David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Archive for the ‘Timidez’ tag

Sou tímido

without comments

Sou tímido e reservado. Sou um cara realmente introspectivo. No decorrer da minha vida muitas vezes encontrei pessoas que disseram: “Aquele cara é metido, orgulhoso” – ou algo do tipo. Então entendi que isso acontecia por eu ser basicamente tímido, reservado, introspectivo.

Não tenho problema em falar em público, para uma multidão, que seja, nem em expor ou defender minhas opiniões. Quando me convidam para discorrer sobre algo, normalmente aceito.

Mas tem coisas a meu respeito, sobre quem eu sou, que realmente não partilho com as pessoas, a não ser por meio dos meus textos. Esse é o tipo de ser humano que sou.

Ser tímido pode ser visto como um defeito por muita gente – talvez. Mas pode não ser também. Depende da leitura que você faz e em que você transforma essa timidez. Desde pequeno observo muito mais do que falo. Acredito que também que é por isso que escrevo.

Também não costumo interagir tanto em redes sociais. Julgo que o tempo é sempre mais curto do que eu gostaria. Honestamente, se me falam para escolher entre produzir ou conversar, sempre opto pela primeira.

Sou um sujeito estranho, não nego e não reprovo, mas também vejo isso como parte das escolhas que fazemos compatíveis com nossas características, predileções e objetivos.

 





Written by David Arioch

June 24th, 2018 at 6:06 pm

Ser tímido

without comments

kafka-o-pai-e-a-carta-html

Kafka, por exemplo, era tímido, e sua força literária tinha relação com a sua timidez (Foto: Reprodução)

Não vejo como ser tímido pode ser tão ruim. Muito do que faço na minha vida tem justamente a timidez como motriz. As pessoas subestimam a timidez quando a relacionam apenas aos aspectos negativos da vida em sociedade. Pessoas tímidas naturalmente ouvem mais e observam mais. Também refletem muito.

Kafka, por exemplo, era tímido, e sua força literária tinha relação com a sua timidez. Hermann Hesse, William Faulkner, Edgar Allan Poe, Marcel Proust, Emily Dickinson, Emily Brontë, George Bernard Shaw, Hunter Thompson e Nathaniel Hawthorne também eram tímidos. São nomes que hoje ocupam posição de destaque na literatura mundial. Logo ser tímido não é uma forma de fracasso.

Contribuição

Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar:





A ansiedade social de Kafka

without comments

Samsa é a gradação surrealista do escritor em estado patológico, como uma figuração quimérica

Kafka1906

1906 – Kafka sofria de ansiedade social (Foto: Reprodução)

O primeiro e mais pungente indício de que o escritor tcheco Franz Kafka sofria de ansiedade social está na sua obra mais famosa – “A Metamorfose”, de 1915. A transformação de Gregor Samsa revela não apenas o medo, aceitação seguida de ostracismo e o rompante de cólera do protagonista diante de um mundo que pouco representa além da compressão da sua própria existência, mas também as inúmeras facetas das afecções e doenças então inominadas que atingiam Kafka.

Samsa é a gradação surrealista do escritor em estado patológico, como a sua própria figuração quimérica e exemplarmente estruturada a partir de seus problemas registrados em cartas e diários. “Sou incapaz de viver com as pessoas, de falar. Vivo imerso em mim. Me sinto apático, sem juízo e com medo. Não tenho nada a dizer a ninguém. Nunca!”, escreveu em uma das cartas enviadas à tradutora tcheca Milena Jesenská, com quem se correspondeu entre os anos de 1920 e 1923, estabelecendo um grande laço de confiança.

Estar sozinho era tão essencial para Kafka que ele via nisso uma genuína forma de poder, algo que dissolvia o seu interior e o preparava para trazer à tona o que ele resguardava de mais profundo em seu âmago. “Quando estou voluntariamente só, há uma ligeira ordenação em meu interior e isso faz com que eu não sinta falta de nada”, declarou.

Introvertido, as interações sociais faziam com que o autor se sentisse drenado. Somente a completa solitude garantia a recuperação de sua energia e serenidade. “Escrevo diferente de como falo e falo diferente de como penso”, revelou. Kafka experimentou beber para lidar com a ansiedade social, um método comum incentivado por seus colegas, mas que não o ajudou em nada. “Não posso usar drogas para enganar a minha solidão, pois ela é tudo que tenho. E quando os efeitos das drogas e do álcool se dissiparem, será tudo que meus colegas terão também”, refletiu.

Ele reconhecia o condão da sua eloquência com a escrita, porém sempre se deparou com uma barreira que o impedia de se expressar da mesma maneira quando conversava com alguém. “Sou muito tímido para dizer o que realmente penso e acabo me sentindo mal por isso”, confidenciou. Franz Kafka lamentava o desconforto por não conseguir se comunicar com outras pessoas da mesma forma que ele fazia com os parentes mais próximos.

“Não fico ansioso com minha irmã mais nova e eu gostaria de ser assim com todos. Destemido e poderoso, é como me sinto quando escrevo. É como se minha ansiedade não existisse. A ideia de alguém ler o que escrevo também nunca me incomodou, a não ser que peçam que eu fale sobre o que escrevi”, registrou em outra carta.

“Sou incapaz de viver com as pessoas, de falar. Vivo completamente imerso em mim"

“Sou incapaz de viver com as pessoas, de falar. Vivo completamente imerso em mim” (Foto: Reprodução)

Em uma de suas queixas, o escritor admitiu que nunca teve um relacionamento sério e que a ideia de ter filhos lhe parecia muito distante. “Quando alguém fala comigo, não consigo evitar de pensar que posso ser atacado, então meu instinto é fugir”, desabafou, lembrando-se de um episódio em que um dia à meia-noite um conhecido se aproximou dele em frente a uma cafeteria quase deserta e o convidou para uma conversa. Assustado, Kafka declinou o pedido e foi embora às pressas.

Outros convites se repetiram e ele sempre suspeitava que se aproximavam dele por piedade. Foram poucas as ocasiões em que o escritor concordou em sentar-se à mesa com pessoas que não faziam parte de sua família. “Tudo que não é literatura me aborrece e eu odeio isso. Me falta toda a aptidão para a vida familiar, exceto, na melhor das hipóteses, como observador. Quando recebemos visitas em casa me vejo prestes a me tornar alvo de algum tipo de malícia”, relatou.

Milena Jesenská: "Ele era tímido, gentil e amável, mas escreveu livros muito dolorosos" (Foto: Reprodução)

Milena Jesenská: “Ele era tímido, gentil e amável, mas escreveu livros muito dolorosos” (Foto: Reprodução)

Kafka se julgava como alguém sem vida social, que passava as noites na pequena varanda de casa, observando o rio. Não se considerava uma boa pessoa. “Eu pouco me preocupo com os outros. Sou uma pessoa ridícula. Se você estiver um pouco apaixonada por mim, só posso crer que seja comiseração. E de minha parte, só posso sentir medo”, segredou em carta à jovem Hedwig W., escrita em Praga em 29 de agosto de 1907. Para ela o escritor produziu o poema “Anos Atrás”.

Também afirmou que sua vida se pautava na permanente tentativa de comunicar o incomunicável, explicar o inexplicável. “Estou sempre escrevendo sobre algo que habita meus ossos e que só pode ser experimentado através deles. Basicamente sinto o medo se espalhando por mim, um temor paralisante de pronunciar uma palavra. E não somente pavor, mas também um anseio por algo maior do que tudo o que representa o medo”, confessou em carta a Milena Jesenská.

Como Milena definiu Franz Kafka

“Ele era tímido, gentil e amável, mas escreveu livros muito dolorosos. Viu um mundo cheio de demônios invisíveis que rasgam e destroem pessoas indefesas. Ele era lúcido e sábio demais para a vida. Chegou a um ponto que dominado pela fraqueza não conseguiu mais lutar. Era uma fraqueza dos nobres, de quem teme o mal entendido, a indelicadeza e as mentiras intelectuais. Era de uma casta de pessoas com sensibilidade que poucos são capazes de entender. Um solitário com um olhar profético que através de uma olhadela é capaz de perceber coisas que outros jamais notariam. Ele próprio representava um mundo profundo e extraordinário.”

Nascida em 10 de agosto de 1896, em Praga, então território do Império Austro-Húngaro, Milena foi a principal tradutora de Kafka – da língua alemã para a tcheca.

Saiba Mais

Nascido em Praga em 3 de julho de 1883, Franz Kafka faleceu aos 40 anos em decorrência de uma tuberculose laríngea que o impedia de se alimentar. Curiosamente, quando faleceu, Gregor Samsa, seu personagem mais famoso, estava bem magro porque há muito tempo não se alimentava. O escritor que pouco se importava com a fama só ficou conhecido após sua morte.

Referências

Kafka, Franz. Letters to Milena, Schocken Books, 1952.

Kafka, Franz. Letters to Family, Friends and Editors, Schocken Books, 1959.

Contribuição

Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar: