Archive for the ‘São Francisco de Assis’ tag
Francisco de Assis: “Todas as criaturas são nossos irmãos e irmãs”
O frade italiano não via os animais como seres com menos direito à vida do que os humanos
Independente de religião ou irreligião, é inegável o fato de que a história do jovem italiano que abandonou a riqueza, e mais tarde ficaria conhecido como Francisco de Assis, ao longo da história do cristianismo motivou muita gente a ter compaixão pelos animais em um contexto religioso predominantemente especista. Nascido em Assis, na Itália, em 1181 ou 1182, Francisco de Assis teve uma juventude conturbada e atuou brevemente como soldado, até que tornou-se frade e renunciou à riqueza de sua família para dedicar sua vida a cuidar dos pobres, dos doentes e dos animais.
“Todas as criaturas são nossos irmãos e irmãs”, dizia Francisco de Assis, que embora não haja confirmação de seus hábitos alimentares, afirmava não ver os animais como seres com menos direito à vida do que os humanos, tanto que ele compartilhava a mesma pregação com pessoas e animais. O amor dele por Deus se manifestava por meio do seu amor por criaturas humanas e não humanas.
As suas raras qualidades atraíram muitos seguidores, e em 1209 ele criou uma nova ordem religiosa, conhecida como Ordem dos Frades Menores ou Ordem de São Francisco. “São Francisco via a sacralidade até mesmo em um inseto”, disse o escritor e filósofo alemão Max Scheler. O frade cuidou de muitos leprosos e também tentou estabelecer a paz entre cristãos e muçulmanos no decorrer da Quinta Cruzada (1217-1221), embora sem êxito.
Considerado o protetor dos animais e da ecologia, um dia atravessou um vale em Spoleto e, perto de Bevagna, na região da Umbria, ele viu uma multidão de pássaros dos mais diferentes tipos reunidos. Sensibilizado com a cena, Francisco de Assis correu até eles e os cumprimentou como se compartilhassem da razão humana. Como os pássaros não fugiram, ele se aproximou de cada um e tocou suas cabeças e corpos com sua túnica, os abençoando.
Enquanto o frade falava, dizem que os pássaros se moviam à sua maneira, esticando o pescoço, abrindo as asas, o bico e o observando como se reagissem às suas palavras. A partir daquele dia, ele não parou mais de abençoar os animais ou tentar se comunicar com eles, além de socorrê-los quando necessário.
Em 4 de outubro de 1226, Francisco de Assis faleceu em sua cidade natal. Em 16 de julho de 1228, ele foi canonizado pelo Papa Gregório IX. Até hoje, milhões de pessoas peregrinam até seu túmulo, na Basílica de São Francisco de Assis, reconhecendo a importância de suas lições sobre o amor e respeito pelas mais diferentes formas de vida.
Em 1979, o Papa João Paulo II elevou o frade italiano a Padroeiro dos Ecologistas. Em um discurso posterior, encorajou os católicos a seguirem o exemplo de São Francisco, incentivando-os a verem os animais, humanos e não humanos, como membros de uma única família.
“O respeito pela vida e pela dignidade da pessoa humana estende-se também às demais criaturas que são chamadas para juntarem-se ao homem […]. São Francisco convidou todos os animais, plantas, forças naturais, inclusive o irmão Sol e a irmã Lua, para honrar e louvar ao Senhor. O pobre de Assis nos dá um impressionante testemunho de que ao estarmos em paz com Deus somos muito mais capazes de edificar essa paz com toda a criação, que é inseparável da paz entre todos os povos”, declarou o papa em celebração do Dia Mundial da Paz em 1º de janeiro de 1990.
Saiba Mais
O Dia de Francisco de Assis é comemorado em 4 de outubro.
Em “Os Irmãos Karamázov”, de Dostoiévski, e em “Fausto”, de Goethe, há referências a Francisco de Assis.
Referências
The Humane Society of the United States. St. Francis of Assisi. A profile of the patron saint of animals and encology. (http://www.humanesociety.org/about/departments/faith/francis_files/st_francis_of_assisi.html)
La Santa Sede (Vatican). Message of his holiness Pope John Paul II For The Celebration of the World Day of Peace. (1º de janeiro de 1990). (https://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/en/messages/peace/documents/hf_jp-ii_mes_19891208_xxiii-world-day-for-peace.html)
Brady, Ignatius Charles. Saint Francis of Assisi. Encyclopædia Britannica Online. (https://global.britannica.com/biography/Saint-Francis-of-Assisi)
Robinson, P. St. Francis of Assisi. In The Catholic Encyclopedia. New York. Robert Appleton (2009).
Contribuição
Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar:
Uma Itália de gaviões e passarinhos
Uccellaci e Uccellini, uma parábola sobre o surgimento do neocapitalismo e o enterro do comunismo
Uccellaci e Uccellini, de Pier Paolo Pasolini, ícone do cinema neorrealista italiano, é um filme de 1966 que foi lançado no Brasil como Gaviões e Passarinhos. Na obra, dois pequenos burgueses viajam a pé em companhia de um corvo. Durante o percurso, um caminho circular, os personagens assistem e vivenciam o surgimento do neocapitalismo e o enterro do comunismo.
Totò (Totò) e Ninetto (Ninetto Davoli), pai e filho, são os protagonistas de uma história em que Pasolini apresenta uma metáfora de si mesmo, principalmente o desalento com a política esquerdista italiana. Os personagens viajam por uma estrada que possibilita o contato com importantes elementos de uma etapa da história da Itália.
Totò e Ninetto, homens de certa inabilidade intelectual, são símbolos da pequena burguesia. Já o corvo falastrão que encontram pelo caminho representa o marxismo, embora a ave, como um animal livre, demonstre uma peculiar autonomia de pensamentos. Enquanto a narrativa do corvo se constrói sob uma perspectiva ideológica romântica e poética, a fala e as atitudes dos protagonistas humanos são baseadas no pragmatismo e materialismo.
A hipocrisia neocapitalista se apresenta como um ciclo vicioso. Exemplo é a cena em que Totò e Ninetto vão até uma propriedade onde cobram o aluguel de um inquilino. Mesmo ciente da situação degradante da família, Totò, com a frieza digna de um materialista, exige que o homem o pague para evitar o despejo. Em seguida, pai e filho passam pela mesma situação. O predador se torna presa e surge uma inversão de valores.
Pasolini chama atenção pelo uso da metalinguagem. Dentro da principal história, há algumas bem curtas. Merece destaque uma fábula envolvendo São Francisco de Assis que parece emprestar a fala marxista do corvo, assim como a ave, em certos momentos, discursa como se fosse um frade. Outro episódio-chave, com caráter documental, é o enterro do político Palmiro Togliatti, nome mais importante do comunismo italiano.
Além da cena ser uma referência a queda da ideologia no país, simboliza o fim de um período cultural. O neorrealismo perdia em importância para o novo cinema que se pautava na fantasia e misticismo. A influência brechtiana é muito forte em Uccellacci e Uccellini, tanto que na maior parte das cenas os personagens interagem com o público. O cineasta também homenageia Roberto Rossellini e Federico Fellini.
No mais, o clássico não é linear – sem início, meio e fim. Se fosse feito de trás para frente ainda seria coerente. Quem assiste Uccellaci e Uccellini nunca mais esquece a canção que abre o filme, considerada até hoje uma das melhores opening credits da história do cinema. A composição é de Ennio Morricone e conta com a interpretação de Domenico Modugno, um dos maiores cantores da Itália do século 20.