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Qual é a nossa dieta natural?
Collura: “Dietas vegetarianas e veganas podem proporcionar uma vida inteira de nutrição saudável”
Em 2004, o proeminente biólogo Randall Collura, que tem doutorado em biologia molecular e biologia antropológica pela Universidade Harvard, publicou um ensaio intitulado “What is our natural diet and should we really care?” A obra integra o livro “Food for Thought: The Debate Over Eating Meat”, editado pelo conceituado filósofo moral Steve Sapontzis, especialista em direitos animais e ética ambiental com doutorado em filosofia pela Universidade Yale.
No ensaio, Collura, que dedicou uma parcela de sua vida a estudar sobre a evolução das dietas humanas, defende que não existe uma dieta natural humana, mas sim diversas que foram colocadas em prática por inúmeros fatores – muitas vezes desconsiderados. Também critica a ideia de um retorno a um “estado natural”, defendendo que esse “estado natural” nunca existiu na singularidade, já que as sociedades humanas, e aquelas que deram-lhe origem nunca foram uniformes.
Além disso, destaca que estamos distantes de nossos ancestrais há milhares e até milhões de anos – e não há como ignorar as transformações contextuais. Logo, no seu entendimento, não faz sentido o ser humano crer, por exemplo, que a alimentação de seus ancestrais seria a salvação para problemas atuais (chamando isso de soluções simples para problemas complexos) – e ignorando a ideia de uma “tábua de salvação”. Ele aponta falhas em dietas como a paleolítica que culpa o surgimento da agricultura como responsável pelo declínio da saúde humana. “Curiosamente, os defensores da dieta paleo enfatizam a origem recente (nos últimos 100 anos ou mais) das principais doenças que marcaram a civilização ocidental; no entanto, a agricultura tem muitos milhares de anos. Se os alimentos neolíticos eram os culpados por essas doenças, teríamos uma história de vários mil anos dessas doenças”, argumenta.
Collura vai além – aponta inconsistências em relação a todas as dietas radicais. E não só isso, discute o mito do “Jardim do Éden”, o anseio do ser humano que, espelhando-se romanticamente no passado, espera reencontrar a dieta perfeita, como se isso permitisse uma proximidade com a ideia de um paraíso terreno, puro, livre de moléstias. Arrogância dietética e a crença em uma dieta mitológica são vistas por ele como inimigas do bom senso. O biólogo também cita a contradição de quem critica veganos por suplementarem B12, mas consome muitos alimentos enriquecidos com vitaminas – ignorando que “suplementa” diariamente sem perceber ou reconhecer. Randall Collura enfatiza ainda que dietas vegetarianas e veganas podem proporcionar uma vida inteira de nutrição saudável:
Qual é a nossa dieta natural? Essa tem sido uma questão central no movimento vegetariano dos últimos 150 anos ou mais. Autores vegetarianos exploraram a questão por meio de anatomia comparativa e fisiologia de diversificada sofisticação. A conclusão tem sido geralmente de que os seres humanos são mais adequados a uma dieta vegetariana, o que não surge como uma grande surpresa. As evidências apresentadas, no entanto, nunca foram definitivas e acredito que nunca será. Implícita nessa questão é a crença de que nossa dieta natural certamente seria a melhor dieta para nós.
Natural é igual a melhor – não é mesmo? Talvez nossos mitos enuviaram nosso pensamento. Mesmo se pudéssemos determinar nossa verdadeira dieta natural, seríamos capazes de encontrar os alimentos que a compõe? Nós não os encontramos em nossos supermercados locais – nós mudamos nossos alimentos tão dramaticamente quanto mudamos nossos hábitos alimentares. Deveríamos mesmo estar fazendo essa pergunta em primeiro lugar? Ou deveríamos perguntar, em vez disso, qual seria a melhor dieta para nós hoje, com nosso estilo de vida atual e nossas escolhas alimentares, e esquecer sobre a mítica (natural) dieta perfeita já perdida? Vamos explorar a questão.
O Jardim do Éden é um mito poderoso e difundido pelo menos na cultura ocidental. Alusões a esse mito estão em toda parte. Cobras, maçãs, folhas de figueira e o conceito de um paraíso tranquilo ou da “Idade do Ouro” estão tão enraizados na nossa consciência coletiva que são tomados como referência. A ideia é estendida à nossa história evolutiva também. Vivíamos em uma floresta paradisíaca até que alguma coisa (mudança climática?) nos forçou a nos mudarmos para a savana para cuidarmos de nós mesmos até perdermos a nossa inocência.
Talvez esse mito ressoe tão universalmente porque, em parte, a história espelha nosso próprio desenvolvimento como indivíduos. Somos nutridos enquanto crescemos em um lugar seguro onde somos assistidos por seres poderosos com quem partilhamos um interesse emocional. Eventualmente, é esperado que deixemos esse bom lar para cuidarmos de nós mesmos (e isso envolve a perda da nossa inocência). Até mesmo o nosso conto científico da evolução da vida na Terra é contado como um mito da criação, conforme a narrativa sempre começa e termina com a nossa evolução.
Essa mitologia faz com que estejamos abertos a um chamado “retorno à natureza”, para recuperar a “sabedoria antiga” e viver uma vida mais primitiva. A seguinte citação é de um livro publicado em 1896 que defende uma dieta crudívora, baseada principalmente em frutas e castanhas; o autor é Adolf Just, um naturopata alemão:
“No paraíso, o homem originalmente viveu livre do pecado e da doença, em perpétua alegria e límpida felicidade. Mas o homem perdeu o paraíso – foi expulso de lá. Os mitos antigos, especialmente os mitos sobre o paraíso, que encontramos em todos os povos civilizados, incorporam as mais profundas verdades sobre o estado original do homem e a história primitiva da humanidade.”
Como o mito do “Jardim do Éden” se enquadra à realidade? Não muito bem. Os últimos 150 anos ou mais trouxeram uma revolução na compreensão científica sobre os nossos parentes macacos mais próximos e sobre a nossa verdadeira história evolutiva. Até os anos 1970, nossa associação com os primatas era consideravelmente incerta, embora sempre tenhamos sido considerados da mesma família dos grandes símios. Desde então, nossa estreita relação com os chimpanzés foi descoberta, sem qualquer dúvida. É muito provável que os ancestrais dos modernos seres humanos estivessem vivendo (e provavelmente parecendo) como os chimpanzés de hoje, e isto há apenas seis milhões de anos.
Enquanto continuamos a estudar cuidadosamente nossos grandes primos, “a selva paradisíaca” que habitamos há muito tempo começa a parecer um pouco mais desagradável do que amistosa. No habitat do macaco moderno as frutas são abundantes em algumas épocas, mas bastante escassas em outras. As frutas que estão disponíveis não estão de acordo com os nossos gostos domésticos – são bem menos doces e muito mais rica em fibras do que aquelas que encontramos em caixas nos supermercados. Chimpanzés comuns fazem guerra contra os grupos vizinhos – matam os machos e muitas vezes ferem as fêmeas.
Macacos carregam parasitas, sofrem por causa de ossos quebrados e morrem de doenças que também afetam os seres humanos. Agressão e infanticídio são realidades desagradáveis de muitos primatas. Sob qualquer avaliação, estamos muito melhor ou temos potencial para sermos muito melhores do que nossos ancestrais e parentes mais próximos. O mito, no entanto, é muitas vezes mais poderoso do que a verdade – ou talvez seja apenas mais atrativo enquanto crença. A primeira coisa que precisamos fazer para olhar claramente esta questão é abandonar o mito do “Jardim do Éden”.
Como os autores vegetarianos analisaram nossa dieta no passado? Pegue um livro sobre vegetarianismo a partir da década de 1880 ou da década de 1980 e você provavelmente encontrará um capítulo sobre a nossa dieta natural. De fato, provavelmente não haverá muita diferença entre esses capítulos escritos com 100 anos de diferença. A lógica é simples: comparando nossa anatomia e fisiologia com a de outros animais, devemos ser capazes de determinar a dieta mais adequada para nós. Ouvi os mesmos argumentos feitos em um contexto evolucionário ou bíblico.
Chame-o de “determinismo físico dietético”. O foco geralmente é a forma e o tamanho do dente, comprimento e complexidade do trato digestivo e algumas outras características. Somos mais como os carnívoros ou como os herbívoros? E quanto aos onívoros? Humanos são classificadores – gostamos de colocar as coisas em categorias – mas quão rígidas são essas designações? No mundo natural, não há divisões rígidas como “os carnívoros”. Não é que não haja grupos naturais formados por linhas de descendência, mas esses grupos não são necessariamente homogêneos.
Além disso, os animais substituem o que comem ao longo do tempo. E eles devem fazer isso. Porque todos os mamíferos derivam de um ancestral comum, mudanças na dieta devem ter ocorrido em muitos pontos na evolução dos mamíferos, incluindo aqueles que deram origem aos nomes. É claro que não somos carnívoros como os gatos – meticulosamente adaptados a uma dieta de carne. Poucos argumentam que somos, no entanto. É claro que não somos herbívoros como os ruminantes artiodáctilos (isto é, as vacas), também. Eles têm um sistema digestivo evoluído que, com a ajuda de micróbios que digerem celulose, podem processar forragens que outros mamíferos não podem.
Curiosamente, um grupo de macacos do Velho Mundo (e uma ave do Novo Mundo) desenvolveram um sistema similar de forma independente. Outros mamíferos, incluindo alguns primatas, digerem alguns alimentos fibrosos no intestino grosso. O intestino posterior dos humanos não parece ser sido ampliado para esse propósito. Na verdade, nosso sistema digestivo não parece muito especializado. Nossos dentes também não ajudam muito. Uma coisa que define humanos e nossos ancestrais hominídeos (espécies que evoluíram desde nossa divisão com os chimpanzés) são os caninos reduzidos.
Um rápido olhar para os grandes símios (chimpanzés, gorilas e orangotangos) mostra caninos bem grandes, ainda assim eles são supostamente nossos primos vegetarianos. Acontece que esses dentes são usados em competições entre espécies – machos competindo e às vezes brigando por fêmeas. E se os machos não lutam pelas fêmeas (ou seja, formam pares), os caninos grandes podem ser desnecessários. Nossos dentes podem ter mais a dizer sobre nosso sistema social do que nossa dieta. O ponto de partida é que nada sobre a nossa anatomia ou fisiologia dita uma dieta vegetariana (ou a exclui também). Inclusive para o determinismo físico dietético.
E as dietas dos nossos parentes próximos? Estudos sobre os hábitos alimentares dos grandes primatas têm claramente mostrado que os nossos parentes não humanos mais próximos sobrevivem primariamente de vegetais. Mas eles são realmente vegetarianos? É importante ter em mente que o vegetarianismo é um conceito humano. Outros animais podem seguir dietas à base de plantas, mas eles não são vegetarianos no sentido de evitar intencionalmente alimentos de origem animal. Por exemplo, muitos primatas consomem insetos quando estão disponíveis. Chimpanzés adoram cupins e são especialistas em desenvolver ferramentas para capturá-los.
Formigas e vermes também estão entre os alimentos preferidos dos macacos. Chimpanzés comuns também caçam e comem mamíferos, embora isso seja mais raro. Os chimpanzés pigmeus (bonobos) não caçam tanto, mas ainda ocasionalmente comem carne. Esta espécie, tão relacionada aos humanos quanto os chimpanzés comuns, também geralmente é menos agressiva. Ambos os chimpanzés preferem frutas maduras quando estão disponíveis. Em geral, nossos parentes mais próximos têm dietas que são baseadas principalmente em vegetais, mas nenhum deles é vegetariano no nosso sentido da palavra.
E quanto à comida na evolução humana? Desde que aprendemos mais sobre a nossa história evolutiva, autores modernos que defendem várias formas de alimentação ampliaram as comparações dietéticas para incluir espécies e dietas do nosso passado. Ao longo dos últimos seis milhões de anos, nossos ancestrais existiram em pequenos grupos nômades que viviam da caça e da coleta. A quantidade de carne e outros alimentos de origem animal provavelmente subiu de forma gradual até se tornar uma parte significativa de algumas dietas dos nossos antepassados.
Como significativa é uma questão em aberto, opiniões podem dizer mais sobre o pensamento atual em relação à evolução humana do que sobre qualquer estimativa científica real. Essa pilha de ossos com marcas de ferramentas de pedras corresponde a uma refeição ou a um completo estilo de vida? Como poderíamos dizer se a caça era algo que era feito três vezes por semana ou três vezes por ano? Recolher e comer um pedaço de fruta ou desenterrar um tubérculo não deixa registros de traços de fósseis.
Reconstruir dietas antigas não é tarefa fácil. Na verdade, não é tão fácil determinar o que as pessoas estão comendo hoje, seja nas sociedades contemporâneas de caçadores-coletores ou na nossa própria. As dietas mudam frequentemente numa base sazonal e para obter uma imagem completa, as pesquisas precisam ser feitas ao longo do ano. As dietas podem mudar até de ano para ano dependendo da precipitação de chuvas, disponibilidade e outros fatores. Uma análise mundial recente das dietas dos caçadores-coletores apontou uma proporção relativamente alta de grupos de alimentos de origem animal para mais da metade das necessidades energéticas, independente de latitude.
No entanto, o registro arqueológico mostra claramente mudanças substanciais nas capacidades tecnológicas dos nossos antepassados há cerca de 50 mil anos. Como poderia a redução na capacidade de caça do arcaico Homo sapiens ou do Homo erectus alterarem a relação de alimentos caçados vs. alimentos coletados? Se pudéssemos voltar no tempo e pegar uma amostragem das sociedades humanas espalhadas por todo o globo há 30 mil anos atrás e até 90 mil anos atrás – olhando para o que eles comiam, como viviam e morriam – tenho certeza de que encontraríamos uma enorme quantidade de variabilidade.
Mudanças na dieta ocorridas durante a maior parte da evolução humana foram graduais, embora certamente não insignificantes. As mudanças que ocorreram com a invenção da agricultura contudo, tanto em termos de dieta como de estilo de vida, foram rápidas e sofreram guinadas dramáticas em relação a tudo que existia anteriormente. De certa forma, nossas dietas provavelmente se tornaram mais baseadas em plantas e menos dependente de alimentos de origem animal (de acordo com a disponibilidade de milhões de anos atrás).
No entanto, os grãos que se tornaram a base das dietas neolíticas (Nova Idade da Pedra: após cerca de dez mil anos atrás) foram introduzidas pouco antes de sua domesticação. Mudanças nos níveis de atividade, mobilidade e densidade populacional também foram pungentes partindo de um estilo de vida de pequenos grupos de caçadores-coletores que se espalharam pelo mundo no período Paleolítico (Período: antes de 10 mil anos atrás).
Os últimos cem anos trouxeram mudanças ainda mais dramáticas para as dietas e os estilos de vida das sociedades ocidentalizadas. Agricultura mecanizada e outros aspectos da industrialização reduziram ainda mais o gasto médio diário de energia (exercícios). As redes globais de comércio garantem que plantas e animais domesticados em uma parte do mundo sejam criados em climas semelhantes no mundo todo. O Mundo Novo tem domesticado tanto o milho e a batata que são cultivados na África e na Europa quanto a Ásia domestica o arroz criado no Novo Mundo.
Muitas dessas mudanças são benéficas; contudo, algumas reduzem drasticamente a qualidade da dieta. Refinamentos em técnicas de fresagem que separam eficientemente o farelo e o germe do trigo resultam em uma farinha que pode durar mais tempo nas gôndolas, mas com menor valor nutritivo. A produção de açúcar refinado de cana e beterraba também alterou drasticamente a relação entre nutrientes e calorias. Agora é possível consumir uma dieta adequada em total de calorias, mas quase completamente desprovida de nutrientes. Outra mudança substancial nas dietas ocidentais foi a inclusão de maiores quantidades de carne proveniente de animais domesticados, que tende a ser muito maior em gordura do que a carne proveniente da caça selvagem.
Então, até onde devemos ir para encontrar a nossa “dieta natural”? Cem anos, 500 anos, 20 mil anos, mais? Defensores da dieta paleo (que inclui apenas alimentos disponíveis antes do surgimento da agricultura) diriam que os seres humanos modernos têm a genética e constituição dos nossos antepassados paleolíticos, mas dietas e estilos de vida que são muito diferentes dos que eles tinham. As “doenças da civilização” – o que inclui aterosclerose, hipertensão, diabetes, câncer, osteoporose, perda auditiva, cáries, outras doenças e obesidade – são o resultado da discordância entre a nossa antiga genética e nossos estilos de vida e dietas modernas – de acordo com esses defensores. Isso pressupõe que não nos adaptamos a esses novos estilos de vida e dietas.
Mas quanto tempo leva para se adaptar a uma nova dieta? O consenso emergente sobre a evolução genética é de grande variabilidade nas taxas de mudança. Nossos genes são uma colcha de retalhos de notável estabilidade e mudanças incrivelmente rápidas, dependendo das pressões seletivas nos genes individuais. Embora seja verdade que compartilhamos uma grande porcentagem de nossa composição genética com nossos ancestrais e outras espécies de primatas, assim como todos os outros animais, isso de forma alguma nega a importância das distinções genéticas.
As diferenças genéticas entre chimpanzés e nós mesmos são muito pequenas, mas as manifestações dessas diferenças são bem significativas. Além disso, mudanças na dieta parecem ser capazes de induzir mudanças evolutivas devido à importância central da dieta na sobrevivência das espécies. Um exemplo é a retenção da atuação da lactase (para digerir açúcar do leite ou lactose) em adultos cujos antepassados utilizaram o leite animal como fonte de alimento. Mudanças genéticas só começaram a ser investigadas recentemente e podem ter havido muitas adaptações genéticas em relação às mudanças dietéticas que ocorreram nos últimos 10 mil anos.
É muito menos provável que as mudanças na dieta e no estilo de vida que ocorreram desde a revolução industrial tiveram impacto significativo em nossa constituição genética. Curiosamente, os defensores da dieta paleo enfatizam a origem recente (nos últimos 100 anos ou mais) das principais doenças que marcaram a civilização ocidental; no entanto, a agricultura tem muitos milhares de anos. Se os alimentos neolíticos eram culpados por essas doenças, teríamos uma história de vários mil anos dessas doenças.
Por que autores que promovem a dieta paleo sugerem um retorno a uma dieta de mais de 10 mil anos para a prescrição de doenças que se tornaram um grande problema apenas desde a revolução industrial? Não há razões convincentes para começar a comer como um “homem das cavernas”. Talvez então, em vez de uma receita paleolítica para as doenças da moderna civilização, precisemos de uma receita neolítica. Ao contrário de questões relativas à proporção de alimentos de origem vegetal ou de origem animal nas dietas de nossos distantes ancestrais, é uma tarefa mais fácil realizar escolhas nos baseando em mudanças que ocorreram tão recentemente que temos registros escritos delas.
A dieta neolítica seria baseada em grãos integrais com uma proporção muito maior de alimentos não refinados, e muito menos carne e açúcar (a dieta macrobiótica, bem como dietas vegetarianas integrais poderiam ser consideradas neolíticas). Mudanças no estilo de vida incluem maiores quantidades de exercícios – embora não ao nível dos caçadores-coletores contemporâneos. Não estou sugerindo que todos os aspectos da vida neolítica devem ser replicados. No entanto, existem muitos aspectos da ecologia industrial que devem ser questionados. O generalizado uso de pesticidas, herbicidas, conservantes e outros produtos químicos em nossa comida têm consequências a longo prazo que são pouco consideradas e estudadas. Muitos desses têm benefícios incontestados, mas sem uma verdadeira compreensão dos custos – e decisões apropriadas sobre seu uso nunca podem ser tomadas.
Outro movimento dietético popular que olha para trás em sua busca por uma dieta perfeita é o crudivorismo. Os defensores das dietas crudívoras gostam de dizer (com escárnio) que os humanos modernos são os únicos animais que cozinham a comida. Quanto tempo faz que os humanos cozinham a comida é ainda uma questão ativa na antropologia. É seguro dizer que em algum ponto na evolução humana começamos a cozinhar alimentos e antes disso nossas dietas eram todas cruas. Essa mudança pode ter sido tão antiga quanto a origem do Homo erectus (1,8 milhão de anos atrás) ou tão tarde quanto a origem do Homo sapiens (40-100 mil anos atrás).
De qualquer forma, não há provas de que começar a comer alimentos cozidos foi prejudicial para nós – muito pelo contrário, se ponderarmos relatos imparciais que os humanos estão fazendo muito bem em comparação com os nossos parentes macacos que comem alimentos crus. O atual movimento crudívoro é um desdobramento do movimento vegetariano, e comer cru é por vezes considerado o “próximo nível dietético”. Onde exatamente essa progressão pode levar não está realmente claro. “Respiratorianismo” talvez? De qualquer forma, pode ser instrutivo olhar para um assunto do movimento crudívoro – enzimas alimentares.
O conceito de enzima alimentar pode ser resumido da seguinte forma: As células vivas contêm enzimas que mediam todas as atividades dentro da célula. Alimentos crus, incluindo aqueles que foram aquecidos, mas não acima de uma temperatura crítica (essa temperatura varia de autor para autor) mantêm suas enzimas intactas. Estas enzimas ativas, obtidas a partir de alimentos crus, são um componente essencial da nossa dieta. Ao consumir alimentos que contêm enzimas ativas, nós conservamos nosso próprio suprimento de enzimas que pode então ser utilizado para funções celulares importantes, em vez da digestão.
As enzimas alimentares podem também ser absorvidas, redistribuídas e usadas em todo o corpo. Há quase uma importância de qualidade mística atribuída às enzimas. Dizem que elas contêm “a vida e a força”, e isso é destruído pelo cozimento (ou seja, pelo calor). É por isso que as dietas de alimentos crus também são chamadas de dietas de “comida viva”. Infelizmente, não há mérito para esse conceito, e como qualquer reflexivo estudante de biologia do ensino médio poderia provar, de forma alguma enzimas ativas em alimentos poderiam ser um componente dietético essencial.
O conceito de enzima alimentar começa com uma importante observação sobre a bioquímica das células vivas; o papel central das enzimas na mediação das reações bioquímicas. Por enquanto, tudo bem; mas um fato crucial sobre as enzimas é encoberto nesse argumento – as enzimas são MUITO específicas. Existem milhares de enzimas diferentes em uma típica célula, cada uma mediando uma reação bioquímica específica. Enzimas são proteínas, muitas vezes trabalhando em conjunto com íons de metal e cofatores. Proteínas são feitas de longas cadeias de cerca de 20 aminoácidos diferentes que estão dispostos em uma ordem específica. Essa ordem é ditada pela sequência de DNA que codifica a proteína.
A atividade das enzimas específicas é regulada pela produção de proteína quando necessária e pela complexa interação de enzimas que regulam as atividades de outras enzimas. O fato importante é que as enzimas não são intercambiáveis. Especificamente, enzimas de alimentos, não importando quão ativas, seriam inúteis para nós como enzimas porque elas foram produzidas para mediar as atividades das células na planta (ou nos animais) que se tornaram nossos alimentos. Enzimas necessárias para produzir um broto de grama de trigo são muito diferentes daquelas necessárias para produzir células de sangue vermelho.
Em qualquer caso, enzimas e outras proteínas estruturais não passam intactas por nosso sistema digestivo. Todo o propósito do sistema digestivo é quebrar macromoléculas para os seus componentes por absorção. As proteínas são quebradas em aminoácidos, amidos se convertem em açúcares e lipídios em ácidos graxos. Esses componentes são então transportados para as nossas células para se tornarem os blocos de construção das proteínas (incluindo enzimas), carboidratos e lipídios que requeremos em nossas células. Isso é biologia muito básica.
Além disso, não há nada místico sobre as enzimas. Algumas operam em altas temperaturas, e outras preferencialmente em baixas temperaturas. Algumas em pH alto, outras em Ph baixo. Algumas são muito instáveis e vão quebrar rapidamente enquanto outras (como a lisozima) podem ser fervidas em ácido e, em seguida, funcionam muito bem (na verdade é assim que os pesquisadores purificam a lisozima). Estas diferenças funcionais são resultado de pressões evolutivas específicas ao longo de períodos de tempo. Agora chega de enzimas.
Para ser perfeitamente claro, não há nada de errado com alimentos crus. Frutas frescas e vegetais são excelentes fontes de muitos nutrientes e até mesmo os guias nutricionais mais conservadores promovem o seu consumo. Por outro lado, cozinhar não deve ser considerado um pecado. Cozinhar destrói alguns nutrientes, mas torna outros mais disponíveis. Também garante uma ampla variedade de alimentos comestíveis que são quase inúteis como alimentos. Os seres humanos se saíram muito bem seguindo uma dieta baseada na mistura de alimentos crus e cozidos. Então, por que as pessoas são atraídas por dietas extremas, como a dieta crudívora ou a dieta paleolítica?
Parte é a mentalidade do “Retorno ao Éden”, delineada acima: soluções simples para problemas complexos. Testemunhos são outro fator poderoso para convencer as pessoas a mudarem suas dietas. Eles geralmente envolvem curas milagrosas de doenças graves e potencialmente fatais. E se alguém diz que estavam perto da morte e uma certa dieta os curou, outros tomam nota. Dessa forma, essas dietas assumem um caráter quase religioso e os seguidores desenvolvem um tipo de fé e fervor. Testemunhos não são provas científicas, no entanto, e as pessoas que promovem dietas completamente diferentes, muitas vezes apresentam depoimentos que são virtualmente intercambiáveis (talvez qualquer mudança de uma dieta de coca-cola e “junk food” seja uma boa mudança em potencial).
Se metade de um por cento das pessoas que tentam uma determinada dieta têm uma melhoria acentuada na saúde e os outros não mostram alterações (ou poucas), isso não é realmente um grande endosso (e as melhorias podem ter ocorrido por acaso). No entanto, se cinco mil pessoas tentarem essa dieta, ainda haverá 25 testemunhos impressionantes soando por aí. Para muitas pessoas em dietas extremas, comida torna-se uma obsessão. Um autor cunhou um termo para obsessão na busca por uma dieta perfeitamente saudável: “ortorexia nervosa”.
Isso não é para sugerir que a alimentação saudável é um distúrbio, mas que algumas pessoas em um esforço para encontrar uma dieta que seja uma combinação de promoção de saúde e pureza perfeita podem desviar-se para o caminho do transtorno alimentar. Nenhuma dieta permitirá que você viva para sempre – nossos primos símios certamente não. Por toda a nossa impureza alimentar, em média, superamos os chimpanzés por décadas.
O que tudo isso significa para vegetarianos e veganos? Essas dietas são naturais? Eu argumentaria que os humanos não têm uma dieta natural. Nós evoluímos seguindo uma ampla variedade de dietas contendo alimentos de origem vegetal e animal. Poderíamos gastar tempo e energia tentando descobrir o que eram, mas isso só nos diria por onde passamos, não onde estamos.
Realmente não sabemos quão saudáveis nossos ancestrais eram ou por quanto tempo viveram, de qualquer forma. Podemos ter certeza de que eles sobreviveram, é claro; de outra forma não estaríamos aqui. No entanto, como seres humanos modernos nas sociedades industriais ocidentais (ou qualquer sociedade contemporânea), queremos saber quais opções de alimentos e estilo de vida fornecem a melhor chance de uma vida longa e saudável aqui e agora. Há muita evidência científica que mostra que as dietas vegetarianas e veganas são tão potencialmente saudáveis quanto as dietas mistas. Não há razão para vegetarianos e veganos éticos sacrificarem suas éticas e alterarem seus hábitos de consumo para que suas dietas pareçam mais “naturais”.
Na verdade, pode-se argumentar que nenhuma dieta consistindo de alimentos hoje seja natural – e isso não é necessariamente uma coisa ruim. Nos últimos dez mil anos, não apenas houve uma mudança em relação ao tipo de alimento que comemos como também em relação aos próprios alimentos. Alguém do período paleolítico não reconheceria a maioria das frutas e legumes nos supermercados. Seleção artificial (pessoas escolhendo apenas certas sementes, geralmente das melhores plantas a serem semeadas no ano seguinte) tem produzido alimentos com menos fibras, mais doces e maiores que seus parentes naturais.
Eles também são selecionados por conterem menores quantidades de compostos que as plantas produzem para repelir herbívoros, como taninos, alcaloides e oxalatos. Lembre-se, é apenas no mito do Jardim do Éden que as plantas são criadas para o nosso benefício. No mundo real, as plantas normalmente não “querem” ser comidas e evoluíram todos os tipos de defesas. Nossa seleção qualitativa de alimentos (estou me referindo a alimentos integrais, não processados) pode não ser realmente “natural”, mas provavelmente é melhor do que em qualquer ponto do passado.
No entanto, é importante que veganos e vegetarianos não ignorem o potencial problema da deficiência de vitaminas e outros nutrientes sob a falsa suposição de que suas dietas são “naturais” e, portanto, perfeitas – uma noção comum em minha experiência. No mesmo filão, embora na direção oposta, é curioso perceber como a comunidade dietética tradicional sempre aponta a falta de vitamina B12 como um problema em uma dieta vegana – o que implica na ideia de que sem suplementos há uma dieta inerentemente deficiente e restritiva – faz isso enquanto ignora as muitas vitaminas e suplementos minerais adicionados aos alimentos comuns (iodo em sal, vitamina B em grãos, vitamina D no leite, cálcio em muitos alimentos, etc).
Fazer essas importantes adições tornam as “padronizadas” dietas mistas inerentemente deficientes e restritivas? Deficiência de certos nutrientes podem ter sido uma característica comum da existência ao longo da evolução humana, ou pode ser o resultado de mudanças muito recentes nas tecnologias de processamentos de alimentos e estilo de vida – e até mesmo ambos.
Em qualquer caso, as dietas vegetarianas e veganas não devem ser apontadas como exclusivas em relação a isso, mas vegetarianos e veganos não devem ser complacentes nesse sentido. Arrogância dietética e mitologia antiga não têm lugar na política alimentar moderna e na nutrição. Nem pressões de produtores e indústrias específicas de alimentos. Precisamos olhar, de maneira imparcial, quais regimes dietéticos promovem vidas saudáveis para as pessoas de acordo com suas opções de alimentos e estilo de vida. Financiadas por entidades que buscam uma resposta específica, muitas pesquisas nutricionais procuram respostas que são muito limitadas para responder questões maiores.
Inquéritos mais abrangentes que buscam abordar relações mais amplas entre longevidade, doença e dieta podem fornecer algumas respostas, e esta certamente é a melhor maneira de proceder. Nenhuma dieta jamais fornecerá uma vida potencialmente infinita, mitológica e 100% livre de doenças. Contudo, dietas vegetarianas e veganas podem proporcionar uma vida inteira de nutrição saudável.
Tradução: David Arioch
Referência
Sapontzis, Steve. Collura, Randall. What is our natural diet and should we really care? Food for Thought: The Debate Over Eating Meat. Prometheus Books (2004).
Lori Gruen: “Os animais devem ter direitos?”
“O fato é que nos concentrarmos na quantidade de animais que são parecidos conosco nos obriga a assimilá-los em nossa estrutura orientada ao ser humano”
Lori Gruen é uma professora de filosofia e escritora que nas últimas décadas tem se dedicado à ética animal. Em 1987, ela coescreveu o livro “Animal Liberation”: A Graphic Guide”, em parceria com Peter Singer e David Hine; depois vieram outros. Atualmente ela coordena estudos ambientais e animais na Wesleyan University, de Connecticut. Lori já contribuiu com outros importantes nomes na discussão sobre os direitos animais nos Estados Unidos, como Raymond Frey, Steve Sapontzis e Marc Bekoff.
Em 2014, levando em conta a controvérsia sobre um caso do Nonhuman Rights Project, que defendia os direitos de quatro chimpanzés que viviam em Nova York, buscando reconhecê-los como indivíduos, Lori Gruen escreveu um artigo intitulado “Should animals have rights?”, ou seja, “Animais devem ter direitos?”, que mesmo após alguns anos ainda propõe uma discussão cada vez mais atual.
De acordo com a professora de filosofia, o debate sobre direitos a animais não humanos sempre vem acompanhado de “piadas” por parte de quem considera um absurdo que outros animais tenham direitos. Por outro lado, há também muitos seres humanos que consideram a resposta para essa questão como bastante óbvia, apontando que é claro que eles devem ter direitos morais. “Afinal, somos animais e muitos de nós amamos, apreciamos e respeitamos não humanos, então por que eles não têm direitos? Não acho a questão totalmente absurda, mas tenho uma preocupação quando falamos em ‘direitos’”, destaca.
A questão é que quando fala-se em atribuição de direitos não se pode esquecer que essas atribuições são feitas por aqueles que estão no poder, ou seja, no comando dessas decisões. Sendo assim, dar ou não direito a alguém vai depender sempre da assimilação que é feita em relação ao assunto. Para Lori Gruen, os argumentos para incluir mais do que seres humanos nas deliberações éticas que podem qualificar outros animais como portadores de direitos dependem sempre de uma preocupação ética que não pode se restringir a quem ocupa o centro moral. Ou seja, o ser humano, neste caso, pode reconhecer direitos que não são os seus se for capaz de observar o outro fora de um escopo de conveniência, com uma percepção amplamente moral e ética.
“Historicamente, nos Estados unidos e na Europa, por exemplo, temos visto homens brancos e cristão estendendo direitos a homens não cristãos e não brancos, e depois às mulheres. À medida que o círculo de detentores de direitos cresce, o ideal é que toda a humanidade seja incluída independente de raça, nacionalidade ou expressão de gênero”, destaca. Porém, Lori faz a seguinte pergunta: “Se podemos ir além da nossa espécie, por que não fazer isso?”, em referência ao preconceito baseado em espécie.
A professora de filosofia cita estudiosos e ativistas que têm tentado combater o que é alternativamente chamado de “especismo”, “humanormatividade” e “excepcionalismo humano”. De que forma isso tem sido feito? Um método bastante usual é a apresentação de trabalhos empíricos que provam que há outros animais que são realmente semelhantes a nós e, portanto, merecem direitos. Pesquisas etiológicas e cognitivas que endossam nossas semelhanças com outras espécies facilitam a aceitação de outros animais em nosso círculo moral por meio do reconhecimento de que eles também possuem características que admiramos em nós, logo atribuímos valor. Assim surge a defesa de que devemos valorizar e admirar aquelas qualidades independente do corpo que as transportam.
Hoje em dia, não são raras as pesquisas que mostram que muitos outros animais têm ricas relações sociais; sacrificam a própria segurança para ficarem próximos de seus familiares doentes ou feridos. Há muitos seres não humanos que se preocupam em não deixar os seus desamparados, mesmo diante da morte.
“Eles ficam enlutados, têm respostas ao estado emocional dos outros, se envolvem em comportamentos regidos por normas, são capazes de manipular e enganar, compreendem representações simbólicas e transmitem cultura”, cita Lori Gruen. De acordo com o artigo “Os Animais Devem Ter Direitos?”, pesquisas com chimpanzés e bonobos sugerem que eles têm um sendo distinto de si mesmos, e se entendem como alguém com interesses que se estendem ao longo do tempo. Essa capacidade de se reconhecer como alguém com um passado e um futuro foi definida há muito tempo por John Locke como as características que caracterizam alguém como uma pessoa.
Lori exemplifica que no sistema legal os chimpanzés não são considerados pessoas, assim como nenhum outro animal; logo não são reconhecidos como portadores de direitos. Em vez disso, são classificados como propriedades. O próprio sistema jurídico facilita essa atribuição, já que legalmente só contamos com duas categorias para distinção entre seres. Ou seja, pessoa ou propriedade. “É compreensível em um contexto legal que, como os chimpanzés possuem capacidades semelhantes às pessoas humanas, eles devem ter certos direitos”, defende. Em linhas gerais, a autora define os direitos como reivindicações que fazemos uns aos outros para garantirmos que não sejamos prejudicados ou violados:
“O nosso sistema legal pode ser estruturado de forma a vermos os detentores de direitos em desacordo uns com os outros, mas essa é uma visão bastante sombria de como interagimos uns com os outros em nossas comunidades. Na verdade, esse quadro, no qual temos que nos proteger dos outros, pode servir para reforçar uma visão relativamente obscura de nossos relacionamentos uns com os outros e com os animais. Acabamos focados no que podemos extrair uns dos outros ou como podemos proteger o que temos, ao invés de nos concentrarmos em como podemos trabalhar juntos para melhorar a vida uns dos outros.”
A prioridade deveria ser o que devemos não apenas aos nossos semelhantes, mas também aos outros animais. Se a preocupação central fosse essa, colocaríamos em evidência as nossas relações não estritamente humanas e poderíamos obter melhores resultados no que diz respeito à vida em sociedade e a maneira como interagimos com outras espécies. Com esse pensamento, teríamos mais chances de desenvolver preocupações éticas que envolvem, de fato, o nosso papel enquanto seres conscientes e racionais que promovem ou dificultam o verdadeiro bem-estar dos animais.
Lori aponta que quase todas as nossas ações e decisões afetam outros animais de diversas maneiras: “Se eles vivem ou morrem, se suas descendências têm algum futuro, se os seus habitats continuarão a existir, depende do que compramos, do que comemos e em quem votamos. Ninguém quer estar em um relacionamento ‘ruim’, então pensar sobre a maneira como nos relacionamos com outros animais e o que devemos a eles pode ajudar a melhorar essa relação. A abordagem dos direitos também tende a valorizar semelhanças e ignorar diferenças importantes que podem nos ajudar a repensar sobre quem é valioso e por quê.”
A professora de filosofia crê que quando nos limitamos a procurar semelhanças, no que diz respeito à Inteligência ou habilidades cognitivas, incorremos no erro de obscurecer aspectos distintamente valiosos da vida daqueles que nos são diferentes. Então ela questiona o que isso significa para os animais, seres humanos e não humanos, que são menos inteligentes ou cujas capacidades cognitivas são completamente diferentes das nossas.
O fato é que nos concentrarmos na quantidade de animais que são parecidos conosco nos obriga a assimilá-los em nossa estrutura orientada ao ser humano. Ou seja, concedemos consideração com base no que acreditamos que eles compartilham conosco. Consequentemente, ignorando o que faz de fato suas vidas serem significativas e valiosas por suas próprias razões. Segundo Lori Gruen, por meio do nosso olhar orientado para humanos, reconfiguramos um dualismo ou, na melhor das hipóteses, uma hierarquia que, inevitavelmente, encontrará um “outro” para excluir ou marginalizar. Ou seja, normalmente aqueles que são realmente diferentes dos que qualificamos como “fisicamente e mentalmente aptos”.
Há que se ter sempre um cuidado em relação à concepção de “direitos”, porque às vezes quando julgamos estarmos construindo algo podemos estar beneficiando alguns enquanto rejeitamos muitos outros: “[…] Podemos considerar o que é ser um chimpanzé, uma galinha ou uma criança com uma deficiência cognitiva em suas relações únicas com os outros. Ao imaginar seus mundos a partir de suas perspectivas, podemos ver que o bem-estar geral pode ser promovido de diferentes formas, mas o bem-estar de um não é menos valioso do que o de outro apenas porque são diferentes.”
Saiba Mais
Lori Gruen se dedica à teoria à prática ética como foco particular em questões que envolvem animais humanos e também animais não humanos. Ela já publicou livros sobre a questão animal e o ecofeminismo. Em 1994, lançou o livro “Reflecting On Nature: Readings in Environmental Ethics and Philosophy”, em parceria com Dale Jamieson; “Ethics and Animals: An Introduction”, de 2011; “The Ethics of Captivity”, de 2014; e “Entangled Empathy: An Alternative Ethic for Our Relationships with Animals”, de 2015; além de outros.
Referência