Archive for the ‘T.S. Eliot’ tag
Virginia Woolf e a improvável amizade com T.S. Eliot
À época, Virginia e o marido se recusaram a publicar Ulysses, de James Joyce
“Acabo de terminar de formatar o conjunto do poema do Sr. Eliots [sic] com minhas próprias mãos. Veja como elas tremem”, escreveu a escritora britânica Virginia Woolf em 8 de julho de 1923, em carta endereçada a uma amiga. Ela se referia à finalização da versão britânica do poema modernista The Waste Land, do estadunidense T.S. Eliot, considerado um dos melhores do século 20.
Os tremores de Virginia, que à época tinha 41 anos, foram provocados pela exaustão causada pela dedicação em tempo integral a Hogarth Press, editora que ela fundou com o marido Leonard Woolf em Londres em 1917. O que é até curioso levando em conta que Virginia quis fundar uma editora como hobby, uma forma de ocupar o tempo no período da tarde e ajudá-la a lidar com a depressão. Também era um meio de dar uma oportunidade a novos escritores.
Mesmo que todos os livros da Hogarth não tenham passado pelas mãos dos Woolf, a verdade é que a popularidade de Virginia e sua editora cresceu tanto que logo sua casa ficou muito movimentada e seu tempo dedicado à escrita foi preenchido completamente.
A prensa era operada na despensa da residência enquanto os livros eram encadernados na sala de jantar. A sala de estar era usada na realização de entrevistas com escritores, encadernadores e operadores de prensa, de acordo com a autobiografia de Leonard Woolf publicada em 1967.
Em 1923, o trabalho da editora foi qualificado pelo marido de Virginia como uma tentativa de fazer o impossível. E assim eles assumiram o compromisso de não abandonar a Hogarth Press nem vendê-la. No entanto, Virginia foi se desinteressando pelo trabalho até que em 1938 ela vendeu sua parte na sociedade. Leonard ainda continuou trabalhando como gerente de negócios até 1946, ano em que a Hogarth Press se tornou associada da Chatto & Windus, uma das mais importantes editoras britânicas da era vitoriana.
Embora tenham recusado a publicação de Ulysses, de James Joyce em 1918, o casal Woolf publicou nomes como Vita Sacksville-West, John Maynard Keynes, Robert Graves, Katherine Mansfield, Clive Bell, C. Day Lewis, E.M. Forster e Christopher Isherwood. Todos os escritores tornavam-se amigos deles, inclusive o genioso T.S. Eliot, com quem Virginia, que também era uma autora de personalidade recheada de ambiguidades, teve momentos conflituosos.
A Hogarth Press publicou pela primeira vez um trabalho de Eliot em 1919, e o mais intrigante é que um diário de Virginia com data de agosto do mesmo ano trouxe interessantes informações registradas após um jantar. Nele, ela declara que ainda não via o poeta estadunidense como um amigo, mas se divertia ao notar como ele era perspicaz e fazia questão de demonstrar que não gostava dela.
A intimidade do casal com T.S. Eliot só evoluiu no início dos anos 1920, quando o poeta deixou de ser pomposo e pedante, segundo Leonard Woolf. Um dia, caminhando pelo jardim da casa dos Woolf, Leonard se afastou deles para ir ao banheiro. Quando retornou, encontrou Eliot constrangido e chocado. Acostumado às convenções e formalidades, o autor nunca se viu numa situação como aquela. “Tom disse que nunca seria capaz nem de se barbear na presença da própria esposa”, escreveu Leonard Woolf em sua autobiografia.
Por outro lado, Virginia registrou em seu diário que Eliot não mostrou a menor inibição quando pediram para que ele declamasse a segunda parte de The Waste Land ao final de um jantar. E assim ele o fez:
Que hei de fazer agora? Que hei de fazer?
Vou sair tal como estou, e andar pela rua
Com o cabelo solto, assim. Que havemos de fazer amanhã?
Que havemos de fazer alguma vez?
A água quente às dez.
E se chover, um carro coberto às quatro.
E jogaremos uma partida de xadrez,
A apertar olhos sem pálpebras e à espera que batam à porta.
Referências
http://www.todayinliterature.com/
Woolf, Leonard. Downhill all the way: an autobiography of the years 1919–1939 (1st American ed.). New York: Harcourt, Brace & World (1967).
Bell, Quentin. Virginia Woolf: A Biography. Rev. ed. New York: Harcourt Brace Jovanovich (1996).
T.S. Eliot. The Waste Land (1922) (Norton Critical Editions) 1st Edition (2000).
Um grande artista nem sempre é um bom exemplo de ser humano
Há inclusive aqueles que foram considerados artistas de caráter duvidoso
É comum alguém acreditar que um grande artista é um bom exemplo de ser humano, até mesmo uma pessoa perfeita, mas é importante ter em mente que isso não condiz com a realidade. Exemplos nunca faltam. Há inclusive aqueles que foram considerados por alguns como seres humanos de caráter duvidoso e que entraram para a história da arte como verdadeiros gênios, como é o caso do compositor alemão Richard Wagner, cujo antissemitismo dizem que chegou a ponto dele declarar que judeus são incapazes de produzir arte. Apesar disso, alguns estudiosos de sua obra dizem que ele tinha alguns amigos judeus.
O maestro judeu Daniel Barenboim, o maior intérprete da música de Wagner, chegou a fazer releituras das obras do compositor alemão em Israel e justificou que o germânico poderia ser repreendido, mas não sua música. “Ele não compôs uma única nota antissemita”, declarou quando questionado sobre o assunto. A explicação se sustenta até mesmo na ponderação de que bondade e maldade enquanto características pessoais são qualidades morais que não se aplicam à arte, principalmente do ponto de vista estético.
O editor do New York Times e crítico literário Charles McGrath defende que uma pessoa, independente de moralidade ou caráter, pode não apenas escrever um bom romance ou pintar uma bela tela como suavizar ou externalizar um grande infortúnio. “Pense em Guernica, de Picasso, ou Lolita, de Nabokov. É um romance excepcional sobre o abuso sexual de uma menor e descrito de uma maneira que faz com que o protagonista pareça quase simpático”, argumenta.
Degas, até hoje cultuado pelo seu perfil fervorosamente humanista, era antissemita e um defensor do tribunal francês que condenou o capitão Alfred Dreyfus, do exército francês, falsamente acusado de traição. Ezra Pound, expoente do modernismo, também era antissemita e protofascista, posições que ele assumia sem receio, embora a maioria não levasse a sério suas declarações sobre o assunto por considerá-lo excêntrico e até mesmo louco.
E na mesma esteira seguia seu amigo T.S. Eliot, da Igreja Anglicana, poeta que se orgulhava de uma posição ideológica muito próxima a de Pound. Já Picasso, sempre chamou a atenção pelos seus relacionamentos conturbados. Das sete mulheres com quem se envolveu amorosamente, duas cometeram suicídio e outras duas enlouqueceram.
Outro pintor com uma história de vida intrigante é o alemão Walter Sickert, referência da pintura avant-garde britânica. A escritora norte-americana Patricia Cornwell publicou um livro em que acusa Sickert de ser o famoso Jack O Estripador. Norman Mailer, duas vezes vencedor do Prêmio Pulitzer, tentou assassinar a esposa.
O pintor Caravaggio e o poeta e dramaturgo Ben Jonson participaram de duelos em que mataram seus adversários sem o menor remorso. E a lista segue extensa. Genet era ladrão, Rimbaud foi traficante de armas e Byron praticou incesto. Flaubert também se envolveu em um escândalo por pagar por sexo com garotos, sim, menores. “A base de toda grande obra de arte é uma pilha de barbárie”, escreveu uma vez o crítico literário alemão Walter Benjamin.
Apesar disso, a arte consegue perseverar como enobrecedora porque ela inspira e transporta o leitor ou espectador. “Ela refina nossas discriminações, amplia a nossa compreensão e simpatia. Se ela faz isso conosco, imagine o que ela não é capaz de fazer com seus autores? Nos apegamos a essas noções porque cremos que a arte nos leva à evolução moral”, enfatiza McGrath.
Questionado se bons exemplos também fazem boa arte, o editor do New York Times responde que há muitos bons artistas que são decentes ou moralmente íntegros. Ou seja, que não são racistas, não batem em suas esposas, não ignoram suas famílias, não praticam injúrias nem mesmo sonegam impostos. “O artista é alguém vinculado à sua própria lei. Ele acaba por ser até mesmo egoísta, mas em muitas situações porque precisa. Grandes artistas tendem a viver para sua arte mais do que para os outros”, declara.
A afirmação de McGrath pode ser facilmente comprovada se avaliarmos as biografias de artistas como Fitzgerald, Faulkner, Bellow, Yates e Agee, homens que tiveram casamentos desfeitos, filhos negligenciados e pouco amados. E será que a arte vale a infelicidade dos mais próximos? Hemingway se casou quatro vezes e teve dois filhos problemáticos.
Quando Gregory completou 21 anos, ele escreveu uma carta ao pai dizendo como ele destruiu sua vida e a de outros quatro familiares. Depois de se tornar uma transexual alcoólatra em Miami, Gregory morreu em uma penitenciária feminina. Outros agravantes eram o perfil mulherengo de Hemingway e suas constantes bebedeiras. Além disso, sempre se importou mais em escrever do que em cuidar da família.
Assim que se casou com Catherine Hogarth, Charles Dickens, um dos mais famosos romancistas ingleses, prometeu que seria um pai e marido exemplar, levando em conta a própria infância miserável, acentuada pela ausência da figura paterna. No entanto, fez tudo diferente. Foi um pai desleixado e péssimo marido. Irritado ao ver que a cada gravidez a sua esposa ficava mais gorda e doente, Dickens se tornou um sujeito amargo.
“Ele expulsou a própria esposa de casa e anunciou em sua revista que fez isso porque ela era uma mãe tão irresponsável que nem os filhos a suportavam. Mais tarde, despachou o filho Edward, de 16 anos, para a Austrália e nunca mais o viu novamente. Dickens morreu sob o domínio completo da arte, uma arte cruel que exige de seus praticantes uma desumana servidão”, avalia Charles McGrath.
Referência
McGrath, Charles. Good Art, Bad People, The New York Times, The Opinion Pages, Global Agenda, Genius At Work. 22/06/2012.