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Miodrag Petrović e a arte que nasce da guerra
Quando a poesia humanista de um sérvio é capaz de eternizar soldados
Não faz muito tempo que a Biblioteca Nacional da Sérvia (Народна библиотека Србије) lançou um projeto da Coleções Europeana baseado na obra de Miodrag Petrović, um artista que acompanhou todos os passos do Exército Sérvio na Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
Pouco conhecido no mundo todo, com exceção da Sérvia, parte do trabalho de Petrović só se tornou público após mais de 90 anos. Seus desenhos e pinturas são acompanhados de poemas e textos alusivos em que amplifica interpretações pessoais, recria metáforas e enigmas. Vez ou outra detalhava o que acontecia no momento de criação de cada imagem, como se reconhecesse a importância de confundir e ao mesmo tempo situar o espectador no contexto da guerra – em situações de conflito ou bastidores.
Para entender a pluralidade do trabalho de Miodrag Petrović é preciso primeiro saber um pouco sobre o seu passado. Nascido em 1888, começou a estudar arte ainda na infância. Mais tarde, migrou para a Alemanha, onde se aperfeiçoou na Academia de Belas Artes de Munique. Com a animosidade do pré-guerra, retornou para a Sérvia e se alistou no Exército. As boas qualificações lhe garantiram um raro reconhecimento como artista militar.
Petrović participou de várias batalhas ao redor de Belgrado em 1914, até que no inverno de 1915 o enviaram para Montenegro, Albânia e ilha grega de Corfu. Antes da guerra chegar ao fim, o artista tinha documentado muitas impressões e criado inúmeras obras das experiências em Tessalônica, na Grécia, e também nos hospitais das campanhas acirradas na Tunísia e Argélia.
Em 1919, Miodrag retomou os estudos de arte em Paris, onde trabalhou e conviveu com alguns dos mais importantes nomes da pintura francesa da época. Apaixonado pelas artes visuais, prosa e poesia, o artista que faleceu em Belgrado em 1950 desenhou, pintou e escreveu até os últimos meses de vida.
Uma de suas obras de maior repercussão é O Funeral no Navio-Hospital Divona, sobre a embarcação para onde eram transportados os soldados e oficiais sérvios e franceses – doentes e feridos na Primeira Guerra Mundial. Em um de seus trabalhos disponíveis na Biblioteca Nacional da Sérvia, Miodrag explica que em 1915 participou de uma missão no Divona para enviar a Bizerta, na Tunísia, os impossibilitados de lutar. “Dois de nossos soldados morreram durante a nossa viagem pelo Mar Mediterrâneo. Um estava ferido e o outro doente. Testemunhei seus corpos sendo lançados ao mar sob a noite enluarada”, contou.
No relato, diz que às 20h a lua cheia engrandecia o céu límpido. Os dois jovens mortos eram mantidos com a cabeça voltada às bordas do navio enquanto os pés miravam o mar. “Incrível como aqueles cadáveres estavam mentindo, cobertos com a bandeira francesa. Claro, a cor vermelha mais próxima do mar e o branco e o azul disperso, ao longe”, comentou. Para Miodrag, o mar estava especialmente azul-esverdeado, assim como o céu, com o acréscimo do brilho do luar que refletia na água com certa magia.
As lâmpadas da parte de trás do navio continuavam desligadas. Apenas uma pequena luz parcial do lado direito iluminava a cerimônia fúnebre capitaneada por um sacerdote. O homem vestido de preto e usando uma estola se voltou para os corpos e o mar quando começou a ler a bíblia em voz baixa, quase em silêncio. Logo atrás estava o capitão do navio, também trajando roupa preta e, pela primeira vez em toda a viagem, com a cabeça descoberta.
À esquerda do capitão, havia um oficial francês ferido e dois sérvios. Os corpos estavam ladeados por dois marinheiros à esquerda e dois à direita. “Era possível ver de longe o azul ao redor de suas cabeças, a cabeleira branca e o topete vermelho. Nossos soldados feridos e doentes vinham logo atrás, acompanhados por duas enfermeiras de branco com a cruz vermelha em torno de seus braços”, detalhou.
Enquanto a cerimônia era iluminada por uma trêmula e pálida luz amarela-esverdeada, os rostos de todos os presentes tinham o mesmo aspecto – de tristeza e solenidade. Assim que o padre terminou a oração, as enfermeiras sussurraram a Oração do Senhor. “Me recordo do padre dando alguns passos para trás, fechando a bíblia, virando-se para o capitão e falando: ‘Terminei’. Em seguida, o comandante fez um rápido sinal e se aproximou dos corpos”, confidenciou Petrović.
No discurso arquivado há quase cem anos, e muito bem preservado pela Biblioteca Nacional da Sérvia, o capitão disse o seguinte: “Camaradas, longe de sua terra natal, vocês deram o último suspiro neste fraternal barco francês. Vão para o outro mundo, confiantes de que seus filhos, esposas e pais muito em breve viverão a liberdade que vocês não puderam desfrutar. Adeus, camaradas. Adeus…Adeus…”
Ao final, o capitão deu um sinal e dois marinheiros levantaram uma parte do tabuleiro e os deslizaram em direção ao mar, onde os corpos afundaram com 30 quilos de ferro presos aos pés. Logo que os cadáveres se chocaram contra a água, um marinheiro soprou bem alto um apito. O ato foi seguido por cinco minutos de silêncio. “Mesmo que tenhamos enterrado tantos companheiros e visto milhares de defuntos, ainda assim era algo que tinha um impacto muito grande sobre todos, a ponto de ninguém ser capaz de dizer uma palavra”, revelou o artista militar.
Prosa, Poesia e a Nova Odisseia (Ulisses)
Em outra de suas obras, intitulada Prosa e Poesia, Miodrag Petrović apresenta um retrato peculiar e bucólico da guerra, baseado na imagem de um soldado sentado debaixo de uma bela laranjeira, abundante em frutos, tentando remover os piolhos que o incomodavam. “O percebi intoxicado pelo cheiro da laranja. As cascas se deitavam ao seu lado. Ele estava encantado com o céu azul e a superfície azul-esverdeada do mar por onde um barco colorido deslizava. Do outro lado da água, podia-se ver a costa da Albânia com as docas cobertas em neve. O rapaz gentilmente retirou o casaco e interrompeu os incômodos insetos aninhados. Tudo para não se distrair da poesia daquele momento”, escreveu Petrović.
Já a obra Nova Odisseia (Ulisses) nasceu de um episódio envolvendo o bombardeamento de um navio por submarinos alemães. A embarcação partia de Bizerta, na Tunísia, para a cidade grega de Tessalônica. Na tragédia, apenas um soldado sérvio, um senegalês e dois franceses – um soldado e um marinheiro – sobreviveram. Os quatro se salvaram graças a uma jangada feita de tábuas grossas, um recurso salva-vidas muito comum nos barcos da Primeira Guerra Mundial.
Chegaram a uma costa rochosa vestindo apenas trapos, morrendo de fome, sede e quase “azuis de frio”. “Só lhe restaram as túnicas de verão. Apesar da exaustão, ficaram muito felizes por sobreviverem depois de remarem tanto com as pernas”, enfatizou. Segundo a obra de Miodrag, o mar ficou extremamente agitado e os quatro só não morreram porque surgiram as nereidas.
Enquanto riam histericamente, as ninfas do mar os rodearam e puxaram a jangada em direção à costa, percorrendo pelo menos cem metros. Os sobreviventes estavam pálidos, assustados e confusos. Sentado sobre uma pedra, o soldado sérvio ficou com o olhar vagando em direção à pátria. Logo atrás, uma nereida em pé tocava uma harpa feita de madeira e cantarolava melodias expansivas, na tentativa de animá-lo. “O mar já estava calmo e o dia claro, mas perto das rochas havia apenas uma caverna”, narra o artista, deixando a interpretação livre.
O avião que caiu na mata noroestina em 1947
A queda do teco-teco nas imediações do Rio Ivaí quase custou a vida de dois jovens
Em 1947, a região Noroeste do Paraná foi cenário de um acidente aéreo que quase terminou em tragédia nas imediações do Rio Ivaí. À época, o fato chamou muita atenção e sensibilizou a população de Paranavaí que se uniu para orar e procurar as vítimas.
Naquele ano, dois jovens de Cafelândia, na mesorregião de Bauru, interior de São Paulo, filhos de um conhecido produtor rural, deixaram a cidade natal em um avião monomotor do tipo teco-teco e vieram em direção ao Paraná para fechar uma negociação de produção de café.
Durante a viagem, pouco tempo depois entrarem no Paraná, foram surpreendidos pelo mau tempo, fortes correntes de ar frio que faziam com que o veículo balançasse bastante. Como o avião era relativamente leve, os rapazes não conseguiram manter a estabilidade por muito tempo, nem encontrar um local para pousar, já que estavam em área de mata primitiva próxima ao Rio Ivaí.
Não demorou muito, o temporal se intensificou e o frágil teco-teco foi ao chão, levando junto os dois passageiros. Dias mais tarde, a população de Paranavaí foi informada que aconteceu um acidente aéreo e dois jovens estavam desaparecidos. “Eu rezei muito por eles”, disse a pioneira Inez Colombelli em entrevista à Prefeitura de Paranavaí décadas atrás.
Houve muita comoção na cidade. Enquanto alguns se voluntariavam para dar início a busca e salvamento, outros não acreditavam na possibilidade dos rapazes terem sobrevivido. “Naquele tempo, um acidente de avião era como uma coisa do outro mundo. Quando alguém falava disso, a maioria dava a morte como certa”, comentou o pioneiro cearense João Mariano.
Mesmo assim, Inez e muitas outras pioneiras de Paranavaí oravam todos os dias pela salvação dos dois jovens. De acordo com a senhora Colombelli, as preces foram atendidas, pois 17 dias após a queda do avião os rapazes chegaram a Paranavaí. Estavam exauridos e famintos, mas felizes por verem pessoas depois de tanto tempo. “Quando apareceram no povoado, estavam barbudos e com as roupas todas rasgadas”, relatou o pioneiro catarinense Carlos Faber.
Os sobreviventes foram bem recebidos pela comunidade. No mesmo dia, enquanto alguns se preocupavam em oferecer um local de descanso e alimentá-los, outros trataram de entrar em contato com a família das vítimas em Cafelândia. O mais surpreendente é que ninguém estava gravemente ferido. O que garantiu a sobrevivência dos dois jovens foi a rica vegetação da região, principalmente as árvores que amorteceram o impacto da queda do monomotor.
Segundo os sobreviventes, dificilmente estariam vivos se o teco-teco caísse diretamente no solo. O que também chamou a atenção é que a mata primitiva do Noroeste do Paraná era conhecida por ser habitada por muitos animais selvagens. Os rapazes relataram que quanto a isso não enfrentaram nenhum perigo. Por precaução, sempre paravam para descansar quando anoitecia, normalmente em locais altos e de boa visibilidade. A alimentação era improvisada com frutos, até mesmo desconhecidos. Foi o risco que correram para garantir a sobrevivência.
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