre esses lábios frementes,
Mais deslumbrantes, mais ridentes,
Infundir-te, irmã, meu veneno!
Referências
http://www.todayinliterature.com/
Baudelaire, Charles. Richard Howard. Les Fleurs Du Mal. David R. Godine Publisher, 1983.
University of Chicago Press. Selected Letters of Charles Baudelaire, 1986.
Huneker, James. Introductory preface to: The Poems and Prose Poems of Charles Baudelaire. New York: Brentano’s, 1919.
Baudelaire, Charles. Ivan Junqueira. As Flores do Mal. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
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