David Arioch – Jornalismo Cultural

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Na essência, não existe nada de errado com o socialismo ou com o comunismo

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Na essência, não existe nada de errado com o socialismo ou com o comunismo. O que existe de errado é com o ser humano mesmo, que não suporta a ideia de viver em uma sociedade igualitária, em que já não seria capaz de se destacar pelo que possui. Isso explica inclusive a apropriação ideológica maliciosa.

Até mesmo entre os que fazem caridade há muitos que o fazem porque gostam da ideia de que o outro depende dele, mas se esse outro ascende ao ponto de romper essa dependência, até mesmo o sentimento benevolente da caridade pode ser substituído pela inveja ou pelo desprezo se esse outro equivaler ao altruísta em termos econômicos. Agostinho de Hipona dizia que a caridade é a única verdade, e não duvido, porque desnuda muito sobre nós.

É difícil crer ou sonhar com a igualdade quando se vive em uma sociedade onde muitas pessoas não querem isso. Na realidade, muitas têm inclusive repulsa pela ideia da igualdade. Por isso que hoje eu vejo como padrão mais evoluído e possível politicamente a social-democracia porque sei que o ser humano não está preparado, e talvez nunca esteja, para ver o outro como um igual em tantos aspectos.

Written by David Arioch

October 17th, 2018 at 11:49 pm

O Brasil vai virar uma Venezuela com o PT?

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Não vejo como isso seria possível considerando fatores como territorialidade, configuração macroeconômica e disposição de recursos naturais. A Venezuela é um país que tem como principal fonte econômica o petróleo, diferentemente do Brasil que dispõe de inúmeros recursos naturais e economia fundamentalmente multifária. Além disso, o nosso vizinho tem pouco mais de 916 mil quilômetros quadrados e 31 milhões de pessoas, e o Brasil tem 8,6 milhões de quilômetros quadrados e uma população de 207,7 milhões de pessoas.

A Venezuela sofre pressões externas há muito tempo, e há indicadores de que na mesma proporção dos países do Tratado do Atlântico Norte. E quando falamos então em geopolítica e relações internacionais, peço apenas que você faça o seguinte exercício. Nessa reta final das eleições, onde os temores de tanta gente se direcionam para a possibilidade de um “Brasil Venezuelano”, as notícias lá fora são mais favoráveis ao Bolsonaro ou ao Haddad? As críticas são mais direcionadas a quem? Assim você terá sua resposta. América do Norte, Europa e Ásia publicam diariamente notícias sobre o impacto negativo de uma vitória do candidato Jair Messias Bolsonaro (PSL). Sendo assim, quem será que tem mais impacto negativo no mercado? Quem será que traz mais medo e incertezas especulativas?

Venezuela, que apesar de tudo não está no mesmo espectro da Coreia do Norte de King Jong-un, já que Nicolás Maduro foi eleito pela própria população, não é um exemplo de Estado porque cometeu um grave erro de supervalorizar a soberania e desconsiderar o mais importante que são os interesses da população. Correu um risco, com uma economia sucateada e fundamentada no petróleo, e infelizmente muita gente está pagando o preço por esse erro que levou a miséria a níveis estratosféricos. E o mais estranho, é que transversalmente Bolsonaro está mais próximo da Venezuela do que Haddad. Mas como assim?

Bolsonaro já deixou claro antes mesmo das eleições que quer usar o petróleo nacional como moeda de troca pelo protecionismo estadunidense como mecanismo de fortalecimento de um governo menos democrático, o que naturalmente me lembra o que aconteceu no Brasil pré-ditadura militar quando os militares em parceria com os EUA criaram factoides para fundamentar a derrubada de Jango (fizeram uma maquiagem para transformar a imagem de um ruralista em suposto “comunista” e inimigo da nação), e fizeram isso porque queriam submeter a economia brasileira à “americana”, considerando que o Brasil tinha todos os predicados para não se submeter aos EUA. Mas isso era inconcebível porque o Brasil, enquanto reserva estratégica, possuía matérias-primas de alto valor que eram do interesse dos EUA, mas que eles não teriam condições de ter acesso se não fosse em decorrência da emergência da ditadura militar.

Ademais, no Brasil, partidos chamados de esquerda como o PT nem mesmo defendem uma economia planificada, em que todo o sistema de produção é deixado sob controle estatal (que se enquadra nas ideias que costumam associar com um suposto “socialismo” a caminho do “comunismo”. Afinal, o socialismo é o passo instancial do comunismo) – logo não há como o Brasil ter qualquer proximidade com a realidade venezuelana. Bolsonaro, que se esconde sob uma propaganda neoliberal, quer um estado econômico intervencionista e protecionista (por isso, deu um “cala a boca” no “neoliberal de Chicago” Paulo Guedes nas últimas semanas), e Haddad já segue um plano mais próximo das medidas heterodoxas do keynesianismo. Pra entender um pouco melhor, vamos voltar no tempo. Com a saída do PSDB do comando da nação em 2003, o Brasil começou a abandonar uma política econômica mais reacionária se tratando de questões fiscais e monetárias, e motivado pela necessidade de uma política pragmática que considerou o cenário da adversidade econômica mundial.

Hoje, anos depois, Haddad se mostra mais próximo da corrente keynesiana desenvolvimentista, que prevê flexibilização no combate à inflação visando a manutenção do crescimento do produto interno e do emprego sem sacrificar as políticas sociais. Além disso, o PT, que já flertou inclusive com o chamado “neoliberalismo do PSDB”, não poderia estar mais longe do que chamam de um demonizado “estado socialista” ou “comunista”, até por cortejar a visão social da escola de Myrdal ou Estocolmo, que se volta para um estado de bem-estar social, e que tem como exemplos de modelos mais bem-sucedidos a realidade dos países escandinavos que vivem a social-democracia.

Curiosamente, é um modelo que inspira e se distancia da economia do modelo estadunidense baseado na escola neoliberal de Chicago, a mesma de onde saiu o economista Paulo Guedes, que Bolsonaro indicou como ministro da fazenda. Chomsky, que conheceu bem o trabalho de Guedes, declarou recentemente que o economista brasileiro tem uma visão macroeconômica e de resolução de problemas ultrapassada e que seria um desastre para a economia de um país com as proporções do Brasil, que é o quinto maior do mundo, e onde ainda há muita concentração de renda nas mãos de poucas pessoas.

Não posso deixar de frisar também que se o PT fosse “comunista” já estaríamos vivendo em uma Venezuela. O Lula ascendeu ao poder quando eu estava saindo da adolescência, e se a intenção fosse essa, por que ele não transformou o país em uma Venezuela antes? Por que ele não planejou uma fuga quando ordenaram sua prisão? Por que o PT não fez uma revolução após o impeachment de Dilma Rousseff? Afinal, não é isso que se faz sob o manto do autoritarismo? Do pseudo-socialismo ou do pseudo-comunismo? Até porque, obviamente, autocratas não aceitam decisões contrárias às suas, não aceitam se submeter às leis ou determinações de um congresso. Eles estão acima de tudo. Mas ainda assim o PT não fez mais do que resistir no campo judiciário.

Não imagino como no tempo presente conseguiriam transformar uma nação de proporções continentais, a quinta maior do mundo, em um “país comunista”. O Brasil nunca se aproximou de fato do “comunismo”. Sim, temos figuras políticas que já tiveram contato e relações com líderes de outras nações de caráter democrático duvidoso, mas nada mais do que isso. Se você estudar a história do Brasil no período da pré-ditadura militar isso fica ainda mais evidente. Além disso, as experiências negativas do passado estão sempre servindo de lição para uma revisão de autoavaliação constante.

Considere também a quantidade de acordos que o PT, assim como outros partidos que comandaram o Brasil, fez ao longo dos anos, inclusive com inimigos históricos na consideração de pautas e projetos. É apenas realidade de um mundo pragmático. Afinal, políticas e partidos diluem-se entre si quando se trata de certas questões, o que é um desdobramento do nosso engessado sistema político. O próprio apoio concedido à JBS no governo petista, e tão apontado por tanta gente, seria inconcebível em um “estado “comunista”. Governantes que visam uma guinada tão radical nunca seriam tão suscetíveis. O Brasil é um país com uma configuração política bem simples – democracia delimitada, guiada e dinamitada pelo dinheiro, assim como outras nações chamadas de “nações em desenvolvimento”.

Written by David Arioch

October 10th, 2018 at 9:12 pm

Uma manhã com Frei Jerônimo

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Frei Jerônimo sobreviveu à Segunda Guerra Mundial e à dominação soviética (Foto: David Arioch)

Frei Jerônimo sobreviveu à Segunda Guerra Mundial e à dominação soviética (Foto: David Arioch)

Fiquei muito feliz de conhecer o alemão George Karl Brodka (Frei Jerônimo), que sobreviveu à Segunda Guerra Mundial e à dominação soviética. A conversa rendeu algumas horas e agora já penso em transformar isso não apenas em uma reportagem, mas algo muito maior. Inclusive me comprometi em retornar mais vezes. Logo abaixo, segue uma prévia do bate-papo com Frei Jerônimo que vive no Seminário Imaculada Conceição desde o início da década de 1960. (Na foto, ele está segurando o primeiro dicionário de alemão/português que comprou antes de se mudar para o Brasil)

Suas impressões da Segunda Guerra Mundial são narradas sob a ótica de uma criança, já que na época ele não tinha mais que dez anos. Brodka se emociona ao contar que seu pai, assim como muitos outros alemães, entraram para o exército porque suas famílias estavam passando fome, e era o único tipo de trabalho disponível na Alemanha nazista. “Participei de um encontro de oficiais da Alemanha na década de 1950, e meu pai chorou ao dizer que nunca matou ninguém e jamais deu alguma ordem de assassinato.”

Brodka diz se envergonhar e não entender como na infância ele e muitas outras crianças tiveram coragem de andar sobre os cadáveres dos soldados mortos, retirando distintivos para compor suas coleções. Crente de que o filho de 14 anos não teria futuro na Alemanha Oriental, o pai de George Karl forjou documentos para que ele pudesse atravessar a fronteira. “Tive que percorrer uma grande selva, e depois acabei preso. Fui preso duas vezes na minha vida”, narra.

Outro relato surpreendente é o do dia em que os tchecos amarraram sua mãe com uma corda no capô de um jipe e percorreram toda a cidade fazendo piadas e a exibindo como um troféu. “Eles também nos obrigavam a comer borra de café e depois faziam piadas dos nossos dentes pretos. Eles odiavam os alemães”, declara. Seu tio, um pregador, foi capturado pelos poloneses e enforcado em uma árvore diante de uma plateia porque transportava uma bíblia. “Em algumas regiões a circulação da bíblia era proibida”, enfatiza.

Brodka conta que pelo fato de ter vivido muitos anos na Alemanha Oriental, quando ele decidiu se tornar carmelita sofreu muito preconceito. “Na Alemanha Ocidental, na própria Ordem do Carmo, não me chamavam pelo nome, mas apenas de comunista. Até mesmo quando cheguei em Paranavaí, e os outros padres ficavam sabendo que vivi na Alemanha Oriental, sempre se referiam a mim como ‘o comunista’. Era muito triste”, lamenta.

Algumas frases ditas por Frei Jerônimo e que ainda continuam ecoando na minha mente:

“Um dia, na Alemanha, um Bernardino, um cachorro que ajuda a encontrar pessoas perdidas nas montanhas, escapou do seu tutor e correu em minha direção. Quando ele se aproximou de mim, coloquei as mãos nas costas, abaixei a cabeça e conversei com ele. Depois veio o tutor dele correndo e disse que o cachorro era bravo. Eu falei que não, que ele não era bravo. Então olhei pro cachorro e expliquei: ‘Não vou bater em você e você não vai me morder.” O homem achou que eu estava louco: ‘Como?’ Expliquei que falei com o cachorro e ele entendeu. Sempre me entendi muito bem com cachorros.”

“Não gosto de gente que bate em cachorro. Não gosto de gente que não aceita cachorro. Dá pra desconfiar de gente assim…”

“Uma coisa que acho estranha em brasileiro é que brasileiro gosta de dizer que é descendente de italiano, alemão, português…que é descendente disso ou daquilo. Por que não apenas gostar de ser brasileiro?”

Frei Jerônimo é o fundador do Grupo Escoteiro Guy de Larigaudie, de Paranavaí, que este ano completou 50 anos.

George Orwell, a redenção de um artista

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As obras de Orwell revelam como ele se sentia em relação ao violento sistema em que estava inserido

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Richard Blair ficou decepcionado quando soube que o filho queria se tornar um escritor (Foto: Reprodução)

Richard Walmesley Blair passou 35 anos trabalhando no Departamento de Ópio do Serviço Civil Indiano, uma agência do governo britânico que abalizava a produção de papoula no país. Mesmo assim, Eric Arthur Blair, que cresceu na Inglaterra sem a presença do pai, se dispôs a seguir um destino semelhante, ou seja, tornar-se um filho fiel do Império Britânico.

Aos 19 anos, Blair foi aprovado em sétimo lugar, de um total de 27 classificados, para ingressar como assistente da superintendência da Polícia Imperial Indiana na Birmânia. De acordo com o escritor e professor de literatura canadense, Steve King, o que Eric testemunhou mudou o rumo de sua vida.

“Suas novelas e ensaios revelariam como ele se sentia sobre o sistema de espancamentos, enforcamentos, vigilância e escravidão social em que estava inserido. Blair escreveu mais tarde que independente de tempo e treinamento, ele nunca conseguiu se sentir indiferente à face humana. Por isso, renunciou à função em 1927, depois de cinco anos de ‘trabalho sujo’”, explica.

Richard recebeu a decisão do filho com decepção, principalmente quando soube que seu desejo era tornar-se escritor. Eric iniciou sua jornada para alcançar um tipo peculiar de redenção por meio da literatura. Estava empenhado em  se dedicar a um tipo peculiar de redenção. Como forma de compensação por tudo que viu e viveu na Birmânia, ele se colocou entre os oprimidos para tentar entender como era ser um deles.

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Orwell usou a literatura para combater o totalitarismo (Foto: Arquivo da BBC)

Visitou minas e estaleiros, viveu com andarilhos e vagabundos, aceitou os piores trabalhos e passou fome. São experiências que deram origem ao seu livro de estreia Down and Out in Paris and London, de 1933, lançado no Brasil como Na Pior em Paris e Londres. O jovem autor não gostou muito da obra e antes de publicá-la decidiu adotar o nome George Orwell. Pensou também em outros nomes como P.S. Burton, identidade que adotou quando virou andarilho, Kenneth Miles e H. Lewis Allways.

Os 15 anos seguintes da vida do escritor foram dedicados a combater o totalitarismo e defender através de suas obras a forma mais genuína de socialismo. Quando se juntou à causa republicana na Guerra Civil Espanhola, eles queriam que ele contribuísse escrevendo, fazendo propaganda, porém o seu desejo era lutar. E foi o que conseguiu. A experiência o inspirou a escrever o livro Homage to Catalonia (Homenagem à Catalunha), de 1938.

Como voluntário, George Orwell participou de inúmeras incursões, ficando conhecido pela imprudência nos campos de batalha. E o que fazia dele um alvo fácil era a inexperiência e altura – ele tinha mais de 1,90m. Na primavera de 1937, Orwell quase morreu após levar um tiro na garganta.

“Durante a Segunda Guerra Mundial, como ele sempre sofreu com doenças brônquicas e pré-tuberculosas, teve de se contentar em atuar como guarda territorial, dando palestras sobre combate e cuidando de suprimentos de bombas caseiras que ele resguardou na sua própria casa, perto da lareira”, declara King.

Em 1940, o escritor pressionou o governo britânico para custear exibições do filme O Grande Ditador, de Charlie Chaplin, por toda a Inglaterra. Também fez uma campanha para distribuir armas, inclusive granadas, a cada morador, com a intenção de criar um exército civil capaz de se defender se necessário. “Um rifle pendurado na parede de um operário ou de um camponês é um símbolo da democracia”, escreveu George Orwell.

Primeira edição do livro 1984, lançado em 1949 (Foto: Reprodução)

Primeira edição do livro 1984, lançado em 1949 (Foto: Reprodução)

Depois dos 40 anos, Orwell percebeu que não viveria muito. A tuberculose piorou e ele continuou evitando repouso. Contrariando todas as recomendações, se mudou para a remota Ilha de Jura, na costa oeste da Escócia. Sua casa não tinha eletricidade e se situava a 12 quilômetros de uma estrada que só poderia ser alcançada a pé. E a loja mais próxima ficava a 40 quilômetros. Para piorar, sua esposa, Eileen O’Shaughnessy, faleceu repentinamente em 1945. Então o escritor teve de encarar a realidade de criar sozinho o filho Richard, um bebê que adotaram em junho de 1944.

Quando a guerra acabou, em 2 de setembro de 1945, ele começou a criar a sua novela mais famosa – 1984, até hoje considerada um dos maiores manifestos literários contra o totalitarismo. “Seus heróis vieram das fileiras das classes operárias porque ele acreditava que os horrores gerados pela polícia do pensamento, novilíngua e o ritual Dois Minutos de Ódio deveriam ser combatidos pelos Winston Smith do mundo, não pelos Winston Churchill”, enfatiza King.

Em 1946, Orwell tentou encontrar uma companheira que pudesse ajudá-lo a criar Richard, mas suas três propostas foram declinadas, até porque ninguém queria morar na isolada Ilha de Jura. Três anos depois, o escritor foi surpreendido por Sonia Brownell que aceitou se casar com ele. E ela admitiu que foi conquistada por uma frase: “Procuro uma mulher para ser viúva de um homem de letras.”

O romance distópico 1984 foi concluído em dezembro de 1948 e logo o estado de saúde de george Orwell piorou, tanto que acabou internado no The Costwold Sanatorium, em Gloucesterhsire, no sudoeste da Inglaterra. Quando seu editor o visitou em 21 de janeiro de 1949, eles decidiram que seria melhor mudar o título da obra, então chamada The Last Man in Europe (O Último Homem na Europa).

O New York Times Book Review definiu a receptividade do livro como esmagadoramente admirável, com gritos de horror que superaram os aplausos. Muitos viram o título como ameaçador, mas ele só foi escolhido porque 84 é o inverso de 48, ano em que Orwell terminou de escrevê-lo. Ele faleceu em 21 de janeiro de 1950, exatamente um ano depois da escolha definitiva do título.

Saiba Mais

George Orwell nasceu em 25 de junho de 1903 em Motihari, na Índia, e faleceu em 21 de janeiro de 1950, no University College Hospital, em Londres, na Inglaterra. Ele tinha apenas 46 anos.

Obras mais importantes de George Orwell

1984 (1949), Animal Farm (A Revolução dos Bichos – 1945), The Road to Wigan Pier (O Caminho para Wigan Pier – 1937), Homage to Catalonia (Homenagem à Catalunha – 1938) e Down and Out in Paris and London (Na Pior em Paris e Londres – 1933).

Passagens do livro 1984, lançado em 1949 (Página 63)

Era provável que houvesse milhões de proles para quem a Loteria era o principal senão o único motivo de continuar a viver. Era o seu deleite, sua loucura, seu anódino, seu estimulante intelectual. Quando se tratava da Loteria, até gente que mal sabia ler e escrever fazia intrincados cálculos e fantásticas proezas de memória. Havia um exército de homens que ganhava a vida graças à simples venda de sistemas, previsões e amuletos.

Winston nada tinha que ver com a exploração da Loteria, que era administrada pelo Ministério da Fartura, mas sabia (como sabiam todos do Partido) que em grande parte os prêmios eram imaginários. Na realidade, só eram pagas pequenas quantias, sendo pessoas inexistentes os ganhadores da sorte grande. Na ausência de qualquer intercomunicação real entre uma parte e outra da Oceania, não era difícil arranjar isso.

Mas se esperança havia, estava nas proles. Era preciso agarrar-se a isso com unhas e dentes. Quando se traduzia o pensamento em palavras, parecia razoável: mas quando se considerava os homens que passavam pela calçada, a ideia se transformava em ato de fé.

Referências

http://www.todayinliterature.com/

Taylor, D. J. (2003). Orwell: The Life. Henry Holt and Company.

Ingle, Stephen (1993). George Orwell: a political life. Manchester, England: Manchester University Press.

Crick, Bernard R. (1980).George Orwell: A Life. Boston: Little, Brown and Company.

“The Orwell Prize | Life and Work—Exclusive Access to the Orwell Archive”Pesquisa realizada em 29 de maio de 2016.

As controvérsias do comunismo e do socialismo

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comunismo

Houve sim uma grande apropriação de ideias que serviram tão somente como mecanismo de propaganda (Arte: Reprodução)

Várias vezes já me perguntaram o que eu acho dos governos considerados “comunistas” ou “socialistas” no decorrer da história moderna. Bom, não acho fácil responder uma questão como essa porque acredito que seja importante fundamentar bem qualquer resposta. De qualquer modo, meu raciocínio costuma seguir por essa linha:

Basicamente eu acredito que nunca existiu de verdade um governo comunista ou socialista. Na minha opinião o que foi ou o que deveria ser o comunismo e o socialismo nunca saiu da teoria. O que a história mostra é que a partir dessas ideologias houve sim uma grande apropriação de ideias que serviram como mecanismo de propaganda, um recurso para camuflar alguns regimes totalitaristas que em um primeiro momento precisavam conquistar a simpatia das classes mais baixas, principalmente do proletariado.

Gosto de citar um exemplo também para ilustrar essa ideia: “O que houve com o comunismo e o socialismo foi o que aconteceu com a suástica, uma apropriação de algo que em essência significava uma coisa, mas que por uma obliteração simbólica e semântica perdeu quase que completamente o sentido original e diverso.”

Aí alguém pode me perguntar se acho que o comunismo ou o socialismo em essência funcionariam. Sinceramente, não sei. O que posso dizer é que sou avesso a qualquer forma de governo que interfira nas liberdades individuais. Além disso, políticas precisam ser pensadas dentro de um contexto atual. E se a política vai mal é exatamente porque ela não atende essas necessidades. Em breve pretendo publicar um texto em que abordo com alguma profundidade esse assunto mais do que controverso.

Written by David Arioch

May 4th, 2016 at 3:09 pm

Anita Prestes: “Existe muita propaganda mentirosa sobre o que é o socialismo”

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Historiadora afirma que o Brasil vive um momento de pobreza de lideranças e partidos de esquerda

Anita vai lançar uma nova biografia sobre Luiz Carlos Prestes em maio ou junho (Foto: Amauri Martineli)

Anita dedicou a carreira a estudar o legado do pai Luiz Carlos Prestes (Foto: Amauri Martineli)

No início do mês, a professora, pesquisadora e escritora Anita Leocádia Prestes, filha de Luiz Carlos Prestes e Olga Benário, dois dos mais importantes personagens da história brasileira do Século XX, esteve em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, ministrando uma palestra sobre os 80 anos da Aliança Nacional Libertadora (ANL), movimento que lutou para tentar mudar os rumos da política brasileira, combatendo o autoritarismo e denunciando a miséria, pobreza e exploração dos menos favorecidos.

Na tarde do dia 3 de março, antes do início do evento que fez parte das atividades de greve do curso de história da Universidade Estadual do Paraná (Unespar) e levou mais de 450 pessoas para o Teatro Municipal Dr. Altino Afonso Costa, tive a oportunidade de entrevistá-la no saguão do Hotel Elite, no centro de Paranavaí. Pontual, Anita já me aguardava para uma longa e proveitosa conversa.

Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutora em história pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Anita Prestes nasceu na prisão feminina do campo de concentração de Barnimstraße, em Berlim, na Alemanha, após ser separada da mãe, a alemã Olga Benário. Judia e comunista, Olga veio ao Brasil para ajudar Prestes, mas foi entregue grávida aos nazistas pelo governo brasileiro e executada aos 34 anos em um campo de concentração de Bernburg em 23 de abril de 1942.

Motivada pelo legado familiar, Anita dedicou a maior parte da vida acadêmica a pesquisar sobre os 70 anos de atuação política do pai Luiz Carlos Prestes, falecido aos 92 anos em 1990. Ao longo da carreira, publicou inúmeros livros. O mais recente, “Luiz Carlos Prestes – O Combate por um Partido Revolucionário”, lançado em 2012, aborda o período de 1958 a 1990. Atualmente a pesquisadora está terminando a biografia mais completa sobre a história de Prestes. O livro que reúne informações coletadas em mais de 30 anos tem previsão de lançamento para maio ou junho pela Boitempo Editorial, de São Paulo.

"Uns endeusam, outros atacam. A verdade é que o Getúlio Vargas foi uma figura muito complexa" (Foto: Amauri Martineli)

“Uns endeusam, outros atacam. A verdade é que o Getúlio Vargas foi uma figura muito complexa” (Foto: Amauri Martineli)

Gentil e eloquente, Anita respondeu com naturalidade questões sobre o passado político da família, Levante Comunista, papel de Getúlio Vargas após a Revolução de 1930, exílio, obras baseadas na vida de Luiz Carlos Prestes e Olga Benário, socialismo, política atual e o novo livro, além de outros assuntos. Confira:

Quando e por que a senhora decidiu pesquisar sobre a história política do seu pai, Luiz Carlos Prestes?

Eu quis ingressar na universidade para estudar história quando voltei do exílio em 1979, o que é até curioso porque a minha primeira formação foi em química. Só que nunca trabalhei na área [risos] devido a perseguição que surgiu com o golpe de 1964. Naquele tempo, meu pai já estava com mais de 80 anos e tinha uma memória extraordinária sobre os acontecimentos da Coluna Prestes. O problema é que ele resistia em escrever. Então segui por esse caminho e defendi a minha tese de doutorado sobre a Coluna Prestes em 1989. Depois disso, continuei trabalhando na universidade. Ainda muito interessada na história do Brasil contemporâneo, pesquisei sobre tenentismo, movimentos militares e me aprofundei na história do PCB [Partido Comunista Brasileiro], até porque a partir de 1930 não tem como estudar a vida do Prestes sem relacioná-la ao PCB e vice-versa.

Como imagina que seria o Brasil se o Levante Comunista de 1935 tivesse sido melhor articulado e bem sucedido?

A realidade é que hoje, após estudar o assunto por tantos anos, posso afirmar que não havia a menor condição para êxito desse movimento. Eram pessoas bem intencionadas que lutaram aguerridamente e muitos morreram, mas não havia reais condições para uma vitória. Os comunistas da época e seus aliados da Aliança Nacional Libertadora [ANL] fizeram uma avaliação equivocada da situação política. Achavam que havia uma situação revolucionária no Brasil, o que não correspondia com a realidade.

Getúlio Vargas é um dos personagens mais controversos da história contemporânea do Brasil, tanto que até hoje divide muitas opiniões. Como a senhora avalia o papel de Vargas antes e depois da Revolução de 1930?

"O Getúlio Vargas e o grupo que ele representava foram os maiores responsáveis pela extradição da minha mãe" (Foto: Amauri Martineli)

“Tenho que levar em conta que o Filinto Müller era apenas um funcionário do governo, um chefe de polícia com algum poder” (Foto: Amauri Martineli)

Uns endeusam, outros atacam. A verdade é que o Getúlio Vargas foi uma figura muito complexa. Ocupou uma posição importante na história do Brasil do século XX e que deve ser avaliada nas suas condições. Ele era representante da elite brasileira. Entrou para a política porque fazia parte da oligarquia agrária do Rio Grande do Sul. Foi muito influenciado na década de 1930 por ideologias de caráter autoritário e fascista que estavam em ascensão no mundo. E, claro, foi o que serviu de base para atingir os objetivos propostos pelo grupo que ele representava. No entanto, a cabeça pensante do grupo era o general Pedro Aurélio de Góes Monteiro, criador da chamada doutrina Góes Monteiro, hoje pouco conhecida. O objetivo da doutrina era a reconstrução do Brasil a partir de um estado autoritário centralizador e corporativista. E foi o que colocaram em prática com a Revolução de 1930, chegando ao auge com o Estado Novo. Uma das promessas da doutrina era fazer com que o Estado desse um salto no processo de industrialização. Até 1930, tínhamos um país com indústrias leves. A partir dessa política, o Brasil começou a investir em indústrias pesadas, o que era muito importante para a defesa nacional. O Góes Monteiro viu isso também como um instrumento de combate às manifestações. Para criar um cenário favorável à industrialização, o governo estabeleceu um arrocho salarial e uma série de medidas prejudiciais a maior parte da população e benéfica ao desenvolvimento capitalista. Houve resistência dos setores populares e as insatisfações foram combatidas com bastante repressão.

Há quem diga que Filinto Müller apenas recebia ordens quando deportou sua mãe para a Alemanha. Até que ponto ele tem culpa sobre o destino de sua família?

Tenho que levar em conta que o Filinto Müller era apenas um funcionário do governo, um chefe de polícia com algum poder. A verdade é que o Getúlio Vargas e o grupo que ele representava foram os maiores responsáveis pela extradição da minha mãe e de muitos outros presos políticos perseguidos e torturados naquela época. Filinto Müller nunca teria feito o que fez sem o respaldo do Getúlio.

Como era o relacionamento do seu pai com Carlos Marighella e Jorge Amado?

Foram várias fases, né? Quando o Partido Comunista Brasileiro foi legalizado em 1945, com a vitória da União Soviética e seus aliados, os comunistas ganharam espaço. Carlos Marighella e Jorge Amado se tornaram deputados da bancada do PCB, então havia um grande relacionamento de camaradagem entre eles e o meu pai. No decorrer da luta, esses dois comunistas seguiram caminhos diferentes. O Jorge Amado, um escritor renomado, se afastou do partido e se tornou muito amigo de políticos à direita como o Antônio Carlos Magalhães. Também fez amizade com o José Sarney. Eu diria que se tornou alguém que se integrou ao sistema capitalista, deixou de ser um combatente e se afastou do Prestes. O Carlos Marighella preferiu outra direção. Se desesperou com a grave derrota de 1964 e perdeu a perspectiva de um trabalho de longo prazo. Tentou ganhar sem ter condições pra isso e repetiu o erro do PCB em 1935. No fim, acabou derrotado e morto.

"Não tenho nenhuma cerimônia em dizer que o senhor Daniel Aarão Reis é um canalha" (Foto: Amauri Martineli)

“Não tenho nenhuma cerimônia em dizer que o senhor Daniel Aarão Reis é um canalha” (Foto: Amauri Martineli)

O Livro do Fernando Morais sobre a história de sua mãe e o filme de Jayme Monjardim fazem justiça a quem foi Olga Benário?

O meu pai sempre achou o livro muito bom, bastante comprometido com a verdade. Houve um trabalho sério de pesquisa. O Fernando Morais tem uma grande capacidade de emocionar as pessoas, prender a atenção. Já o filme, como todo filme, tem suas limitações. O próprio Monjardim declarou que não estava interessado em política, história do Brasil ou na vida do Prestes, mas sim em retratar uma história de amor que ele achou bonita. Claro, tem coisas ali que poderiam ser melhores, mas ele desempenhou sim um papel importante. Conquistou o público e ajudou a resgatar a história da minha mãe.

Há mais verdades ou factoides na biografia sobre Luiz Carlos Prestes lançada pelo historiador Daniel Aarão Reis?

Como trabalho de historiador, é algo que se pode rasgar e jogar fora. Ele divulga muitas mentiras e informações que não foram comprovadas. O que percebi foi uma intenção de desmoralizar o Prestes, a família do Prestes e a minha mãe. Ele inventou uma história de que a Olga deixou um filho em Moscou [na Rússia] e não apresentou nenhum documento como prova. Estive em Moscou há dois anos, pesquisando no arquivo da Internacional Comunista. Tirei cópia da pasta integral que existe lá sobre a minha mãe e não há nada disso. Conheci muitos amigos e amigas da minha mãe em Moscou e todos eles afirmaram que ela nunca teve outro filho. Do dia que nasci até o dia em que ela morreu, a Olga se preocupou comigo o tempo todo. Minha mãe é uma pessoa admirada pelo seu heroísmo e coragem. Nunca faria algo assim. Esse sujeito tentou manchar a imagem dos dois. Não tenho nenhuma cerimônia em dizer que o senhor Daniel Aarão Reis é um canalha.

Luiz Carlos Prestes sempre recusou qualquer pensão ou indenização. A senhora também fez o mesmo?

No início da década passada, solicitei que fosse contado o meu tempo de serviço no período em que estive no exílio para que mais tarde eu pudesse me aposentar. O pedido foi atendido com base legal e junto vieram R$ 100 mil de indenização. Me senti incomodada em aceitar o dinheiro porque trabalho, tenho condições de me manter. Então doei para o Instituto do Câncer que é uma entidade séria do Rio de Janeiro. Quanto ao meu pai, ele nunca aceitou voltar para o Exército e nunca quis nenhuma das pensões que lhe ofereceram. No final dos anos 1980, a última tentativa foi do Saturnino Braga, ex-prefeito do Rio de Janeiro. Meu pai recusou e justificou que não poderia receber pensão enquanto o funcionalismo público estava com dificuldades, sem dinheiro para pagar os salários dos servidores. Após meu pai morrer, a viúva [Maria do Carmo Ribeiro] solicitou a integração do meu pai ao Exército [Prestes foi capitão até 1936], mesmo contra a vontade dele em vida. Como forma de desmoralizar ainda mais o Prestes, o Exército o promoveu. Ou seja, o general da Coluna Prestes foi promovido a coronel de pijama do Exército. Achei um desrespeito muito grande à memória dele. Meu pai nunca quis dinheiro do governo. Pelo papel político que desempenhou, por tudo que ele lutou, seria uma grande contradição. Nos anos 1990, me chamaram e me ofereceram a minha parte da pensão, mas recusei.

"Após meu pai morrer, a viúva [Maria do Carmo Ribeiro] solicitou a integração do meu pai ao Exército [Prestes foi capitão até 1936], mesmo contra a vontade dele em vida" (Foto: Amauri Martineli)

“Meu pai nunca quis dinheiro do governo” (Foto: Amauri Martineli)

Como foi a experiência no exílio na União Soviética?

Bom, passei por vários exílios, inclusive nasci no exílio [risos]. Enfim, é sempre melhor você estar na sua terra e viajar para o exterior quando quiser, com boas condições e opções para estudar e conhecer lugares. No caso do exílio, você é forçado a estar fora, então é bem diferente. Mas posso dizer que sempre recebi uma solidariedade muito grande.

Nos últimos anos de vida, seu pai estava satisfeito com os rumos da política brasileira?

Em 1989, no último ano de vida dele, mesmo doente, ele participou das campanhas do Brizola e do Lula. Não tinha como estar satisfeito com a política brasileira, até porque o Collor foi eleito. Inclusive tomou posse alguns dias depois da morte do meu pai.

Antes de falecer, o Prestes ainda tinha algum sonho com relação ao futuro do Brasil?

Sonho, eu não diria, mas ele era um homem que achava que os processos de transformações das sociedades humanas teriam que levar à vitória do socialismo. Quando, como e de que jeito, isso é outra coisa. Sempre acreditou que um dia surgiriam as condições para que se lutasse e realizasse essas transformações. Era uma pessoa extremamente otimista.

Se tratando de política de esquerda, o Brasil hoje tem algum partido realmente representativo?

Olha, acho que não. Há uma pobreza muito grande de lideranças e de partidos. Existe muita propaganda mentirosa sobre o que é o socialismo, além da indiscutível falsificação da história. Muitos se aproveitam disso. O que temos hoje é o PCB, um partido pequeno, pouco representativo e que tem como atual secretário geral o Ivan Pinheiro que faz um bom esforço de organização popular, mas enfrenta muitas dificuldades.

A senhora considera pequena ou grande a parcela de jovens interessados no socialismo e no legado de Luiz Carlos Prestes?

De uma maneira geral, a mídia tem um grande poder de influenciar e desinformar os jovens, mas tenho notado principalmente nas universidades que uma parcela significativa da juventude está estudando de verdade o marxismo, interessada em saber o que ele realmente significa e representa. Tenho ministrado palestras pelo Brasil afora e a recepção tem sido muito boa. Sou recebida por 400, 500 e até mil pessoas em cada evento, o que significa que há sim um grande interesse dos jovens pelas políticas de esquerda.

Por que quando se fala em políticas de esquerda, principalmente na internet, as pessoas trocam agressões com tanta facilidade?

O papel da mídia é muito poderoso. Há um conjunto de meios que influem na mente das pessoas. Mas não há nada como a realidade, né? Na medida em que as próprias contradições do capitalismo se acentuam, as pessoas começam a ver a necessidade de mudança. Com isso, muita gente chega ao marxismo e percebe a necessidade de lutar por transformações mais profundas na sociedade.

"Há sim um grande interesse dos jovens pelas políticas de esquerda" (Foto: Amauri Martineli)

“Há sim um grande interesse dos jovens pelas políticas de esquerda” (Foto: Amauri Martineli)

Na sua opinião, o neoliberalismo se opõe à democracia?

Vejo o neoliberalismo como um eufemismo do capitalismo. Quando o capitalismo surgiu havia um anseio de democracia, mas de democracia voltada para as elites, para a burguesia, não para os trabalhadores. Um exemplo foi o que aconteceu na Revolução Francesa. Hoje vivemos um período em que a burguesia se sente a perigo porque vê que há mais insatisfação e contestação social. A realidade é que nesse ambiente de luta crescem também as probabilidades de haver menos democracia e mais repressão. Sem dúvida, a democracia no Brasil ainda é só para os poderosos.

O socialismo pode reacender no Brasil no futuro?

Mais cedo ou mais tarde, a luta vai ser intensificada. Acredito que as lideranças populares do Brasil têm condições de estudarem mais, se prepararem, se organizarem e conduzirem o país para o verdadeiro caminho do socialismo. Acho que Cuba é uma grande referência porque lá o socialismo ainda sobrevive, apesar de todas as dificuldades. Eles sofrem muito porque é um país pobre, sem recursos naturais, uma pequena ilha perseguida e bloqueada ao lado dos Estados Unidos. Além disso, como diz o próprio Fidel Castro, não existe receita para a construção do socialismo. Logo cometem-se muitos erros que precisam ser corrigidos. Eles reconhecem isso e se empenham em aperfeiçoar o sistema.

As vitórias do Syriza na Grécia e do Podemos na Espanha representam mais proximidade com os ideais socialistas?

Independente das vitórias desses partidos, não acredito que Grécia nem Espanha estão a caminho de um governo socialista. Os próprios partidos não têm posições socialistas. São dois países vivendo um renascimento da social-democracia, com políticas que no fundo mascaram a exploração capitalista, o que não contribui efetivamente para a emancipação dos trabalhadores.

Como a senhora qualifica o papel da mídia brasileira nas mudanças políticas das últimas décadas?

"Mais cedo ou mais tarde, a luta vai ser intensificada" (Foto: Amauri Martineli)

“Mais cedo ou mais tarde, a luta vai ser intensificada” (Foto: Amauri Martineli)

A mídia continua nas mãos das classes dominantes, favorecendo os interesses da burguesia. No Brasil, há uma grande resistência do Congresso Nacional que não quer a democratização da mídia porque defende os interesses das elites reacionárias, de direita. A TeleSUR, emissora de televisão da Venezuela, tem um convênio assinado com o Brasil desde 2005 para transmitir os seus programas pela TV Brasil. O acordo não sai do papel por causa da resistência da diretoria da emissora e do congresso. Eles não querem que os brasileiros conheçam a versão venezuelana dos fatos. A Argentina já transmite programações de emissoras da Venezuela e da Rússia. A RT, por exemplo, que é uma TV russa, faz oposição ao Ocidente. É importante ter a oportunidade de comparar apresentações antagônicas sobre um mesmo acontecimento. Essa infeliz unilateralidade das informações também se aplica ao que acontece na Ucrânia.

O trabalho da Comissão da Verdade e as revisões sobre os acontecimentos do período da ditadura militar significam avanços?

Acho que foi um avanço pequeno e atrasado, diferente do que aconteceu na Argentina, Uruguai e Chile. Nesses países, generais e torturadores foram condenados e presos. Aqui no Brasil houve uma anistia muito problemática, tanto para a esquerda quanto para os torturadores, o que é uma coisa absurda. Afinal, a tortura é um crime inafiançável. Infelizmente o Supremo Tribunal Federal declarou há dois ou três anos que não se pode mexer na lei da Anistia. Reconheço que a Comissão da Verdade esclareceu alguns casos e movimentou o assunto, mas ainda precisamos de uma revisão da Lei da Anistia e o julgamento dos torturadores que estão vivos. Falta também um posicionamento da Anistia Internacional e da ONU.

"Para a nova biografia, tive que reavaliar todo o material de pesquisa acumulado em mais de 30 anos (Foto: Amauri Martineli)

Historiadora vai lançar uma nova biografia sobre Luiz Carlos Prestes em maio ou junho (Foto: Amauri Martineli)

O PCB antigamente mantinha bastante contato com partidos internacionais. Ele ainda mantém a tradição?

Ele mantém sim. O PCB tem bastante contato com partidos comunistas internacionais. No geral, com partidos de esquerda da América Latina e da Europa.

Existe a possibilidade de haver uma unificação dos partidos de esquerda, seguindo o exemplo da Internacional Comunista?

Já foi levantada essa questão e está ainda em discussão. Realmente não é uma coisa fácil de se colocar em prática.

O que o Instituto Luiz Carlos Prestes realizou em comemoração aos 90 anos da Coluna Prestes?

Realizamos muitas atividades desde o ano passado. Tenho viajado bastante pelo Brasil, passando por universidades. Celebramos este mês os 80 anos da criação da Aliança Nacional Libertadora e estamos abordando todos os desdobramentos de suas ações, incluindo o levante antifascista de novembro de 1935. Para falar sobre o assunto, já percorremos o Paraná, Rio de Janeiro e alguns estados do Nordeste.

Como estão os preparativos para o lançamento da nova biografia sobre o Luiz Carlos Prestes?

A previsão é de que saia em maio ou junho, pela Boitempo Editorial, de São Paulo. Tive que reavaliar todo o material de pesquisa acumulado em mais de 30 anos. Fui para Brasília em setembro do ano passado e recebi uma grande ajuda da presidente do Superior Tribunal Militar que me disponibilizou DVDs com muitas informações sobre os acontecimentos de 1935. A biografia já tem mais de mil notas de rodapé citando fontes. Não tinha como ser diferente porque a trajetória do meu pai começou no tenentismo e foi até 1990. Ele participou de diferentes movimentos políticos no Brasil e no cenário mundial. Era um importante membro da comissão executiva da Internacional Comunista, assim como minha mãe.

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Uma Cuba menos marxista

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Guantanamera mostra como o capitalismo desponta na Cuba socialista

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História se desenrola a partir da morte de Tia Yoyita (Foto: Reprodução)

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Guantanamera apresenta as falhas do sistema socialista (Foto: Reprodução)

Lançado em 1995, Guantanamera é um filme singular de Tomás Gutiérrez Alea e Juan Carlos Tabío que mostra uma Cuba ambivalente, arcaica e jovial, onde o socialismo perde espaço para o capitalismo do trabalho informal. A obra, uma fusão de comédia, crítica social e road movie, apresenta Tia Yoyita (Conchita Brando), uma mulher já idosa que está em Guantánamo, sua cidade natal, para rever parentes e amigos.

Durante a visita, Yoyita morre, mas não pode ser enterrada em Guantánamo. Uma nova lei determina que cada cubano deve ser sepultado na cidade onde viveu os últimos anos. Então surge um problema logístico, o de transportar a falecida até o outro lado da ilha. O caricato funcionário público Adolfo (Carlos Cruz), autor do projeto e marido de Georgina (Mirta Ibarra) – sobrinha da falecida, é designado para o trabalho.

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Adolfo cria projeto de lei que impede os cubanos de serem enterrados onde quiserem (Foto: Reprodução)

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Filme mostra o capitalismo que surge nas estradas de Cuba (Foto: Reprodução)

Durante o percurso, surge uma série de contratempos que destacam alguns problemas da revolucionária Cuba. São inesquecíveis as cenas das paradas do cortejo fúnebre; os viajantes sendo abordados por ambulantes vendendo bananas. A maioria rejeita o peso, a moeda oficial, e exige o pagamento em dólares. Os principais personagens, de ideologia marxista-leninista, tentam confrontar o capitalismo que desponta de modo informal em Cuba.

Há muitos momentos de ironia que ressaltam um cotidiano paradoxal. Em Guantanamera, as críticas surgem sutis, bem humoradas e até belas. Outro exemplo emblemático é a cena do caminhoneiro Mariano (Jorge Perugorría), apaixonado por Georgina, que se recorda de quando estudava comunismo científico, disciplina transformada em socialismo científico. “No futuro, será capitalismo científico”, debocha o personagem Ramón (Pedro Fernández). Os muitos questionamentos políticos feitos por Alea e Tabío permitem ao espectador levantar dúvidas sobre o meio em que vive.

Considerado o menos superficial de todos os filmes de Tomás Gutiérrez, Guantanamera é contundente como uma crítica que se conjetura em autocrítica. Os autores deixam implícito que se Cuba se desvanece em vários aspectos, como o cadáver dentro do caixão rumo a Havana, é porque cada cubano tem parcela de culpa. É possível até fazer uma interpretação mais íntima da morte de Yoyita, já que Alea estava se tratando de um câncer quando decidiu rodar o filme.

 Curiosidade

Embora guantanamera seja um gentílico para as mulheres nascidas em Guantánamo, no sudeste cubano, no filme também é uma referência à canção folclórica de José Martí e Joseíto Fernández.