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A arte de transformar o trivial em extraordinário

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Artista plástico usa pedras e pedaços de madeira descartados como matéria-prima

Barbosa com escultura criada em homenagem a filha e a neta (Crédito: David Arioch)

“Se você prestar atenção, a madeira sempre olha pra gente” (Foto: David Arioch

O talento para as artes plásticas, Antonio de Menezes Barbosa descobriu décadas atrás, quando recriou símbolos do pioneirismo em Paranavaí. Após um longo hiato, retomou a atividade há dois anos, período em que já transformou pedras e pedaços de madeira descartados em obras de contemplação.

“Comecei trabalhando a madeira, fazendo miniaturas de traçador, marreta e rastelo. Achei interessante”, conta o ex-caminhoneiro Antonio de Menezes Barbosa, citando as primeiras obras carregadas de nostalgia. Barbosa e o pai derrubaram muitas árvores usando traçador durante a colonização de Paranavaí.

Desde a primeira experiência como artista, se passaram mais de 30 anos. A profissão de caminhoneiro o afastou das artes plásticas até julho de 2007. “Eu estava em uma praia ao lado do Porto de Savona, a 43 quilômetros de Gênova, na Itália. Comecei a recolher pedrinhas que a água do mar trazia até as margens. Então as usei para criar uma réplica do Pão-de-Açúcar e outra de um navio. Foi o retorno”, lembra Barbosa.

Já no final de 2008, Menezes trabalhava em Maringá quando se deparou com uma peça de madeira que seria incinerada. O então caminhoneiro ofereceu um pedaço de lenha ao proprietário em troca da peça. A sensibilidade de Barbosa o fez enxergar na pequena bacia de madeira a idealização de uma barriga feminina.

Artista com obra criada a partir de pedaços de seis tipos de madeira (Foto: David Arioch)

Artista e obra criada a partir de pedaços de seis tipos de madeira (Foto: David Arioch)

Com pequenos pedaços de seis tipos de madeira encontrados ocasionalmente, o artista criou uma mulher grávida em três meses. “Usei morcegueira, ipê, pau-brasil, eucalipto, sibipiruna e mais outra espécie. Durante o período de produção, dediquei uma hora a uma hora e meia por dia”, afirma Menezes. A diversidade dos tipos de madeira usadas pelo artista remete a uma simbologia da natureza heterogênea da mulher brasileira, conhecida pela miscigenação.

Algumas das peças, Barbosa precisa lapidar para chegar a forma ideal. Outras, como que por um advento divino, parecem existir para serem encontradas pelo artista que vê beleza e perfeição naquilo que muitos consideram trivial. “Usei folhas de ipê para fazer as lentes dos óculos da mulher grávida”, justifica.

A profusão da sensibilidade artística de Antonio de Menezes Barbosa também é percebida em simples, mas poéticas frases como: “Se você prestar atenção, a madeira sempre olha pra gente.” Independente da interpretação, é inegável que a árvore um dia ceifada transcende, como se ganhasse uma nova vida, sob a criatividade de Barbosa. Exemplo disso é a escultura da personagem feminina que segura uma lamparina. “É pra iluminar os homens. Eles precisam de muita luz”, declara. Com um sorriso bucólico, diz não se considerar artista, mas um catador de galhos e pedras.

“Pedras e galhos sempre dão o formato de alguma coisa”

O ex-caminhoneiro Antonio de Menezes Barbosa encara a criação de esculturas como um passatempo. “Provavelmente vou me dedicar mais quando me aposentar, quem sabe ainda este ano”, informa o artista. Barbosa coleciona pedras do Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Tocantins, Pará e Rondônia. “Pedras e galhos sempre dão o formato de alguma coisa. Não desperdiço nada”, declara.

Menezes, que também faz esculturas em arame, já homenageou a filha e a neta, professora e estudante de música, ao criar uma personagem feminina tocando um violino. “Aproveitei até a semente do pau-brasil pra fazer o instrumento”, enfatiza, acrescentando que a peça foi totalmente idealizada antes de começar a criá-la.

A próxima obra de Barbosa será o homem fatiado, talvez a criação de caráter mais subjetivo. “Também quero fazer um médico segurando uma garotinha recém-nascida”, adianta. Com olhos marejados, Antonio de Menezes mostra algumas preciosidades da Segunda Guerra Mundial. São restos de porcelana e azulejos de banheiro que ele guarda como se fossem tesouro, pequenos fragmentos que remetem a um bombardeio em Milão, na Itália.