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Um retrato da solidão de Travis Bickle
Quando o homem não se sente parte de lugar algum
Lançado em 1976 pelo cineasta estadunidense Martin Scorsese, o filme Taxi Driver, de estética noir, é um retrato da solidão de um taxista inapto a conviver com problemas sociais que se tornaram triviais nos grandes centros urbanos.
A história gira em torno de Travis Bickle (Robert de Niro), um taxista misantropo que em função da insônia troca o dia pela noite. O protagonista seria apenas mais uma pessoa trabalhando na madrugada metropolitana, se não fosse pelo fato de começar a rejeitar o papel de sujeito passivo em um mundo que o ignora e o repele.
Nas primeiras noites de trabalho, Travis assiste, sob o auxílio dos faróis do táxi, que iluminam e saturam a obscura e underground realidade periférica yankee, o cotidiano de cafetões, prostitutas, traficantes e usuários de drogas; sujeitos sociais que o personagem deprecia amargamente, chegando a desejá-los mortos. A ojeriza cresce, assumindo um formato perturbador, quando o protagonista conhece Iris (Jodie Foster), uma garota de 12 anos que se submete ao cafetão Sport (Harvey Keitel).
O contraponto no contexto é Betsy (Cybill Shepherd), funcionária de um candidato ao senado, a quem o taxista atende ocasionalmente, despertando em Travis um sôfrego e inédito interesse pela essência humana. A personagem feminina encontra a complacência da solidão na excêntrica e complexa personalidade do taxista. Os dois são ostracistas, mas enquanto Travis está em estado avançado de deterioração psicológica e incoerência social, Betsy arquiteta para si um mundo que, mesmo fosco, ainda é digno de maleabilidade.
Travis é uma consequência do mundo moderno, alguém que empurrado para a individualidade sucumbiu antes mesmo de morrer. Mas no decorrer da história sente-se ressuscitado ao descobrir, mesmo tardiamente, que existe diferença entre assistir a vida como um medíocre espectador e realmente vivê-la.
O personagem, bastante fragilizado carrega na alma as falhas da incomunicabilidade. Exemplo é a cena em que convida Betsy para ir ao cinema. Quando os dois chegam ao local, ela o abandona ao se deparar com um filme pornô. Alheio à socialização, Travis aparece em muitos momentos monologando em frente ao espelho, hábito cada vez mais moderno, individualista e antagônico à realidade de viver em um mundo cada vez mais populoso.
Do início ao fim do filme, sob um prisma estético, o cenário urbano transmite a contumácia do realismo e sofre uma profunda abstenção de cores. Também é chocante o aspecto físico do personagem que pela gradativa implosão de emoções – reflexo de anseios, privações e frustrações, parece sofrer de uma particular metamorfose kafkiana.
A moralidade de Travis Bickle é um elemento intrigante e confuso. Ao mesmo tempo que o protagonista age de forma cesarista e discricionária, ele se sente atraído pelos personagens do submundo. Ainda assim, é imperativo o desejo onírico de limpar a área e restabelecer a ordem. Cabe ao espectador interpretar a intenção dessa motivação.