David Arioch – Jornalismo Cultural

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Alegria e sofrimento na era de ouro do rádio

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Ephraim Machado: “A gente tocava tudo com motor e bateria de carro”

Machado: "Difícil era fazer o aparelho funcionar numa época sem energia elétrica" (Foto: Diário do Noroeste)

Machado: “Difícil era fazer o aparelho funcionar numa época sem energia elétrica” (Foto: Diário do Noroeste)

 O pioneiro e empresário Ephraim Marques Machado chegou a Paranavaí, no Noroeste Paranaense, em 1948, pouco tempo depois que seu pai, agente fiscal do Governo do Paraná, foi enviado para instalar a Coletoria Estadual. Admite que no primeiro momento não gostou do que viu na colônia, então retornou para Londrina, onde morava com o tio Odinot Machado, homenageado com um nome de rua em Paranavaí. “Fiquei lá uns seis meses e meu pai insistiu outra vez. Disse que estava muito bom aqui, então voltei”, relata.

A princípio, Machado iria apenas ajudar o pai, mas dois meses depois decidiu investir em um serviço de alto-falantes. “Eu já queria conquistar a minha independência”, conta o pioneiro que nasceu em Castro, na região de Ponta Grossa, no Centro Oriental Paranaense. No final de 1948, Ephraim circulava pela cidade com um microfone e uma caixa amplificadora. Até hoje, lembra como as “vozes saíam por cima”. A sede da modesta rede de comunicação de Machado ficava em frente à Banca do Wiegando, na Rua Marechal Cândido Rondon, de onde administrava os dez alto-falantes espalhados em pontos estratégicos da cidade.

Algumas caixas podiam ser vistas perto do antigo Terminal Rodoviário e outras onde é hoje a Academia Unimed, na Avenida Distrito Federal. Quando o pioneiro anunciava algo em uma caixa, a mesma mensagem era reproduzida em todas as outras. “Foi assim até 1956, quando coloquei a Rádio Cultura no ar, um trabalho iniciado em 1950. Contratava gente da cidade e de fora, o que aparecesse”, explica. A sede da emissora na Rua Getúlio Vargas no cruzamento com a Rua Minas Gerais, onde era a Loja Ipiranga, chegou a ter três andares, dois construídos por Machado e um por Luiz Ambrósio.

Como a maior parte da população não tinha televisor e o cinema abria as portas somente aos sábados e domingos, o pioneiro cativava a comunidade com os programas de auditório. “Sempre aproveitava para levar ao Aeroclube [atual tênis Clube – em frente ao Ginásio Lacerdinha] os artistas que se apresentavam na rádio. Então o povo tinha a chance de assistir shows do Jorge Goulart, Nora Ney, Mestre Sivuca, Orquestra Casino de Sevilla e muitos outros”, cita.

No começo, o empresário tinha uma equipe de oito profissionais. Do total, cinco eram locutores. Quem chefiava a redação era o jornalista Ivo Cardoso, mas as notícias eram apresentadas por Jackson Franzoni e Evaldo Galindo. Havia muitos colaboradores, o que fazia a diferença quando surgiam problemas técnicos. “O equipamento de transmissão não era tão caro. O difícil era fazer o aparelho funcionar numa época sem energia elétrica. A gente tocava a rádio com motor e bateria de carro. Tudo era grande, até o gravador”, destaca.

Os problemas de transmissão eram frequentes, pois nem sempre o gerador de energia funcionava como o esperado. Às vezes, a rádio ficava dias fora do ar, um sofrimento inevitável. “Quando surgiu a primeira instalação elétrica, tive que puxar uma fiação de mais de um quilômetro de distância. Começava em uma chácara pra lá da Avenida Tancredo Neves e tinha que trazer por trás da Igreja São Sebastião”, conta o homem que trouxe a Paranavaí os mais diversos tipos de geradores de energia. O melhor funcionou bem por apenas seis meses.

À direita, construção da primeira rádio do pioneiro (Foto: Toshikazu Takahashi)

À direita, construção da primeira rádio do pioneiro (Foto: Toshikazu Takahashi)

No Brasil da época, pouco se ouvia falar em equipamentos de qualidade. A solução era importar quase tudo, inclusive gravadores, um privilégio para poucas emissoras do Norte do Paraná. Certa vez, o pioneiro fez a transmissão de uma eleição de Mandaguari, de quem Paranavaí ainda era distrito. Na ocasião, pediu emprestado um cabo de comunicação da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP). Infelizmente, de Alto Paraná até Paranavaí não se ouvia praticamente nada por causa da chiadeira.

Ephraim Machado considera os anos 1950 e 1960 como os melhores do rádio local e regional. A justificativa é que naquele tempo o espectro não era tão carregado. “Depois de alguns anos, melhorou bem. Conseguíamos falar até com pessoas de Santa Isabel do Ivaí e Porto São José. Hoje, a rádio AM não atinge esses lugares com a mesma potência. Só se for FM. Há muita interferência de sinais de TV, comunicação amadora, etc. Não temos mais o espectro livre”, frisa. Até o final da década de 1950, pelo menos 50% da população de Paranavaí já possuía um aparelho de rádio em casa.

Para Machado, o rádio começou a se popularizar no Brasil em 1942 e só em 1954 deu um grande salto, liderando a comunicação de massa no país. A chegada da Companhia Paranaense de Energia (Copel) fez a diferença na cultura radiofônica local a partir de 1964. “Em 1962, vinha uma sobra de energia de Maringá que durava das 20h às 6h. Era limitada, mas melhor que nada”, avalia.

Rádio Cultura ainda sem a tradicional fachada nos anos 1950 (Foto: Toshikazu Takahashi)

Rádio Cultura ainda sem a tradicional fachada nos anos 1950 (Foto: Toshikazu Takahashi)

As instabilidades do rádio em Paranavaí surgiram nos anos 1970, exigindo melhores estratégias dos comunicadores e empresários para manterem-se no ramo. Ephraim Machado perseverou e ainda montou a Rádio Caiuá FM em 1980, emissora que começou a operar em 1984. Como a realidade já era bem diferente e o empresário contava com mais recursos, trouxe a Paranavaí os equipamentos mais sofisticados.

“Subia em postes, puxava fio, consertava aparelho, motor e microfone…”

O pioneiro Ephraim Machado começou a trabalhar com radiodifusão aos dez anos. A primeira função foi de trocador de discos. Anos mais tarde, quando surgiu a oportunidade de montar uma emissora, aprendeu a fazer de tudo. “Subia em postes, puxava fio, consertava aparelho, motor e microfone. Mexia no estúdio cortando som e reformava a acústica para dar mais eco. Fui até faxineiro e transportador de óleo. Minhas lembranças são boas porque passei por todos os setores”, relata o pioneiro que fazia questão de ocupar o tempo livre com trabalho.

Machado fala com preciosismo dos tempos de repórter, quando entrevistou os governadores Moisés Lupion e Bento Munhoz da Rocha Neto, além do presidente Juscelino Kubitschek. Embora só fosse para as ruas quando faltava algum repórter, o pioneiro adorava fazer entrevista política em época de eleição. Segundo Ephraim, era algo mais livre, diferente de hoje que o entrevistador precisa estar atento às exigências da justiça eleitoral.

Emissora recebeu artistas como Jorge Goulart, Nora Ney e Sivuca (Foto: Toshikazu Takahashi)

Emissora recebeu artistas como Jorge Goulart, Nora Ney e Sivuca (Foto: Toshikazu Takahashi)

“Atualmente, você corre muitos riscos quando entrevista uma autoridade política. Só tem liberdade se for falar com suspeito de crimes, daí é costumeiro o repórter fazer a típica escarrada de besteiras que vemos por aí. É triste ver como temos tanto lixo na radiodifusão brasileira”, critica o empresário que em algumas situações perdeu boas entrevistas por causa da falta de energia. Às vezes, o gravador parava de funcionar de repente.

Uma das linhas da Rádio Cultura, fundada pelo pioneiro, chegava até a sede do Atlético Clube Paranavaí (ACP), atual Praça dos Pioneiros. A fiação foi feita por Ephraim Machado que a ligava a um amplificador chamado de “maleta”, uma espécie de base do famoso microfone de fio comprimido. “Quando era ao vivo, a gente sempre preferia fazer tudo no estúdio, por questão de segurança”, pondera.

O primeiro operador de rádio amador de Paranavaí

O pioneiro Ephraim Machado foi o primeiro operador de rádio amador de Paranavaí. No final dos anos 1940, se comunicava até com pessoas do Rio Grande do Sul. Muita gente o procurava para dar recados aos parentes que viviam em outras cidades e estados. “Repassava mais notícias de falecimentos e de necessidades primárias da população. Era um serviço em prol da coletividade. Perdi as contas de quantas vezes saí de Paranavaí para levar recado em Paraíso do Norte, São João do Caiuá, Planaltina do Paraná, Amaporã, Tamboara, Alto Paraná e outras localidades”, afirma.

Machado considera o rádio amador um veículo que ajudou o interior do Brasil antes da implantação do telefone. Muitas vidas foram salvas graças ao aparelho. “Meu principal sinal vinha de uma empresa cafeeira que se comunicava com os portos de Paranaguá e Santos. Servi Paranavaí por muitos anos nessas condições”, garante. O pioneiro também se recorda de um rapaz que no final da década de 1940 trabalhava como rádio telegrafista na colônia, a serviço de uma companhia de terras.

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Cine Paramounth era usado como salão para bailes

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Sem local para a realização de festas, moradores alugavam o cinema

Multidão se forma em frente ao Cine Theatro Paramounth (Foto: Reprodução)

Multidão se forma em frente ao Cine Theatro Paramounth (Foto: Reprodução)

No final da década de 1940, foi criado em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, o Cine Theatro Paramounth, localizado na Rua Marechal Cândido Rondon. O cinema, encarado como primeira e única fonte de entretenimento para a então população de dez mil habitantes, logo foi usado também para a realização de bailes.

Até o ano de 1948, a vida dos moradores de Paranavaí era delimitada pelo trabalho no campo ou no pequeno espaço urbano. Divertimento fazia parte da realidade dos poucos que tinham condições financeiras para se deslocarem até outras cidades. “O improviso era o único jeito de garantir divertimento. Ainda bem que naquele ano foi criada uma sociedade para a construção de um cinema, então percebi que as coisas mudariam”, lembra o pioneiro Ephraim Machado que à época era quem divulgava por meio de um serviço de alto-falantes os raros eventos sociais.

Machado percorria toda a cidade incentivando os moradores a participarem das festas locais. Naquele tempo, muitas atividades não visavam retorno financeiro. Os eventos eram realizados apenas com o objetivo de entreter a população. “É bem diferente de hoje. Em qualquer evento envolvendo a comunidade, sempre há pelo menos um que lucra em cima dos outros”, compara o pioneiro.

Quando o Cine Theatro Paramounth foi inaugurado, a cidade ainda não tinha um ambiente específico para festas e bailes de carnaval. Por isso, Ephraim Machado e outros pioneiros tiveram a ideia de usar o espaço do cinema para resolver o problema. “O Paramounth tinha piso em nível, então o que fazíamos no carnaval? Alugávamos o salão do cinema e tínhamos três dias ininterruptos de batuque”, conta Machado sorrindo.

A realização de eventos no Cine Theatro atraiu muita gente. O primeiro baile, por exemplo, reuniu mais de 400 pessoas. O sucesso da iniciativa permitiu que festas fossem realizadas no Paramounth ao longo de três anos. O pioneiro Wiegando Reinke, que já tinha uma banca de jornais e revistas a alguns metros dali, se recordava com nostalgia do intenso fluxo de pessoas. “Não havia asfalto, apenas uma estrada de areia bem densa. O pessoal saía de lá e vinha direto aqui comprar alguma coisa. Era como se fosse um hábito, costume mesmo.”

Paramounth quando estava sendo construído nos anos 1940 (Foto: Reprodução)

Paramounth quando estava sendo construído nos anos 1940 (Foto: Reprodução)

Surgem os primeiros clubes

Com o surgimento dos clubes em Paranavaí, foram construídos os primeiros locais específicos para a realização de festas. O pioneiro foi o Aeroclube, atual Tênis Clube, onde a maior parte da população com vida social ativa se reunia, principalmente na década de 1950, para aproveitar os finais de semana. “Sempre organizávamos algum evento atrativo para o público, de modo geral. Não havia distinção de classe como hoje. Ali recebemos diversos governadores, entre eles Bento Munhoz da Rocha e Moisés Lupion”, conta o pioneiro e ex-presidente do extinto Aeroclube, Ephraim Machado.

Os clubes da época serviram para ampliar a consciência comunitária, algo que não existia até a década de 1940, quando as comemorações eram mais restritas. “As pessoas até então só organizavam festas particulares, até porque o conceito de confraternização da época era muito limitado. O pensamento das pessoas mudou somente quando organizamos as primeiras grandes festas”, revela Machado.

Os bailes nos salões dos clubes, mesmo fora da época do carnaval, eram impulsionados pelo hino de Benedito Lacerda e Humberto Porto: A jardineira, de 1938. A marchinha de tema baiano, somada a outras canções nordestinas e nortistas, fazia a alegria da população. Tudo era improvisado, e até mesmo pessoas da plateia subiam ao palco para tocar algum instrumento. Foi uma época de muito samba, baião, maxixe e bolero, segundo Machado.

Os grupos musicais normalmente eram compostos por três instrumentos: sanfona, violão e pandeiro. “Toda banda normalmente tem bateria, mas nós não tínhamos isso na cidade, era tudo muito experimental. Quem surgia com um instrumento diferente via o que podia ser feito dentro do ritmo que o grupo estava tocando”, enfatiza o pioneiro. Certa vez, um músico chamou a atenção do público ao subir no palco e casar a sonoridade de um violino com a sanfona, o pandeiro e o violão.

“A diversão do homem era o clube ou a zona”

Para aqueles que preferiam locais ermos, havia os clubes comerciais. O mais emblemático era o Clube do Arara Vermelho, localizado em uma ilha no Porto São José. “Eles venderam muitas ações. Todo mundo tinha vontade de ir lá, mas não deu certo por muito tempo. Quando chovia, a estrada ficava horrível, levava até 15 dias para voltar a ser transitável”, informa o pioneiro Ephraim Machado.

Na década de 1950, a realização de festas juninas tornou-se bastante comum. A principal influência para as comemorações de São João eram as comunidades nordestinas e nortistas. “Claro que tudo era regado a muita bebida quente, principalmente pinga e quentão. Ninguém aqui tinha acesso a bebida gelada”, revela o pioneiro.

Até o ano de 1964, os convites para as festas eram direcionados às famílias, não apenas a uma ou outra pessoa. Quando os pais informavam que estavam de saída, todas as mulheres da família tinham de ir embora também. “Lembro bem que a diversão do homem era o clube ou a zona. Havia dois setores. Dá pra dizer que um era bom e o outro mau porque este segundo era separado da sociedade”, exemplifica Ephraim Machado às gargalhadas.