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Diante do semáforo
De manhã, diante do semáforo, ao meu lado havia um fusquinha bege bem conservado. Ao volante, um senhorzinho já bem idoso. Enquanto o sinal não esverdeava, ele levantou a pequena mão da esposa e a beijou delicadamente. Ela sorriu e ajeitou a gola da blusa dele. Quando o sinal ficou verde, o fusquinha seguiu o seu caminho, sem pressa, ignorando as ultrapassagens. Naquele momento, pensei: “Realmente, nós que fazemos a velocidade da vida; nos entorpecemos ou nos sublimamos com ela.”
Congelando o tempo no âmago da vida
Ninguém escapa do tempo, mas o ser humano tem a seu favor a jovialidade espiritual
Quando se fala de velhice, os mais jovens ficam despreocupados, pois ainda estão desfrutando dos prazeres propiciados pela jovialidade. Já quem tem idade avançada começa a se preocupar com os traços do tempo que afetam o perfil estético. A consequência é que muitas pessoas passam a encarar a vida com uma visão pessimista envolta por piedade, medo e constrangimento; uma nebulosidade que começa a transcender.
Enquanto alguns acreditam que a temporalidade é um grande inimigo para quem não quer envelhecer, outros preferem aceitá-la, defendendo que é a melhor forma de encarar a vida de forma saudável. Pessoas assim creem que ninguém deve preocupar-se, sequer com o tempo, porque isso pode impedi-lo de aproveitar a vida.
Um exemplo de quem optou por viver sem grandes preocupações é o escritor belorizontino João de Freitas, 50, que escreveu o livro “A fonte da juventude” que traça um paralelo entre tempo, idade e saúde. “Nunca fiquei pensando que daqui a tantas décadas vou estar velhinho. Procuro agir da forma que acho mais adequada para minhas energias não se esgotarem rápido”, diz.
A fonte da juventude tem origem mitológica e explica que Júpiter, o deus dos deuses, transformou a ninfa Juventa em uma fonte cuja água devolvia a mocidade. Mas Júpiter escondeu a fonte, e ninguém sabia onde a encontrar. Isso mostra que alguns mitos representam o sonho da humanidade de “driblar” um de seus maiores receios e ter controle sobre o que lhe foi imposto como fator da natureza.
Muitas pessoas já devem ter assistido algum filme ou lido algum livro que mostra uma mística fonte em que qualquer pessoa que beber daquela água vai ter a oportunidade de retardar o envelhecimento e assim manter-se jovem para sempre. Pois é, essa fonte ao certo a maioria não sabe se existe ou onde pode ser encontrada, mas especialistas afirmam que para envelhecer com saúde é preciso boa alimentação e prática regular de atividades físicas. Assim poderão trilhar o caminho da velhice “de mãos dadas com o tempo”.
Das mudanças físicas trazidas pela inexorabilidade do tempo ninguém escapa, mas o ser humano ainda possui a seu favor a tenaz vivacidade de manter a jovialidade espiritual. “Depois do trabalho chego em casa cansado, tomo banho e logo em seguida me sinto como se tivesse 50 anos, isso porque mantenho uma vida ativa, o trabalho faz com que eu me sinta assim”, explica o empreiteiro João Mariano, 80.
A temporalidade que pode fazer do homem jovem de hoje um ancião no futuro é o triunfo de quem consegue enxergar o lado positivo com o avanço da idade. “O indivíduo vai ganhando mais sabedoria. O conhecimento é o que podemos acumular de bom com o tempo. Se eu soubesse desde a infância tudo que sei hoje, poderia estar em posição muito mais vantajosa”, conta Freitas.
Em contraponto, o tempo traz a finitude, um dos grandes medos da humanidade, fazendo com que porventura cada um se agarre em explicações que para si pareçam as mais “plausíveis”. “Diante da certeza da morte, uns pensam em ressurreição, outros em reencarnação, e ainda há aqueles que acreditam na sobrevida à morte, cada ideia visa amenizar a grande certeza que temos, que um dia morreremos”, frisa o escritor.
O médico e escritor norte-americano Peter kelder fez um estudo sobre o assunto e lançou um livro em 1939 intitulado “A fonte da juventude”. Na obra, os princípios básicos para se envelhecer com saúde estão em rituais milenares tibetanos que mantêm o corpo em harmonia por meio de sete vórtices localizados no corpo humano, assim retardando o envelhecimento. Além disso, o autor explica que a boa alimentação por meio de alimentos naturais, e pouco variados, é de suma importância para se alcançar a longevidade.
Bons hábitos alimentares devem estar positivamente adequados ao organismo do indivíduo. É imprescindível para evitar problemas que surgem com o tempo. Apesar do empreiteiro de 80 anos nunca ter lido o livro de Peter kelder ou ter recebido recomendação médica, revela que come pouca carne vermelha, pois prefere carne branca como frango ou peixe, e evita ingerir refrigerantes, doces, enlatados e conservas.
Os cuidados com a saúde, envolvendo atividades físicas e alimentação, além da busca da paz espiritual, são algumas das formas encontradas pelo ser humano que tem o desejo de prolongar a vida em substituição da mitológica fonte da juventude que por enquanto ninguém sabe onde Júpiter escondeu, nem mesmo os cientistas. Mas para se chegar a terceira idade arraigado no âmago da vida basta cada um buscar a sua própria “fonte da juventude”, afastando-se dos preceitos determinados pela crescente cultura do comodismo que leva somente à displicência.
Música concebida pela vã temporalidade
A composição é um processo de construção e desconstrução temporal em que os autores se desdobram para conceber uma obra dialética
Não é de hoje que a música é considerada a arte que se desenvolve tendo o tempo como base de sustentáculo, o alicerce que delimita as congruências. Mas para pensar sobre a questão temporal deve-se levar em conta a concepção genuína da música. Uma obra originalmente concebida não é resultado da mera inspiração; pensar dessa forma significa distanciar-se da verdadeira concepção em relação à composição de uma música.
“Ninguém conseguiria produzir uma obra musical nas proporções de uma sinfonia de Beethoven, uma cantata de Bach ou até mesmo um pequeno prelúdio de Chopin somente com inspiração”, explica Rael Gimenes, professor de música da Universidade Estadual de Maringá (UEM). A composição musical vai muito além do indivíduo simplesmente ater-se ao instrumento e explorar os anseios determinados pelas suas influências, pois assim não estará realmente concebendo algo determinante para o meio.
Para o professor de música, a composição musical é resultado de um processo de discussão técnica e histórica. Uma tentativa de resolução de problemas que são gerados a partir da confrontação técnica e teórica com as crenças que cada sociedade possui sobre conceitos chaves como tempo, altura, duração, funcionamento da percepção, desenvolvimento físico-acústico dos instrumentos, entre outros tantos. Esses elementos servem para ilustrar o quanto pode ser complexa a construção musical. É um processo que envolve uma série de fatores, não somente o prazer de tocar um instrumento ou explorar o sincretismo construído num espaço variável de gostos musicais.
Neste momento, você pode estar se perguntando: qual a relação da fiel conceituação musical com o tempo? É justamente isso que determina a originalidade de uma composição, pois quando o indivíduo tem capacidade de compreender a temporalidade, ele deixa de ser um mero “repetidor de modelos” e começa a inserir novos elementos que depois poderão derrubar paradigmas. Além, claro, de prescrever musicalmente as determinações do processo histórico no qual a obra foi concebida.
O tempo cíclico marcou a história do tempo, ainda mais porque surgiu num contexto em que o relógio ainda não havia se desenvolvido, apesar de existir formas arcaicas de marcação temporal. “O tempo cíclico é medido pelos ciclos naturais, como cheias dos rios, a sucessão do dia e da noite, as estações do ano e quaisquer sinais da natureza que fossem importantes para auxiliar na sobrevivência dos indivíduos”, diz Gimenes.
A música ocidental no período que envolve o início da era cristã até o século XII ficou musicalmente conhecida em função do surgimento do canto gregoriano, caracterizado pela monodia (uníssono – única voz), o que significa que não possui nenhuma forma de divisão temporal baseada em pulso ou métrica. Resume-se a um corpo de cantores que cantam uma música no mesmo espaço temporal; período em que surge então a organização métrica-musical. “Baseava-se no ritmo da fala. Cantava-se da mesma forma que se lia”, conta o professor de música. A partir disso, percebia-se a influência que a maneira de pensar o tempo tinha, em relação com a organização do tempo na música.
A maior diferença musical determinada pelo tempo pode ser percebida se for levado em conta o canto gregoriano e compará-lo com outros diversos tipos de música. Enquanto a monodia não delimita uma estrutura que faz com que o sujeito perceba o final da música, em outros estilos a captação é mais simples, devido aos pulsos regulares, que faz com que facilmente identifiquemos o refrão e o final da música. “Nesse contexto, a música nasce em ciclos que não possuem inícios como os fenômenos da natureza que serviram de base para essa forma de pensar o mundo”, revela.
Depois surge o período polifônico, em que a música deixa de ser pensada como um elemento determinado por um instrumento para se tornar o principal resultado da junção de diversos instrumentos, além da presente vocalização. Com isso, temos uma sincronia de fluxo temporal. De acordo com Gimenes, o tempo foi subdividido em pequenas fatias de durações iguais.
É importante salientar que após tais fatos houve o desenvolvimento do relógio mecânico. Segundo Gimenes, o relógio mecânico surgiu por volta do ano de 1300 e se popularizou na Europa por volta do ano de 1450. O relógio é a materialização da resolução de um problema filosófico que estava em discussão desde o século XI com o início do desenvolvimento da polifonia. O tempo inserido nesse contexto é a seqüência de eventos que na música é determinada pela linearidade. É a ideia de previsibilidade em que a música surge em decorrência direta dessa maneira de pensar o tempo.
Rael Gimenes frisa que é uma sucessão de “agoras” que pode ser prevista por equações em que a música independe de qualquer fator. É desenvolvida dentro dos mesmos critérios que arraigadamente envolvem compositores do final da Renascença até o fim do século XIX. Dentre eles: Bach, Mozart, Händel, Beethoven, Haydn, Chopin, Liszt, Wagner, Brahms, Schubert e Schummann.
A música pode ser sintetizada como um processo de construção e desconstrução temporal em que os compositores se desdobram (dentro da sua gama de elementos pertinentes) para fazer emergir laconicamente uma obra dialética. Original e arbitrária, uma composição genial ultrapassa a inspiração e envolve muitas prescrições de fatores socioculturais, fazendo da música não somente mero resultado que possui em outra composição um exponencial. A obra inigualável e única traz à tona uma ruptura de paradigmas que harmoniosamente são determinados pela vã temporalidade.