David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

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O linchamento de dois jovens negros em 1930

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Foto do crime foi transformada em cartão postal

Linchamento reuniu 10 mil homens brancos (Foto: Lawrence Beitler)

Em 7 de agosto de 1930, um adolescente branco de Marion, Indiana, nos Estados Unidos, acusou Shipp Thomas e Abram Smith, dois jovens negros, de terem estuprado a sua namorada. A falsa acusação foi o suficiente para gerar uma comoção que reuniu 10 mil homens brancos armados com marretas em frente a delegacia do condado.

Depois de tirarem os rapazes da prisão, os espancaram e os enforcaram com a conivência da polícia. Por sorte, um terceiro rapaz negro, James Cameron, escapou de ser assassinado porque o tio da moça insistiu na afirmação de que ele era inocente.

À época, as fotos de linchamentos de negros eram transformadas em cartões postais com a intenção de mostrar o “orgulho da supremacia branca”. A imagem do fotógrafo Lawrence Beitler vendeu milhares de cópias, tanto que ele passou dez dias sem dormir para reproduzi-las. Mais tarde, as fotos de violência contra negros tiveram efeito reverso. As cenas de tortura e mutilação irritaram muito mais do que agradaram; despertaram medo até na população branca.

Era um crime tão comum naquele tempo que ganhou um novo termo: “Judge Lynch”. A foto da morte de Thomas e Smith, que mostra apenas um linchamento dentre os mais de cinco mil documentados até o final dos anos 1960, tornou-se icônica, tanto que surgiram poemas, livros e canções baseados na imagem. Um exemplo é o poema “Strange Fruit”, do poeta judeu Abel Meeropol, transformado em música por Billie Holiday. Outro clássico é “Desolation Row”, de Bob Dylan, que será eternamente lembrada pelo trecho “Eles estão vendendo cartões postais do enforcamento”.

São informações que se tornaram públicas somente em 1982, quando o sobrevivente James Cameron, o terceiro jovem que escapou do enforcamento, publicou o livro “A Time of Terror: A Survivor’s Story”.

Referência

Cameron, James. A Time of Terror: A Survivor’s Story, 1994. Black Classic Press.

Inferno sobre rodas na “América” pós-Guerra da Secessão

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Série é protagonizada por Anson Mount no papel de Cullen Bohannon (Foto: Divulgação)

Série Hell On Wheels instiga discussão sobre a História dos EUA

Estou acompanhando a série estadunidense Hell On Wheels, da Endemol USA, exibida pela AMC, que se passa nos Estados Unidos de 1865 com um enredo muito interessante. Tem como foco a construção da primeira ferrovia transcontinental do país pela Union Pacific Railroad. Em meio à revolução industrial, são levantadas inúmeras controvérsias sobre a xenofobia e a segregação racial na “América Pós-Confederada” ou Pós-Guerra da Secessão, como preferirem.

Na série, o telespectador se depara com uma nação até então marcada pela defesa dos latifúndios, escravidão e benesses aristocráticas. A obra mostra também pontos conflitantes, como yankees agindo como dixies e vice-versa, dando uma ideia de que as diferenças entre os “estadunidenses civilizados” do Norte e do Sul na época não eram tão aberrantes quanto registra a História Oficial daquele país. Funcionários de companhias, camponeses, ex-escravos, ex-soldados, prostitutas, mercenários e aventureiros sintetizam a pequena, mas heterogênea aldeia social de Hell On Wheels, uma pequena colônia situada em território nativo.

Trama explora a segregação racial imposta pelos brancos (Foto: Divulgação)

Pra mim, das cenas mais emblemáticas da série até o momento, destaco a disputa entre um índio cheyenne e um trem. A derrota do nativo que disputa a corrida com a máquina sobre um cavalo é simbólica e marca o surgimento de um novo tempo que trouxe a modernidade ao preço do genocídio indígena.Outra cena interessante é o momento em que o personagem Elam Ferguson, interpretado pelo rapper Common, um ex-escravo negro, é preparado para ser enforcado por um grupo liderado pelo irlandês O’Toole. Instantes antes do início da execução, o homem revela à vítima: “Nós irlandeses somos os crioulos do Reino da Grã-Bretanha”, o que deixa subentendido que a questão racial em âmbito social já amargava uma intransigência quase hierárquica.

Em um dos episódios da primeira temporada, há um momento elementar em que o presidente da Union Pacific, Thomas Durant, e um senador afirmam que as terras que os índios habitam pertencem ao Governo dos EUA. O chefe cheyenne retruca: “Eles compraram? Trocaram por algo? Não? Então não pertence a eles”. É uma série muito boa em que o maniqueísmo confronta seu antagonismo e desnuda a natureza humana, suas qualidades, dúvidas e falhas, independente de etnia, raça e credo. Hell On Wheels, como o próprio nome diz é o Inferno, mas também tem momentos de Céu e Purgatório.

Uma das cenas mais marcantes que me recordo é do sétimo episódio da primeira temporada. É um diálogo entre o protagonista, ex-soldado confederado Cullen Bohannon, interpretado por Anson Mount, e Ferguson. Bohannon explica que quando os nortistas invadiram sua propriedade, deixando-a em chamas, ele foi procurar o filho no celeiro. O encontrou sobre o palheiro todo encolhido, abraçando os joelhos contra o peito, e com o corpo todo queimado envolvido por Bethel, a escrava negra que criou Bohannon. Estava tentando proteger o garotinho das chamas. Infelizmente, era tarde demais, e os dois corpos pareciam fundidos, como se fossem um. Foi quando o ex-soldado concluiu que na finitude todos são iguais.