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Quando Tolstói condenou a caça e a exploração de mão de obra animal
O escritor russo Liev Tolstói, um dos maiores nomes da literatura mundial, admitiu ao seu cunhado Stepan Behrs que durante a sua juventude um de seus passatempos preferidos era a caça. Quando serviu ao Exército Russo no Cáucaso, ele perseguiu raposas, lebres, cervos e javalis, até que começou a refletir sobre isso e permitiu que os animais vivessem sem qualquer intervenção de sua parte.
Em 1887, Behrs registrou em uma carta que “por compaixão, ele [Tolstói] desistiu abruptamente da caça, e me contou que não apenas perdeu completamente o seu desejo de caçar, como também se espantara por ter gostado disso anteriormente”, a considerando uma prática bárbara e incompatível com uma vida equilibrada, harmoniosa e respeitosa.
Em correspondência de 1893, Tolstói escreveu que os homens não deveriam causar sofrimento aos animais e fez questão de mencionar a Inglaterra como um país europeu que se destacava por uma “atitude poderosa” em contrariedade a isso – algo que ele atribuiu à força do humanitarismo inglês, que à época era defendido por pensadores e reformadores como Henry Salt, pioneiro dos direitos animais referenciado por Peter Singer na obra “Animal Liberation”, de 1975.
Porém, ao contrário dos muitos vegetarianos ingleses da época, com exceção daqueles que partilhavam da mesma perspectiva do vegetarianismo ético de Salt, Tolstói, que abdicou não apenas do consumo de todos os tipos de carne, mas também de leite, manteiga e ovos, escreveu que era preciso encontrar uma forma de reduzir a dependência humana dos animais como fonte de mão de obra no campo.
Behrs registrou que Tolstói ficou eufórico quando soube que máquinas estavam sendo desenvolvidas com esse propósito. Ele vislumbrou um cenário em que animais não sofreriam em decorrência de um esforço físico em benefício humano que custasse a redução de suas expectativas de vida.
“Pode-se regular os desejos de alguém por meio da moderação, restrição e trabalho árduo. O primeiro passo para reduzir essa dependência é não comer animais e não viajar sobre eles, mas sim a pé. E todos nós deveríamos começar a fazer isso agora”, registrou o escritor russo. Tolstói disse que, embora não tivesse abdicado do consumo de animais visando a sua saúde, ele percebeu inúmeros benefícios quando se limitou a uma alimentação frugal baseada em aveia, kasha, arroz, pão de centeio e sopas de vegetais.
“A confusão e, acima de tudo, a imbecilidade de nossas vidas, surge principalmente do constante estado de intoxicação em que a maioria das pessoas vive”, criticou Tolstói no ensaio “Por que os homens se entorpecem?”, publicado originalmente em 1890. Dois anos depois, Tolstói registrou no ensaio “O Primeiro Passo”, que o ser humano só cumpre o seu verdadeiro papel quando assume o compromisso de seguir uma sequência de realizações morais que são essenciais para o real estabelecimento da ordem no mundo, e isso inclui o respeito à vida independente de espécie, o autocontrole e a libertação de desejos que são nocivos a nós mesmos e aos outros.
Referências
R.F. Summers. Tolstoy and the natural world. The Vegetarian. The Vegetarian Society (Janeiro/fevereiro de 1987).
Troyat, Henri. Tolstoy. Grove Great Lives. First Grove Press Edition. Grove Press (2001).
O vegetarianismo na vida de Nikolai Ge, um dos mais importantes pintores russos da história
Em 1913, quando o 1º Congresso Vegetariano Russo foi realizado em Moscou, fazia quase 20 anos que o pintor realista russo Nikolai Ge havia falecido. Ainda assim, em sua homenagem, a “exposição vegetariana”, que ficou em exibição entre os dias 16 e 21 de abril, foi baseada em suas pinturas.
Foi uma justa homenagem a um dos vegetarianos russos mais respeitados pelo escritor Liev Tolstói. Em 8 de junho de 1910, Ge escreveu, em referência ao ensaio “Первая ступень” , “O Primeiro Passo”, de Tolstói, que “para que o primeiro passo se torne realmente um primeiro passo é necessário que outras etapas venham em seguida, porque o vegetarianismo em si é apenas uma limpeza que leva à hipocrisia e à exaltação da autoestima se não assumir a forma primordial de uma vida humana mais justa e inteligente.”
O ensaio, em que Tolstói qualifica a abstenção do consumo de animais como um sinal da aspiração séria e sincera da humanidade em direção a uma evolução moral que beneficie seres humanos e não humanos, atraiu a atenção de Ge no início de junho de 1892, quando ele o leu pela primeira vez. O pintor russo, que já se correspondia com Tolstói, passou a elogiar a sua defesa de uma vida moral que rejeita a exploração animal por entender as implicações dessa violência para a vida humana e não humana. Em uma das cartas, informou que estava satisfeito com suas modestas plantações de milho, batata e feijão.
A identificação de Nikolai Ge com Tolstói começou em 1882, quando o pintor leu um artigo de Tolstói sobre o censo em Moscou, publicado no jornal “Sovremennye Izvestia”. Após visitar adegas e observar o comportamento de seus infelizes frequentadores, o escritor russo escreveu uma passagem jamais esquecida por Ge: “Nosso desagrado e indiferença pelos desfavorecidos é a causa de seu estado de pobreza”. O pintor então se aproximou de Tolstói e os dois se tornaram amigos e confidentes. Nos seus últimos doze anos de vida, Nikolai Ge visitou Tolstói em Moscou e depois em Yasnaya Polyana, no Oblast de Tula.
Tatiana Sukhotina-Tolstaya, a filha mais velha de Tolstói, registrou que Nikolai Ge, que foi um bom amigo de seu pai, era um sujeito bastante peculiar – um vegetariano estrito completamente indiferente ao dinheiro, e se vestia não raramente como um indigente. De modestas predileções alimentares, o pintor russo gostava de kasha de trigo mourisco preparado com água e milho cozido.
“Muitas vezes, minha irmã e eu precisamos remendar as suas roupas. Minha mãe costurou um par de calças que o deixou muito orgulhoso. Ele vestia camisas simples e uma blusa velha e desgastada. Ficou conhecido por ir de Moscou a São Petersburgo assim, e nunca mudou seus hábitos, mesmo transitando por diferentes círculos sociais. Fiz um colete que ele usou na ocasião de seu falecimento”, narrou Tatiana.
Depois que se tornou vegetariano em 1885, e aparentemente por influência de Tolstói, Ge se preocupou em ir um pouco mais além, evitando usar mão de obra assalariada ou requerer o serviço de servos ou camponeses sob os padrões da época. Ele chegou a construir fogões para que os campônios mais desafortunados pudessem preparar pães em suas próprias casas. No início, esse novo estilo de vida singelo gerou grande desconforto na casa do artista, já que suas ações não eram muito bem vistas por sua família acostumada a um padrão mais elevado.
Um homem imerso em princípios, Ge, que foi considerado um dos maiores pintores de seu tempo, dizia que a arte não pode ser um meio de renda porque a arte não deve ser negociável sob o risco de ser maculada pelas implicações da mercantilização. Curiosamente, esse mesmo raciocínio foi partilhado no século XI pelo poeta sírio Al-Ma’arri, que também condenava a exploração e o consumo de animais e se recusava a escrever panegíricos, odes aos ricos patronos, por considerar isso uma forma de “prostituição artística”. Então Nikolai Ge adotou como profissão o trabalho de agricultor e o ofício de “fabricante de fogões”, atividade que exerceu em várias localidades. Assim ele poderia dar continuidade à sua arte em seu tempo livre, sem ter de se submeter a ninguém.
Em 1876, antes da amizade com Tolstói, Ge abandonou o conforto de sua casa em São Petersburgo e migrou para a aldeia de Ivanovo, na Província de Chernigov, no Oblast de Chernihiv, atual Ucrânia. Sobre o motivo dessa mudança, ele escreveu que quatro anos conciliando a arte e a vida agitada e cara em São Petersburgo mostrou que não valia a pena continuar vivendo daquela maneira. “Qualquer coisa que pudesse constituir meu bem-estar material estava em franca oposição ao que senti no fundo de minha alma. Como amo a arte como ocupação espiritual, tenho que encontrar um caminho para mim, independente da arte. Fui para a aldeia e pensei: “Com uma vida mais barata e mais fácil, conseguirei viver essa realidade, e a arte será livre’”, justificou.
Com o crescimento da amizade entre Tolstói e Ge, os dois se tornaram cada vez mais semelhantes no que diz respeito à aspiração de uma vida voltada à evolução moral e espiritual. Em agradecimento a Tolstói, o pintor fez um retrato do escritor em 1884 na famosa casa em Kharmovniki, em Moscou, obra que pode ser vista na Galeria Tretyakov, em Moscou, nas proximidades do Kremlin.
Na pintura reconhecida como uma das mais simples e verdadeiras do autor, Tolstói está sentado diante de uma mesa. Em suas pinturas que fugiam à recorrente pretensão de muitos artistas da época, Nikolai Ge passou a imprimir um realismo cada vez mais bucólico, que remetia ao despojamento e lhaneza – traduzindo as transparências de sua própria essência artística e anseio em transmitir nada mais do que a singeleza.
Até mesmo temas espirituais eternizados em seus quadros descortinavam e quebrantavam a ideia de uma realidade em que o ser humano está acima de tudo e de todos. Ainda assim, jamais deixou de revelar esperança no ser humano ou de direcionar sua energia para a fé utópica em um tipo de protesto espiritual que vê no sofrimento humano, físico ou não, um chamado para a renovação e evolução. Ge transmitia o conceito de uma unidade que habita todos nós, humanos, não humanos e a própria natureza.
Nikolai Ge ficou conhecido em seu tempo como um “pregador da beleza espiritual” que manipulava com rara habilidade as cores, as sombras, a composição e a complexidade do despertar humano. Por causa dessas características, que fatalmente o colocavam na contramão do apreço em voga, Ge era visto como uma figura solitária não apenas da arte russa como da arte europeia em geral. Se por um lado, ele evocava em certas obras um romantismo inabalável em relação à sua interpretação espiritual da natureza, por outro, Ge retratava também uma natureza inexpugnável, concreta ou mutável, e completamente diferente. Em 1886, ele renunciou à sua propriedade e comunicou a sua decisão à esposa Anna Petrovna e aos filhos, assim vivendo os seus últimos anos despojado de qualquer bem material.
Nikolai Ge
Nikolai Nikolaevich Ge nasceu em 15 de fevereiro de 1831 em Voronezh. Em 1841, ele foi levado a Kiev onde estudou a maior parte da sua juventude e ingressou na Faculdade de Física e Matemática da Universidade de Kiev. Depois transferiu os estudos para a Universidade de São Petersburgo, até que em 1850 ingressou na Academia de Artes, onde dedicou sete anos.
Em 1855, recebeu uma medalha de ouro, o seu primeiro prêmio como artista pela pintura “Aquiles lamenta a Morte de Pátroclo”. Em 1857, foi novamente premiado – dessa vez com uma grande medalha de ouro e uma viagem para a França e para a Itália. Em 1860, deixou Roma e se mudou pra Florença, onde produziu diversas obras, até que decidiu retornar a São Petersburgo em 1870.
Então passou a se dedicar a temas históricos e lançou em 1817 uma de suas pinturas mais famosas – “Pedro O Grande interrogando o Tsarevich Alexei Petrovic”, que mais tarde alcançaria projeção internacional. Em 1875, Ge tomou a decisão de migrar para a área rural de Chernigov, na Ucrânia, onde, mais tarde rejeitou a exploração animal e humana, assumindo a sua responsabilidade de levar uma vida mais ética e mais espiritual. O artista viveu assim até falecer em 13 de abril de 1894.
Saiba Mais
Entre as suas obras mais famosas estão “O Julgamento de Sanhedrin”, “A Última Ceia”, “Quod Est Veritas?”, “Pedro O Grande Interrogando o Tsarevich Alexei Petrovich”, “Liev Tolstói”, “Consciência: Judas”, “Sophia Tolstói”, “Alexei Potechin” e “Calvário”.
Referências
Sukhotin-Tolstoy,T.L. Memoirs. Moscou. Páginas 262-263 (1976).
Golovko, Oxana. 10 картин Николая Ге, которые стоит увидеть Pravmir (2014).
Tolstói, Natalia. Николай Ге: жизнь в поисках истины. Наука и жизнь (2012).
Н. Н. Ге. Толстовец avant-la-lettre. Vegetarian.ru (2007).
Россия неизвестная. История культуры вегетарианских образов жизни от начала до наших дней (2006).
Ге Николай Николаевич. (1831-1894). Продолжение. Artsait.ru (2014)
Como Tolstói rejeitou o consumo de animais
Se você já leu “O Primeiro Passo”, considerado na Rússia como um manifesto contra o consumo de animais, e que inclusive teve grande influência sobre o ressurgimento do vegetarianismo entre os povos eslavos do final do século 19 e início do século 20, você sabe que a influência de Liev Tolstói estava muito além do campo literário ficcional. Inclusive ele não raramente dizia que preferia mais ser lembrado por seus ensaios filosóficos e pela contrariedade ao consumo de animais do que por suas obras-primas como “Guerra e Paz” e Anna Karenina”.
No entanto, não foi por um despertar casual que ele decidiu parar de comer animais. Mas sim por uma série de eventos – talvez o mais importante deles quando recebeu em sua casa em Yasnaya Polyana, no Oblast de Tula, a visita do senhor William Frey em uma tarde de outono de 1885. Frey, ou Vadim Konstantinovich Geins, deu uma verdadeira palestra a Tolstói abordando desde os benefícios da dieta vegetariana até as implicações morais da exploração de animais. Inclusive essa conscientização sobre o sofrimento animal foi o que o motivou a escrever o ensaio “O Primeiro Passo”, publicado em 1892.
As ideias de William Frey foram trazidas dos Estados Unidos, onde ele viveu por 17 anos em comunidades protovegetarianas e vegetarianas nos estados do Missouri, Kansas e Oregon. Frey inclusive declarou a Tolstói que no decorrer da história da humanidade chegará um dia em que todos, seja por conscientização ou inevitabilidade, terão que adotar uma alimentação vegetariana. O escritor russo não se surpreendeu, mas apenas aquiesceu e exclamou:
“Sim, meu amigo, você está certo! Obrigado por suas palavras sábias e honestas. Certamente, seguirei o seu exemplo e abandonarei a carne.” Antes desse encontro, Tolstói já havia ensaiado a abstenção desse consumo. Segundo o livro “The Vegetable Passion: A History of the Vegetarian State of Mind”, de Janet Barkas, publicado em 1975, ele começou a reduzir o consumo de carne logo depois de escrever “Confissão”, de 1879, e então foi mudando a sua alimentação até adotar definitivamente uma dieta que não incluía o consumo e a exploração de animais.
Em 1882, Tolstói já havia descrito em um de seus diários o seu interesse em se alimentar apenas de kasha, geleias e conservas. Além do escritor, suas filhas Tanya e Masha também adotaram imediatamente uma alimentação livre de carne após os relatos bem convincentes de Frey argumentando que é possível viver muito bem consumindo apenas cereais, frutas e castanhas. Segundo a obra “Vegetarianism in Russia: The Tolstoyan Legacy”, de Ronald D. LeBlanc, de 2001, outra pessoa a quem é creditada a conversão de Tolstói ao vegetarianismo é o seu discípulo e amigo Vladimir Chertkov, que se tornou vegetariano quando viveu na Inglaterra nos anos de 1884 e 1885, e que levou à Rússia tudo que encontrou relacionado ao tema. Naquele tempo, a literatura vegetariana inglesa ou voltada aos direitos animais era publicada na Inglaterra pela Humanitarian League, fundada em 1891 pelo pioneiro dos direitos animais Henry Salt, o que curiosamente revela a estreita relação entre os humanitaristas e os vegetarianos da época.
O livro “A Dieta Humana no Presente e no Futuro”, escrito pelo cientista Andrey Nikolaevich Beketov e lançado em 1878, também teve considerável influência sobre Tolstói. Na obra, Beketov apresenta razões morais e psicológicas sobre o porquê seres humanos na sua progressão de um estado primitivo para um estado verdadeiramente civilizado devem se abster do consumo de animais.
Em 1890, Tolstói escreveu o prefácio de um panfleto sobre os males da caça – intitulado “Um Passatempo Maligno: Reflexões Sobre a Caça”, publicado por Chertkov em 1890. No texto, Vladimir Chertkov argumenta que não é mais necessário, em termos de evolução, o ser humano ter que matar animais para se alimentar. “A matança de animais não é mais uma forma natural de luta pela existência, mas sim um retorno voluntário a um estado primitivo e bestial.” Segundo Chertkov, a caça instiga no ser humano civilizado instintos animais que a consciência humana superou há muito tempo. Esse posicionamento foi endossado por Tolstói.
O escritor russo passou a interpretar que o ato de se alimentar de animais é imoral na medida em que envolve a realização de um ato contrário ao sentimento moral, ou seja, a matança. LeBlanc narra que um dia a tia de Tolstói se juntou a eles para o jantar e encontrou uma faca e uma galinha viva sobre a cadeira. O escritor justificou que sabia que ela gostaria de comer galinha, mas que nenhum deles a mataria, assim delegando a ela o ato de matar o animal se quisesse comê-lo – o que naturalmente ela não o fez.
“Para uma senhora de classe alta de seu tempo, isso passou perto de um escândalo”, avalia Ronald D. LeBlanc. Porém, Tolstói era pacífico e tais ações tinham apenas a intenção de conscientizar, não de ofender. Inclusive ele sempre permitiu que seus familiares, amigos e conhecidos tirassem as suas próprias conclusões a respeito de seu posicionamento em relação ao não consumo de animais.
Pouco tempo antes de falecer, Tolstói disse que preferia ser celebrado por suas obras voltadas à sua filosofia de vida e filosofia moral, o que incluía a sua defesa de que os animais não humanos também têm direito à vida, do que pelos seus romances. Claro que o alcance de seu trabalho como romancista o levou muito mais longe em popularidade, mas de alguma forma a sua filosofia teve um impacto muito significativo. Exemplos?
“O Primeiro Passo”, que deu origem às bases do vegetarianismo ético russo e a sua obra “O Reino de Deus está em vós”, de 1894. Esta segunda traz uma abordagem espiritual não dogmática e que teve grande influência sobre a juventude de Gandhi, tanto que depois o líder pacifista fundou nas imediações de Joanesburgo, na África do Sul, a Fazenda Tolstói. Gandhi, que foi influenciado pelos ensaios de não violência de Tolstói, que incluía animais humanos e não humanos, se considerava um tolstoiano.
Referências
Barkas, Janet. The Vegetable Passion: A History of the Vegetarian State of Mind. Scribner; First Edition (1975).
LeBlanc, Ronald D. Vegetarianism in Russia: The Tolstoy(an) Legacy. The Carl Beck Papers in Russian and East European Studies. No. 1507 (2001).
Gregory, James. Of Victorians and Vegetarians: The Vegetarian Movement in Nineteenth-century. I.B.Tauris (2007).
Alston, Charlotte. Tolstoy and Vegetarianism (junho de 2014).
A história do vegetarianismo na Rússia
Ao final de 1914, a Rússia contava com 73 restaurantes vegetarianos em 37 cidades
De acordo com informações do Vegetarianskij.ru, a história oficial do vegetarianismo na Rússia começou com o surgimento da primeira sociedade vegetariana, ironicamente chamada de “Ни рыба, ни мясо”, ou seja, “Nem Carne, Nem Peixe”, em meados de 1860, em São Petersburgo.
O presidente vitalício da sociedade era o cirurgião Alexander Petrovich Zelenkov, que faleceu em 1914. Ele se tornou vegetariano em decorrência de problemas de saúde, quando outros métodos de tratamento se mostraram ineficazes. Ele também era um defensor da homeopatia e fazia campanhas contra o consumo de álcool.
Em 1902, a esposa de Zelenkov, Olga Konstantinovna, escreveu o livro “Нечто овегетарианстве”, ou “Algo Sobre Vegetarianismo”, que foi publicado em quatro volumes, cada um trazendo um extenso estudo sobre o vegetarianismo com base em registros históricos, estudos científicos e declarações de pessoas famosas de diferentes épocas.
A obra também conta com a análise do tratado “Питание человекав его настоящем и будущем”, que significa “A Dieta do Indivíduo em Seu Presente e Futuro”, escrita pelo botânico Andrey Beketov em agosto de 1878. Seu modesto ensaio em defesa da dieta e do estilo de vida vegetariano teve um efeito significativo na sociedade de seu tempo e eventualmente foi traduzido para muitas línguas.
Em 1913, Olga publicou o primeiro livro de receitas vegetarianas da história da Rússia. O nome da obra, que traz 1500 receitas, é “Я никого не ем”, ou seja, “Não Como Ninguém”. O livro foi editado inúmeras vezes e vendeu milhares de cópias, segundo o Vegetarianskij.
À essa altura, o vegetarianismo na Rússia já passou a ser visto sob outra perspectiva, que ia muito além da saúde humana, e tudo isso graças à publicação do ensaio “O Primeiro Passo”, de Liev Tolstói, lançado em 1892. Segundo o Vegetarianskij, a sociedade vegetariana russa então encontrou um profundo argumento ético em favor da dieta vegetariana.
O ensaio teve como ponto de partida as experiências de Tolstói desde que ele abandonou o consumo de carne em 1884, quando começou a promover o ideal vegetariano. Tolstói fez uma grande diferença porque se preocupou mais com as implicações morais e éticas do consumo de carne do que com os benefícios da dieta para a saúde.
Valendo-se de seu prestígio, Tolstói, sem dúvida, foi um dos grandes responsáveis pelo crescimento do vegetarianismo na Rússia – que teve adesão exponencial por parcela significativa da população após o lançamento de “O Primeiro Passo”. Figuras influentes da Rússia daquele tempo, como Nikolai Peskov, Ilya Repin, Alexander Voeykov, Nikolai Ge, Sergey Esenin e tantos outros se juntaram ao movimento. Entre os que mais simpatizaram com o vegetarianismo estavam cientistas, médicos, professores, escritores e poetas.
Em 1904, B.A. Dolyachenko e um grupo de professores fundaram a primeira revista vegetariana da Rússia. Intitulada “Вегетарианский вестник”, que significa “O Mensageiro Vegetariano”. Em 1909, foi a vez de Isosif Perper fundar e publicar o “Вегетарианскоеобозрение”, ou “O Jornal Vegetariano”, em Kiev. A publicação circulou até 1915.
Em 1909, a Sociedade Vegetariana de Moscou abriu suas portas. Em abril de 1913, foi realizada a Primeira Conferência Nacional Russa de Vegetarianos em Moscou, reunindo mais de 200 participantes. Uma das questões discutidas durante o evento foi a criação de sociedades vegetarianas por toda a Rússia.
Rapidamente surgiram sociedades vegetarianas em Varsóvia, Kiev, Chișinău, Vilno, Minsk, Saratov, Poltava, Odessa, Rostov-on-Don, Carcóvia, Zhitomir, Dnepropetrovsk, Krasnodar, Tumen e muitas outras. Ao final de 1914, o número de membros já chegava a duas mil pessoas, o que favoreceu o surgimento de 73 restaurantes vegetarianos em 37 cidades da Rússia. As refeições vegetarianas nos cafés eram baratas e bem diversificadas: salsichas feitas com ervilhas, hambúrgueres de repolho, panquecas vegetarianas (blini) e muito mais. E tudo era aceito com entusiasmo – como uma ideia original.
Os grandes planos dos vegetarianos russos, que previam transformar a Rússia em referência em vegetarianismo, foram interrompidos com o advento da guerra. Naqueles anos difíceis, e com o clima bastante tenso, os defensores de uma nutrição sem morte logo se tornaram alvos de desprezo e ridicularização.
Isto porque a alimentação vegetariana começou a ser vista como imoral em um cenário em que pessoas morriam aos milhares e a escassez de alimentos era comum. No entanto, os ativistas sociais vegetarianos não desistiram. Eles se voluntariaram para trabalhar em hospitais do exército, fornecendo refeições gratuitas para os militares em seus restaurantes, e também criaram enfermarias especiais para atender os animais usados pelo exército.
Porém, o desenvolvimento do vegetarianismo na Rússia, que tinha tudo para se destacar internacionalmente, servindo de referência para países do mundo todo, encontrou sua mais forte resistência após a Revolução Russa e a implantação do regime soviético, conforme informações do Vegetarianskij. Nesse período, a divulgação do vegetarianismo foi proibida na Rússia. Inclusive ativistas foram presos e o termo vegetariano acabou banido dos dicionários. As sociedades vegetarianas também foram fechadas em todos os territórios da URSS. A última a fechar suas portas foi a Sociedade Vegetariana de Moscou, que resistiu até 1929.
Em 1961, A Grande Enciclopédia Soviética, uma publicação massivamente popular na época, registrou que: “As ideias do vegetarianismo foram fundadas em hipóteses erradas e não têm seguidores na União Soviética.” Somente em 1990, depois da perestroika [reestruturação política do país], o vegetarianismo voltou à luz pública e suas ideias ressurgiram, ganhando novamente força na Rússia.
Referência
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