David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

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Diante do semáforo

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Pintura: Dianne Dengel

De manhã, diante do semáforo, ao meu lado havia um fusquinha bege bem conservado. Ao volante, um senhorzinho já bem idoso. Enquanto o sinal não esverdeava, ele levantou a pequena mão da esposa e a beijou delicadamente. Ela sorriu e ajeitou a gola da blusa dele. Quando o sinal ficou verde, o fusquinha seguiu o seu caminho, sem pressa, ignorando as ultrapassagens. Naquele momento, pensei: “Realmente, nós que fazemos a velocidade da vida; nos entorpecemos ou nos sublimamos com ela.”





Written by David Arioch

October 4th, 2017 at 2:23 am

Um convite no semáforo

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Sem tempo de entender nada, senti uma luz esverdeada em minha direção

Sem tempo de entender nada, senti uma luz esverdeada em minha direção

Saindo do mercado, parei em um semáforo na Avenida Rio Grande do Norte. De repente, um sujeito encostou o seu carro bem próximo do meu. Havia bastante espaço, mas ele preferiu ficar bem perto de mim. Ok! Não me preocupei. Continuei ouvindo música.

Para minha surpresa, o rapaz começou a acelerar sucessivas vezes enquanto o sinal continuava vermelho. Ele estava me desafiando, me convidando para um racha. Como o vidro do meu carro tem uma película bem escura, à noite é quase impossível ver quem está dentro.

Então pensei que talvez fosse uma boa ideia abaixar o vidro e fazer um aceno de mão cordial, mas desinteressado. Assim que o vidro desceu, o sujeito pareceu amedrontado e se desculpou. Sem tempo de entender nada, senti uma luz esverdeada em minha direção – o sinal abriu. Segui meu caminho ouvindo “Sistem te laže”, do Beogradiski Sindikat. Pelo retrovisor, notei que o rapaz continuava no mesmo lugar.

Written by David Arioch

October 2nd, 2016 at 1:51 pm

A lição do malabarista

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Num reflexo inimaginável, o malabarista segurou a pedra no ar

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Sem mudar o semblante, o malabarista continuou movimentando as bolinhas (Foto: Reprodução)

Em frente a um semáforo no centro de Paranavaí, um artista de rua fazia malabarismo quando um rapaz dentro de um carro arremessou uma pedra em sua direção. Num reflexo inimaginável, o malabarista segurou a pedra no ar. Sem mudar o semblante, continuou movimentando as bolinhas que, mesmo com a inesperada adição do calhau, formaram um arco aéreo multicolorido e extremamente vívido.

O responsável pela pedrada agiu como se nada tivesse acontecido. Desviou o olhar, simulou expressão serena e fingiu que estava guardando alguma coisa dentro do porta-luvas. Faltando uma bolinha para o sinal ficar verde, o sorridente artista de rua finalizou a apresentação e, acompanhado de um amigo, se ajoelhou no asfalto gelado e áspero.

No mesmo instante, abriu os braços e pediu que os motoristas aguardassem um momento. “Por favor, esperem! Agora o sinal que está vermelho não vem do alto!”, disse. Todos ou quase todos entenderam o recado. Então ele se levantou e exibiu as palmas das mãos. Eu estava na primeira fileira e vi que as duas tinham inúmeras cicatrizes, mas somente a mão direita sangrava. O sangue escorria pelo seu braço e respingava na rua.

“Por favor, você aí, meu jovem! Venha aqui!”, falou o malabarista para o seu agressor, a poucos metros de distância de mim. O rapaz fingiu que não entendeu e virou o rosto para a calçada à sua direita. O artista de rua caminhou até ele e acenou gentilmente para que saísse do carro. Diante de tantos olhares curiosos e inquiridores, o jovem acabou cedendo.

Fora do automóvel, o agressor ficou constrangido e rubro. Mais do que isso, temeu a reação do malabarista. “Não se preocupe! Só vou dar a você a única coisa que tenho a oferecer. E ela não vem de baixo, não vem de cima, não vem da frente nem dos lados. Ela vem de dentro! É tão poderosa que toca até o intocado”, declarou o artista.

De repente, o malabarista apertou a mão direita do rapaz, fazendo com que ele sentisse o ferimento e o sangue que começava a engrossar em sua mão. Sem dizer mais nada, o abraçou com ternura e devolveu-lhe o calhau tornado vermelho por causa do sangue. “Que nenhum moribundo se entregue ao terror profundo! Porque sem gentileza só resta a aspereza!”, gritou o artista de rua, tão jovem quanto o próprio agressor, antes de subir na calçada.

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