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“O pessoal ficava até quatro meses sem ir a Paranavaí”
Pioneira Francisca Schiroff lembra as dificuldades dos anos 1950
Hoje em dia, quem visita Graciosa, no Noroeste do Paraná, nem imagina que a distância percorrida em 15 minutos até chegar a Paranavaí era um obstáculo nos anos 1950. A maior parte da população da colônia, então de predominância germânica, vinha a Paranavaí apenas de vez em quando. “O trajeto era difícil, tanto que até caminhão atolava. E mesmo sem imprevistos, a viagem poderia durar horas, então o pessoal ficava até quatro meses sem ir a Paranavaí”, relata a pioneira e professora Francisca Schiroff que nasceu em São José, Santa Catarina, distrito que pertencia a Braço do Norte, no Sul do estado, e se mudou para Paranavaí em 1951. Quando alguém adoecia e precisava ir ao médico na cidade, o costume era recorrer a um pioneiro que possuía um caminhão Ford 1950.
Como a estrada era estreita e havia muita mata virgem, os moradores tinham de seguir todas as recomendações do motorista do caminhão que transportava madeira até uma serraria de Paranavaí. Os cipós iam de uma árvore até a outra, chegando a formar uma cortina no meio do caminho. “O veículo rodava devagar e o motorista dizia: ‘cuidado com a cabeça, olha o cipó’ e todo mundo desviava quase que em sincronia”, conta Francisca rindo. Um dia a professora e alguns familiares decidiram ir até a cidade pegando carona em cima de um caminhão usado no transporte de algodão.
No trajeto o veículo quebrou e tiveram de seguir viagem a pé. Perto da ponte onde hoje está instalada a Avícola Felipe se depararam com uma enorme queimada. “A fumaça atravessava toda a estrada. Tivemos que dar uma grande volta para evitar de se asfixiar com a fumaça. Foi um dia muito difícil”, relata. Muitos dos migrantes saíam do distrito apenas para comprar roupas no armazém de Severino Colombelli e Casa Faber, situada onde é hoje a agência do Banco do Brasil. Dona Francisca, como é mais conhecida, sempre teve espírito de aventureira. Não ficava mais de um mês sem vir a Paranavaí.
Naquele tempo, um dos produtos preferidos da população da cidade era a broa de milho da pioneira. “Vendia muito, assim como o pão de fubá, porque não existia padaria”, lembra. A mandioca, até hoje uma das culturas mais tradicionais de Graciosa, era usada na produção de farinha, e a oferta dificilmente acompanhava a demanda. Como não havia feira em Paranavaí nos anos 1950, os produtores faziam as entregas de carroça ou montavam pontos provisórios nas principais ruas da região central.
Os moradores da cidade sabiam quais eram os dias e os horários da chegada dos vendedores. Um fato curioso é que nas décadas de 1950 e 1960, ao contrário da atualidade, os compradores preferiam o porco caipira gordo em vez do suíno fino – branco ou de raça. “Atraía até gente de São Paulo. Isso acontecia porque não tinha óleo de cozinha, então o animal gordo rendia bastante toucinho e banha para fritura”, justifica Francisca. O milho cultivado no distrito também chamava atenção de compradores de longe. Muitas cargas do produto foram enviadas para Santa Catarina. Nos anos 1950, Graciosa tinha duas serrarias. Uma possuía motor elétrico e a outra uma turbina a vapor. Eram modestas, mas atendiam as necessidades da população.
Em 1952, Francisca Schiroff lecionava para mais de 150 alunos do primeiro e segundo ano do ensino fundamental. Um total que aumentou no ano seguinte, quando o distrito somou mais de 200 famílias morando em sítios e chácaras. “Algumas tinham uma área de até 50 alqueires, mas a maioria residia em propriedades de 7 a 10 alqueires”, explica a pioneira. Antes de Paranavaí se tornar município, a população de Graciosa sofreu bastante porque as reivindicações tinham de ser feitas na distante Mandaguari. Era preciso dispor de vários dias para realizar a viagem.
À época, Paranavaí tinha como representante o vereador Antonio Lacerda Braga, mais tarde homenageado com o nome de um importante ginásio de esportes. A união da comunidade de Graciosa sempre foi notória e rendeu bons resultados. Exemplos são as conquistas de um campo de futebol, associação esportiva e um clube. “No passado, chegamos a ter até três vereadores na Câmara de Paranavaí. Os moradores eram bem ativos na política”, destaca dona Francisca.
Nos tempos da “domingueira”
Nos anos 1950, Graciosa ainda não realizava os tradicionais bailes que nas décadas seguintes atrairiam moradores de toda a região de Paranavaí. Por isso os mais jovens encontraram uma alternativa de lazer. Aos domingos, se reuniam na casa de algum morador, onde preparavam uma refeição, seguida por dança e atividades esportivas. “Esses encontros de domingo ficaram conhecidos como ‘domingueira’, a nossa alegria de final de semana”, revela a pioneira.
A “domingueira” era sempre organizada bem cedo porque os pais não deixavam as filhas saírem de casa à noite, inclusive os namoros costumavam ser supervisionados pelas famílias das moças. “Também não se namorava por tanto tempo como hoje. Os jovens casavam bem rápido. Em média, com um ano de relacionamento”, garante Francisca Schiroff. Para o rapaz conquistar o direito de segurar a mão de uma jovem era imprescindível namorar por alguns meses. Além disso, as famílias do casal precisavam se conhecer e estabelecer uma relação de respeito.
Um seminário que se tornou referência
Além de professora, dona Francisca também era muito ativa nos trabalhos da comunidade católica de Paranavaí, tanto que por muitos anos deu aulas de catequese para crianças. “Foi por causa desse meu envolvimento com a igreja que recepcionei praticamente todos os padres que chegaram da Alemanha a partir de 1953”, enfatiza. Em 1954, a pioneira contribuiu na construção do Seminário Imaculada Conceição, inaugurado com uma turma inicial de 50 jovens. Francisca se recorda com alegria dos muitos seminaristas que se tornaram excelentes profissionais e importantes lideranças religiosas.
Segundo a pioneira, o seminário representou um grande avanço na educação de Graciosa, pois muitas crianças e adolescentes não tinham condições de viajar para estudar. “A maior parte das despesas era bancada pela Ordem dos Carmelitas da Alemanha. Desde a comida até a administração do local e a remuneração dos professores”, confidencia, sem deixar de citar que o seminário também recebeu uma boa ajuda dos moradores do distrito e de Paranavaí.
Com o tempo, o Seminário Imaculada Conceição, conhecido pelo rigor educacional, começou a atrair jovens de todas as partes do Brasil. Além de oferecer acompanhamento pedagógico e exigir dedicação cotidiana dos alunos, o local já funcionava sob regime de internato. “Devemos muito aos padres alemães que foram responsáveis pelo seminário. Eles transformaram Graciosa em uma referência até na Alemanha, de tão positivo que foi esse trabalho”, avalia.
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Paranavaiense ou mandaguariense?
População de Paranavaí teve de registrar os filhos em Mandaguari até 1952
Até 1952, muitos moradores de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, enfrentaram dificuldades para se casar e registrar os filhos. Naquele tempo, Paranavaí era apenas um distrito de Mandaguari e não tinha cartório próprio.
Os produtores rurais Gabriel e Francisca Schiroff, que chegaram a Paranavaí nessa época e fixaram residência em Graciosa, lembram com preciosismo as agruras de um tempo que a comunidade distrital se resumia a 50 famílias. “Tudo era muito difícil e Paranavaí ainda era distrito de Mandaguari. A situação só começou a melhorar no final de 1952, quando aqui virou cidade”, conta o pioneiro Gabriel Schiroff.
Até então, antes de Paranavaí tornar-se município em 14 de dezembro de 1952, era comum Mandaguari constar como cidade natal no registro de nascimento. Exemplo é o produtor rural Eugênio Vandresen, residente em Graciosa, que enfrentou uma situação inusitada por ter nascido naquele ano. “Quando fui servir o exército em Brasília, me perguntaram onde nasci. Então respondi Paranavaí, daí retrucaram que eu não sabia onde nasci, já que consta Mandaguari”, destaca Vandresen rindo. Outro problema apontado pela pioneira Francisca Schiroff era a inexistência de padre e igreja na “cidade”.
Mesmo com a condição oficial de município, houve muitos casos de pais que, em função da distância até o cartório, registravam os filhos até meses depois. Para não pagar multa, mentiam para o cartorário, informando que a criança nasceu no dia em que o registro era feito. “Nasci em 7 de maio de 1956, mas na certidão de nascimento consta 20 de julho. Ou seja, meu pai me registrou mais de dois meses depois. Esse tipo de coisa acontecia principalmente com quem morava na zona rural”, exemplifica a empreiteira Maria Neuza Silva.
Situações inimagináveis na atualidade faziam parte do cotidiano de quem viveu em Paranavaí nos primeiros anos da década de 1950. Exemplo é o tio de Eugênio Vandresen que, acompanhado da noiva, saiu de Graciosa e foi até Mandaguari a pé para se casar. Depois de oficializado o matrimônio, retornaram para casa, onde parentes e amigos preparavam a festança. “Parece algo impossível, mas na época não era. Hoje, se alguém tiver de fazer isso, desiste de se casar”, comenta Gabriel Schiroff às gargalhadas, ressaltando a força de vontade dos habitantes da época.
Mas, segundo a pioneira Francisca, no final da década de 1950, a realidade de quem vivia em Graciosa ou na zona rural de Paranavaí mudou bastante. “A partir dessa época, a cidade começou a evoluir e tudo ficou mais fácil. Só quem viveu aquele período entende isso”, avalia.
Viagem tinha de valer a pena
Imagine um grupo de pessoas subindo sobre a carroceria do velho caminhão de uma serraria; único transporte acessível para chegar até a cidade. Logo depois de alguns minutos no carreador, o veículo apresenta um problema mecânico e todo mundo é obrigado a descer.
Ao redor, sentem apenas um forte cheiro de vegetação queimada; colonizadores estão ateando fogo no mato. Enquanto as chamas se alastram, a fumaça se conduz até o carreador. No horizonte, o ponto de referência para a cidade é perdido, restando apenas uma saída: contornar o trajeto da queimada.
A realidade descrita acima foi vivenciada inúmeras vezes por Francisca Schiroff e outros pioneiros de Graciosa, quando se aventuravam em sair do distrito para vir a Paranavaí. “Ninguém podia se dar ao luxo de ficar doente. Quando o caminhão da serraria não passava por aqui, a gente recorria ao meu cunhado que tinha um Ford 1950. Só chamávamos ele quando alguém realmente precisava de médico”, revela a pioneira.
“Vendia muito pão de fubá porque ainda não existia padaria”
A população de Graciosa só deixava o povoado quando surgia alguma necessidade primária. A mais comum era a aquisição de roupas. As compras eram feitas nas duas lojas que existiam na cidade. Uma de propriedade de Carlos Faber e a outra de Severino Colombelli.
Francisca Schiroff era exceção. Deixava Graciosa mesmo quando os carreadores estavam intransitáveis. Enquanto a maioria vinha a Paranavaí quatro vezes por ano, ela se aventurava pelo menos uma vez por mês. “Tudo que era feito no sítio, a gente levava para vender na cidade. Lembro que vendia muito pão de fubá porque ainda não existia padaria. O pessoal adorava broa de milho”, relata a pioneira sorrindo.
Nos anos 1950, de acordo com Gabriel Schiroff, os clientes gostavam muito de comprar banha de porco porque o óleo de cozinha ainda não era comercializado. “Era muito bom, principalmente para frituras”, enfatiza. O sucesso dos produtos rendeu fama aos produtores rurais de Graciosa. Tanto que quando alguma carroça do distrito chegava carregada de alimentos, a população da cidade a cercava. “Sabiam sempre qual o dia que estaríamos lá. Nem era preciso dizer”, complementa Francisca.
Curiosidade
Francisca Schiroff nasceu no Patrimônio de São José, em Santa Catarina. Como não havia cartório no local, foi registrada em uma cidade próxima – Braço do Norte.
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