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Drauzio Varella e a defesa dos transgênicos
Li um artigo do médico Drauzio Varella, escrito em 2011, mas atualizado este mês, em que ele diz que o benefício que os alimentos transgênicos podem trazer à humanidade não admite discussões apaixonadas. Por outro lado, ele mesmo faz um discurso apaixonado em algumas passagens do texto, e não apresenta referências, a não ser a sua própria opinião, que não é a de um especialista em organismos geneticamente modificados (OGMs), mas a de um entusiasta.
Levando em conta que o tema ainda é bastante controverso, uma citação em especial me chamou a atenção. “Os alimentos transgênicos poderão representar, para a saúde pública dos próximos cem anos, avanço semelhante ao do saneamento básico no século 20”, escreveu Varella.
Embora o médico oncologista tenha se posicionado dessa forma, se referindo aos transgênicos como se pudessem ser a salvação da humanidade, o que vai ao encontro do discurso dos fabricantes de transgênicos, é preciso ponderar sobre alguns pontos conflitantes apresentados por instituições e pesquisadores de prestígio na área:
De acordo com o projeto Genetically Modified Food, do Center for Health and the Global Environment, da Universidade Harvard, por trás do sucesso da modificação genética, ainda surgem efeitos inesperados e potenciais armadilhas.
A diminuição dos níveis de glutelina no arroz, por exemplo, foi associada a um aumento não intencional nos níveis de compostos chamados prolaminas, que podem afetar a qualidade nutricional do arroz e aumentar seu potencial para induzir a uma resposta alérgica. Organismos modificados podem, além disso, escapar de estufas, campos e gaiolas de aquicultura e invadir ecossistemas naturais ou quase naturais, e perturbar sua biodiversidade.
O programa da Universidade Harvard que realiza pesquisas na área desde 2012 também informa que os alimentos transgênicos podem danificar a biodiversidade, por exemplo, promovendo uma maior utilização de pesticidas associados com culturas geneticamente modificadas que são particularmente tóxicas para muitas espécies, e, por introduzir genes e organismos exóticos no meio ambiente, podem perturbar comunidades vegetais naturais e outros ecossistemas.
Além disso, desde o início dos anos 2000, pesquisadores brasileiros têm publicado artigos levantando questionamentos sobre a viabilidade e a obscuridade dos transgênicos. Um exemplo é o artigo “Transgênicos: avaliação da possível (in)segurança alimentar através da produção científica“, publicado na revista “História, Ciências, Saúde – Manguinhos”, da Fundação Oswaldo Cruz, em que os pesquisadores Maria Clara Coelho Camara, Carmem L.C. Marinho, Maria Cristina Rodrigues Guilam e Rubens Onofre Nodari revelaram que no Brasil os transgênicos começaram a ser aprovados e introduzidos não respeitando normas de biossegurança:
“Contudo, o mais intrigante é a aprovação de três tipos de milho transgênico, o milho Liberty Link (evento LL25), o milho Guardian (evento MON810) e o milho Bt11 (evento Bt11), sem estudos sobre segurança alimentar e riscos ao meio ambiente nos ecossistemas brasileiros, contrariando as normas mais elementares de biossegurança, razão pela qual o IBMA e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recorreram contra a decisão da CTNBio, junto ao Conselho Nacional de Biossegurança.”
Em outro artigo sobre o assunto, intitulado “Avaliação de riscos dos organismos geneticamente modificados“, publicado na Ciência e Saúde Coletiva, os pesquisadores Thadeu Estevam Moreira Maramaldo CostaI, Aline Peçanha Muzy Dias, Érica Miranda Damasio Scheidegger e Victor Augustus Marin, escreveram que a Comissão nacional de Biotecnologia (CTN-Bio), deveria tomar medidas mais enérgicas e cobrar, de toda e qualquer empresa ou instituição que desejasse produzir e/ou reproduzir transgênicos, estudos de análise de risco tanto para a saúde humana quanto para o ambiente, fazendo valer também o Código de Defesa do Consumidor e o Decreto nº 4.680, de 24 de abril de 2003. Um fato preocupante, já que ainda hoje isso não é prática comum.
Considerado um dos maiores especialistas em transgênicos do brasil, o engenheiro agrônomo, cientista, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e ex-membro da Comissão Nacional de Biotecnologia (CTN-Bio), Rubens Nodari disse em entrevista à jornalista Laís Araújo, do Brasil de Fato, em setembro de 2016, que entre os impactos dos transgênicos estão as toxinas produzidas, que podem causar danos a organismos benéficos como as abelhas, e a perda de variedade genética, decorrente do fluxo gênico. Segundo o pesquisador, o impacto, que já existe, é um aumento da contaminação das variedades não-transgênicas pelas transgênicas, causando a erosão genética. A constituição genética que estão nas variedades crioulas pode ser perdida.
Em 2016, outro trabalho sobre a produção de transgênicos foi realizado por Rinaldo Vieira da Silva Júnior, no Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imeecc) da Unicamp, apontando que no caso da coexistência de dois tipos de lavouras, a produtividade das duas deve cair, mas o maior prejuízo recai sobre a planta natural.
Segundo a reportagem “Transgênicos podem oferecer riscos para a biodiversidade“, do Jornal da Unicamp, embora os defensores dos transgênicos considerem esses organismos como a solução para a ampliação da produção de alimentos, os ambientalistas afirmam que os OGMs têm promovido o aumento do uso de agrotóxicos e comprometido de forma significativa a biodiversidade e a saúde da população nos países onde são produzidos.
Minha intenção não é demonizar os transgênicos ou o Drauzio Varella, mas esses questionamentos e dúvidas deixam claro que ainda não há o que exaltar ou comemorar. Por enquanto, há muitos estudos conflitantes e discordantes sobre o tema, e a população precisa ficar atenta ao desenvolvimento, benefícios, malefícios e consequências dos transgênicos.
Além das controvérsias envolvendo produção, consumo e impacto ambiental, outro ponto a se considerar é o viés econômico da produção de organismos geneticamente modificados, já que, de acordo com a Fundação Heinrich Böll, o pagamento de royalties é uma das consequências do plantio de sementes transgênicas, mas não é a única. O agricultor que planta sementes transgênicas fica vinculado, através de um contrato, à empresa dona da patente da semente.
Embora os transgênicos sejam apresentados como uma das soluções para resolver o problema da fome em países em desenvolvimento, a engenheira agrônoma Flavia Londres diz, em seu artigo “Transgênicos no Brasil: as verdadeiras consequências“, publicado pela Unicamp, que não é bem assim: “Um outro fator que se soma a estes é o modelo de agricultura no qual os transgênicos se inserem [uma “evolução” do modelo da Revolução Verde]. Caracterizado por extensos monocultivos altamente tecnificados, ele tem levado, em todo o mundo, à concentração de terras e à expulsão dos pequenos agricultores do campo. A exclusão social que vem em sua consequência só faz aumentar a fome nos países pobres.”
Saiba Mais
Alimentos transgênicos ou geneticamente modificados são produzidos a partir de organismo que sofreram alterações no DNA através de técnicas de engenharia genética.
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