David Arioch – Jornalismo Cultural

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O dilema do chouriço

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Fotos: Jo-Anne McArthur/Deli Portugal

Alexandre Dumas escreveu no “Grand Dictionnaire de Cuisine”, de 1873, que o chouriço de porco tem, em todo o caso, todas as más qualidades desse animal, e a maneira como é preparado o torna ainda mais indigesto. Permita-me discordar. Creio que o chouriço carrega a tradição sedimentada na centelha da barbárie, e esta não diz respeito às “péssimas qualidades” do suíno, mas sim do ser humano, embora isso não signifique que o faça amiúde conscienciosamente.

E a indigestão talvez seja conchavo da ferocidade e da teimosia projetando franca manifestação. Esqueça! Deixe me perguntar. Você já foi a uma pequena fábrica de chouriço? Ah! Normalmente o animal não é seviciado, morto e destrinchado tão distante do local onde se prepara o embutido – uma iguaria à base de gordura, sangue e pedaços de carne temperados com uma pequena diversidade vegetal. Vísceras! Vísceras! Entranhas! Cabidelas! Sortidas! Fornidas! Envolvidas…Tudo aquilo que nos enoja em seu estado natural, cruento, porém honesto.

Não parece-te um ritual? O sangue como elemento axial; aquele sangue soalheiro que verte como calor de água termal e torrente de bica de mina – sem igual. A tradição diz que é mais saborido quando colhido enquanto o animal respira, barafusta-se, agoniza e luta pela vida no tenro desconhecimento da impossibilidade. Quiçá, entrementes perguntaste: “Por que então me alimentaste? Me abraçaste? Deste-me um nome? O que fui para ti?” Pobre animal, nunca imaginou que a mão que afaga é a mão que apaga. Quem se importa? Quem come, pretere, omite, anui? Hã? Será? Veras?

Se o porco for morto sobre a mesma mesa em que o chouriço é preparado? Sem dúvida, sabor sui generis! “Tremendo!”, berram os lambe-beiços. Imagine só. Lanham as tripas do porco para embalá-lo em novas ou velhas tripas – orbiculares, unímodas. Talvez dele mesmo, talvez d’outros. Ou talvez artificiais caso o freguês não queira ter contato nu-a-nu com as “tripas” da vítima. Ah, alegórica sensibilidade…Claro, pelo menos não manualmente, no rostir de dedos. Já garganta abaixo é outra história, pois não?

 

 





 

Você já colocou a mão dentro da boca de um porco criado para consumo?

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Fotos: Reprodução

Você já colocou a mão dentro da boca de um porco criado para consumo? Se fizer isso, você pode perceber um leve aclive. Isto porque normalmente os dentes dos leitões são removidos, serrados ou desbastados precocemente. Sim, eles nascem com oito dentes, e alguns são extraídos e outros encurtados rente à gengiva porque segundo normas industriais isso pode colocar em risco o próprio animal, a mãe durante o processo de amamentação e mais tarde aqueles com quem ele convive.

Mas se esses dentes são inúteis ou nocivos porque eles nascem com eles? Por que durante milhares de anos ninguém se preocupou em remover os dentes dos porcos selvagens? Basicamente, isso não faz muito sentido fora de uma contextualização mercadológica. Porcos não são animais estúpidos. Na realidade, eles são mais inteligentes do que cães. A verdade é que muitas vezes os dentes são removidos simplesmente porque, em algum momento, os animais podem enlouquecer e consequentemente agredirem uns aos outros, chegando até mesmo a praticar canibalismo.

Sejamos honestos, se uma pessoa vai se alimentar de porcos não vejo problema nenhum em divulgar tal informação. Que sejamos responsáveis por aquilo que consumimos, mesmo que isso signifique arrancar dentes de animais dóceis, sem anestesia e talvez até usando alicates. Então quando alguém compra bacon, pernil, bisteca, copa-lombo, pancetta, ossobuco, maminha, costela, entre outras partes, sim, está a financiar tais ações. Ademais, sabemos que a verdade é que a maioria não se preocupa, de fato, com a origem do que consome.





 

Written by David Arioch

February 6th, 2018 at 5:26 pm

Sobre a linguiça suína

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Pintura: “Transform”, da artista alemã Atan.

Petrônio registrou na obra clássica “Satíricon”, escrita por volta do ano 60:
 
“O cozinheiro colocou o avental, pegou a faca e com a mão trêmula deu vários cortes na barriga do animal [do porco].” Esse até hoje é o processo mais tradicional de fabricação da linguiça suína, que nada mais é do que um misto de carne e gordura moída de diferentes partes do porco (dependendo do tipo). Claro, cheias de sódio, entre outros químicos que neutralizam o sabor natural, forte e besuntado da carne do inocente suíno; e normalmente embalada com as tripas do próprio animal.