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Um índio por um velho chapéu de aba larga
Garoto caiuá foi comprado para ajudar a escrever um dicionário de guarani
Em 1951, um frade capuchinho foi enviado a Paranavaí, no Noroeste do Paraná, com a missão de evangelizar os poucos índios que ainda viviam nas matas virgens da colônia. “Onde os colonos chegam, desaparecem os índios, os aborígenes do lugar”, escreveu o frei alemão Ulrico Goevert em publicação da revista alemã Karmel-Stimmen, sobre as experiências em Paranavaí.
Embora seja verdade, o missionário capuchinho conseguiu encontrar nativos de etnia caiuá vivendo na região. Como era impossível estabelecer a comunicação falada, o homem apelou para gestos. No começo foi difícil. Foram necessários dias para conquistar a liberdade de se aproximar dos índios.
Mesmo sem entender quase nada sobre os caiuás do Noroeste Paranaense, o frade ficou intrigado com os costumes e a língua guarani. Então um dia foi até um dos chefes da tribo, mostrou o próprio chapéu de aba larga e apontou para um jovem índio, sugerindo uma troca. Depois de avaliar bem o item, o líder caiuá acabou aceitando. “Ele literalmente o comprou com um velho chapéu”, registrou Goevert no relato escrito em um diário em 1957 e publicado no ano seguinte na Alemanha.
O garoto foi trazido até a área urbana de Paranavaí, onde serviu de referência para o frade escrever um dicionário de guarani. Todas as perguntas eram feitas por meio de sinais. Um trabalho moroso e não muito produtivo. Mas, obstinado, o capuchinho só retornou à aldeia depois de um bom tempo estudando a língua. Ainda hoje, não há informações sobre o destino do jovem subalterno trocado por um chapéu surrado. “Ele deixou de pertencer a tribo logo que foi comprado. Não tinha pra onde voltar”, comentou o pioneiro José Francisco de Oliveira.
Quem também viveu por muitos anos em Paranavaí e teve bastante contato com os caiuás, descendentes dos índios que sobreviveram às investidas dos bandeirantes paulistas e portugueses entre as décadas de 1620 e 1640, foi o frei alemão Alberto Foerst que tinha grande experiência como missionário.
No artigo “Noch Ein Missionsberich”, da edição número 10 da revista Karmel-Stimmen, de outubro de 1954, Foerst diz que para se aproximar dos caiuás, causando boa impressão, era preciso primeiro presenteá-los. “Dessa forma, ganhávamos a simpatia do cacique da tribo, tornando nosso trabalho mais fácil”, revelou. À época, um dos presentes preferidos era a caneta-tinteiro, pois a consideravam um lindo ornamento para colares.
Ainda assim, segundo Oliveira, os nativos costumavam evitar ao máximo o contato com outros povos. “Eles eram até pacíficos e bem tolerantes. Quando viram o chamado progresso chegando, em vez de nos atacar, eles partiram para uma grande área de mata fechada lá pelas bandas do Rio Ivaí, pra lá de Paraíso do Norte”, conta o pioneiro.
No pequeno livro “História e Memória de Paranavaí”, um lançamento póstumo de 1992, Ulrico Goevert lembrou dos episódios em que, não se sabe se por represália ou escassez de alimentos, os caiuás invadiram muitas roças da região para furtar milho e mandioca. “Era muito diferente daquela enaltecida raça com a qual o Karl May [um dos mais populares escritores alemães – criador de personagens heroicos como Mão de Ferro e Mão de Fogo] nos entusiasmou na adolescência”, queixou-se.
Em uma análise hermética e ocidentalizada, Goevert definiu os caiuás como figuras primitivas alheias à própria cultura. Ficou chocado nas diversas vezes em que os testemunhou comendo lesmas. “Não colocam mais em prática os conceitos morais e praticam a justiça por conta própria. E que mania eles têm de dormir a céu aberto. Não é de se admirar que tenham saúde tão precária”, reclamou em referência aos muitos que adoeceram e até morreram nos anos 1950 em decorrência da tuberculose. No entanto, é válido ressaltar que a doença chegou à região com migrantes e imigrantes.
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Sobre matanças e os temidos quebra milho
Experiências e impressões sobre criminosos que viveram em Paranavaí nos tempos de colonização
Embora tenha falecido há muitos anos, o frei alemão Ulrico Goevert, um dos pioneiros religiosos de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, tinha o hábito de registrar muito do que via e ouvia na antiga Fazenda Brasileira. O primeiro diário de Goevert sobre os fatos aqui vividos data de 1951. Sete anos mais tarde, a convite do padre provincial Adalbert Deckert, de Bamberg, no estado alemão da Baviera, o frei começou a publicar suas experiências em Paranavaí na revista germânica Karmel-Stimmen, onde ganhou uma coluna periódica.
Entre os relatos que mais chamaram a atenção dos alemães está um sobre as matanças promovidas pelos quebra milho, como eram chamados os jagunços e grileiros violentos que viviam na região de Paranavaí entre os anos 1940 e 1950. “Muitos que aqui chegavam de outros estados e países buscavam construir uma nova vida. Tudo isso resultou em uma grande mistura internacional”, conta Ulrico Goevert, acrescentando que no meio de tanta gente havia famílias sonhadoras, oportunistas gananciosos e aventureiros preocupados apenas com o presente.
O frei alemão admitiu anos mais tarde que entre 1951 e 1958 foi procurado por quebra milho das mais diversas origens. “Não foram poucas as confidências de assassinatos e crimes hediondos. Me procuravam pedindo para ajudar a tirar as mortes da consciência”, lembra. O contato frequente com a comunidade fez Goevert se aprofundar um pouco mais sobre o passado duvidoso de uma significativa parcela da população local. “Eu era procurado até por aqueles que não queriam mais do que continuar a sua velha safadeza neste novo lugar”, declara. Boa parte pedia informações ao padre sobre como providenciar novos documentos para dar início a uma nova vida, se isentando dos crimes do passado.
Em Paranavaí, no final dos anos 1940 até a metade da década de 1950, muita gente conseguiu mudar de nome, enganando a polícia e os perseguidores que percorriam milhares de quilômetros para acertar as contas. “Aqueles que demonstravam verdadeira boa vontade, eu consegui ajudar, possivelmente os livrando da morte. O que mais podia fazer se não contribuir para torná-los membros úteis de uma comunidade?”, questiona o frei alemão na coluna mais lida da revista Karmel-Stimmen em 1958.
Perdulários, os quebra milho eram temidos e chamavam muita atenção em Paranavaí pelos gastos astronômicos com bebidas, comidas e orgias em locais como a Boate da Cigana. No entanto, algumas festas eram particulares e aconteciam em locais afastados da cidade. “Eles apenas ordenavam que buscassem as moças, escolhidas a dedo, que iriam servir para o lazer”, confidencia o pioneiro cearense João Mariano.
Tudo era custeado com pequenas fortunas conquistadas em um curto período de tempo explorando mão de obra barata na derrubada de mata e lavouras ou cobrando dívidas e desapropriando terras ilegalmente. “Eram promotores de um estilo de vida totalmente imoral e leviano. Não tinham interesse em mudar. Viviam em função da sequência roubo, homicídio e morte”, registra o alemão.
Apesar de não haver dados sobre a quantidade de quebra milho nos tempos da colonização, é possível inferir que era o suficiente para amedrontar a população. “Não se passava um mês sem eu ter de dar a unção a alguma vítima de assassinato, nem sempre o morto fazia parte desta leviana corja. Tivemos muitos homicídios por causa de direitos de posse”, frisa Ulrico Goevert.
Os crimes eram quase inevitáveis quando dois ou mais proprietários de um mesmo pedaço de terra se encontravam. Um apresentava ao outro o documento que dizia ser legal e reivindicava o direito da área. “Um não queria ceder e muito menos o outro. A discussão só acabava quando puxavam o revólver”, afirma o frei que presenciou algumas dessas situações. Com o tempo, o alemão começou a tentar entender como várias pessoas tinham diferentes escrituras de uma mesma terra. Depois de muito pesquisar, Goevert descobriu que a diferença entre um documento e outro ultrapassava décadas.
A verdade é que em outros tempos alguns oportunistas compraram terras em áreas não colonizadas de Paranavaí e desistiram de construir, levando em conta o investimento com derrubada de mata e povoamento. Então esperavam anos, até alguém iniciar a colonização da região. O tempo passava e o governo autorizava uma nova venda de uma área comercializada muito tempo antes. “Quando tudo ficava aberto, limpo e habitável aparecia gente até com documentos do Século XIX e a confusão se armava”, detalha o líder religioso.
Não é à toa que até hoje há pioneiros em Paranavaí que culpam o governo federal e o governo paranaense por diversos assassinatos provocados por conflitos de posse e comissão de terras. “A situação esquentava e ninguém fazia nada. Se o poder público entrasse no meio para tentar amenizar a situação, quem sabe até disponibilizando uma nova terra à parte lesada, teríamos evitado tantas mortes. Com o sangue quente, e ninguém para ajudar, o peão perdia o controle e matava”, pondera Mariano.
As colonizadoras também ignoravam as negociações anteriores e simplesmente continuavam a atrair mais colonos com a venda de lotes pagos em pequenas parcelas. “Também perdi as contas de quantas mulheres apareceram reclamando a paternidade do filho e mostrando a foto do pai que já tinha outra família em Paranavaí”, desabafa o frei.
Normalmente o homem fugia de madrugada, abandonando as duas mulheres. A vontade de escapar da responsabilidade era tão grande que o sujeito atravessava a densa mata fechada habitada por animais silvestres e ainda cortava o Rio Paraná com algum bote. “É quase certo que no Mato Grosso o fujão começava tudo de novo”, lamenta frei Ulrico.
O perfil e a conduta dos quebra milho
De acordo com o pioneiro cearense João Mariano, os quebra milho eram homens das mais diversas origens que podiam andar em grupos, duplas ou sozinhos. Chegavam a Paranavaí com um plano de ação definido. Eram contratados para comandar as mais diversas atividades, desde grupos de peões atuando na derrubada de mata até cobranças de dívidas e comissões de terras. “Um quebra milho não sentia remorso em tirar uma vida, mas também não fazia isso de graça ou por qualquer coisa. Eram como mercenários, mas com código de conduta”, explica Mariano.
A conduta era ditada pelo dinheiro, não por vingança ou punição. Quanto maior a recompensa, menor a preocupação com a exposição. Se o retorno financeiro fosse grande, não se importavam em invadir um bar cheio de gente para assassinar três ou quatro pessoas. “Ele ia, fazia o serviço e partia, sem olhar para ninguém a sua volta, a não ser as vítimas. Só que se fosse incumbido de cobrar alguma coisa sem matar ninguém, o sujeito também atendia a exigência”, esclarece o pioneiro que ao longo da vida conheceu muitos quebra milho, inclusive teve amizade com alguns.
Ao contrário do senso comum, dificilmente reagiam quando eram provocados por alguém sem envolvimento com seus negócios. Isso porque não traria retorno financeiro – a lógica da função. Metódicos, os quebra milho da Fazenda Brasileira dificilmente agiam por impulso. Além disso, não atuavam apenas em Paranavaí, mas em todo o Paraná, chegando a prestar serviços em São Paulo, Mato Grosso (incluindo o Mato Grosso do Sul), Santa Catarina e Rio Grande do Sul, principalmente a serviço de grandes empresários e latifundiários.
“Sei de alguns que encheram caminhões de cadáveres lá pelas bandas de Querência do Norte numa desapropriação ilegal e forçada. Tudo foi feito a mando de uma família tradicional da região de Maringá”, segreda Mariano que viu quando o caminhão estacionou em frente ao antigo Hospital João Cândido Ferreira (Hospital do Estado), onde é hoje a Praça da Xícara.
O veículo encostou e de longe os curiosos sentiram um forte odor de sangue que invadiu o centro da cidade. João Mariano diz que nunca tinha visto tanta gente morta em um mesmo local. “Havia dezenas. A maioria foi levada direto para um necrotério improvisado. Tinha tanto sangue que escorria até pelos pneus”, assegura.
Por medo, nos anos 1940 e 1950, quando se falava em quebra milho, a maior parte da população não se manifestava sobre o assunto. Habilidosos com armas de fogo e armas brancas, inúmeros foram identificados como ex-jagunços, ex-guerrilheiros, criminosos condenados ou procurados, antigos membros de brigadas e de grupos paramilitares, além de desertores do Exército Brasileiro.
À época, como Paranavaí era apenas uma colônia, podiam ser facilmente identificados, mas ninguém queria se meter em confusão. Personagens controversos, os quebra milho fazem parte da história de Paranavaí, onde já viviam no princípio da colonização da Fazenda Brasileira na década de 1930. “Policiavam” e impediam que os migrantes atuando nas lavouras de café abandonassem o trabalho. Quem tentasse era abatido em barrancos às margens de algum rio ou durante a travessia. Antes do descarte de cadáveres, os criminosos os abriam, os enchiam com pedras, costuravam e os lançavam na água para afundar rapidamente, impossibilitando a localização.
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A perspectiva alemã sobre Paranavaí
“Havia enormes plantações, prados, pastagens, tudo interrompido por grandes florestas”
O padre provincial alemão Jacobus Beck veio a Paranavaí, no Noroeste do Paraná, em fevereiro de 1952 para conhecer o trabalho do frei Ulrico Goevert, responsável pela Paróquia São Sebastião. Na então colônia, Beck se surpreendeu e se identificou com alguns costumes. No mesmo ano, a experiência de três semanas foi registrada em várias edições da revista alemã Karmelstimmen, de Bamberg, no Estado da Baviera.
A curta passagem de Beck não permitiu que ele aprendesse a língua portuguesa. Por isso, pode-se dizer que o frei alemão está entre os padres germânicos que vieram a Paranavaí nos anos 1950 e não tiveram tempo de ter um profundo contato com a cultura dos moradores da colônia, fossem brasileiros ou estrangeiros. O fato fato foi o diferencial nos artigos publicados na Karmelstimmen, sob o título de “Meine Reise Nach Brasilien“.
Era um sábado, 9 de fevereiro de 1952, quando Jacobus Beck sobrevoou o Noroeste do Paraná. Observou ao longe os campos cortados por imensos rios. “Havia enormes plantações, prados, pastagens, tudo interrompido por grandes florestas. Mas foi só quando estávamos na região de Paranavaí que vi a mata virgem”, afirmou o alemão, acrescentando que tudo era tão belo que dava a impressão de que o céu se curvava diante do avião. Por volta do meio-dia, o padre se deparou com a colônia composta por um sem número de pequenas casas de madeira.
Logo o avião pousou no antigo Aeroporto Edu Chaves, atual Colégio Estadual de Paranavaí (CEP), ladeado por espessa mata primitiva. De lá, Beck pegou uma carona com o frei Ulrico Goevert em um jipe estadunidense. Foram para o centro da colônia, onde viviam mais de cinco mil pessoas. “Não era uma cidade ao modelo europeu com casas de pedras e ruas asfaltadas, mas também não lembrava nossas aldeias. As residências eram bem simples e remetiam às nossas barracas de feira. As vias pareciam os caminhos alemães que davam acesso aos areais”, comentou frei Jacobus.
O que chamou a atenção do alemão na Colônia Paranavaí foi a ordem e a limpeza, além da facilidade em se adquirir bens de consumo. De acordo com Beck, o povoado contava com muitos locais de lazer, carros e caminhões. “Isso já me lembrou a Alemanha, o tráfego dos veículos, os barulhos dos que vinham e dos que iam pelas ruas esburacadas”, frisou, rememorando que em 1952 três novas casas eram construídas por semana em Paranavaí. O padre também percebeu que a agricultura na colônia era voltada principalmente para a produção de café, algodão, arroz e milho.
“A terra de Paranavaí era muito fértil porque o solo era virgem”
Jacobus Beck estranhou o fato de não ter encontrado batata no povoado, um dos principais alimentos da culinária germânica. “Em Paranavaí se consumia a mandioca, uma hortaliça de raiz grossa que tem gosto e uso equivalente ao da batatinha”, avaliou o alemão que se surpreendeu com o tamanho do gado bovino criado na colônia, bem maior do que os animais alemães.
Nas passagens pelos pomares locais, entre as frutas tropicais que Beck experimentou e aprovou estavam banana, abacaxi, limão e figo. “A terra de Paranavaí era muito fértil porque o solo era virgem. Estava sendo trabalhado pelas mãos humanas pela primeira vez, então tinha uma umidade inacreditável. Apesar do calor tropical, chovia muito e acho que a proximidade com muitos rios e riachos ajudava”, enfatizou.
De acordo com o padre, o solo e as condições climáticas eram os principais fatores que atraíam tanta gente a Paranavaí. Havia brasileiros de outras regiões, europeus e japoneses. “Não cheguei a presenciar nenhum caso de racismo. Acho que todos viviam pacificamente”, destacou o frei que estranhou a maneira como a população local o cumprimentou, com abraços e tapas nas costas, embora admitiu que se acostumou.
Na Casa Paroquial, no quarto onde Jacobus Beck foi hospedado, o padre imaginou que encontraria janelas com vidraças e cortinas, ao melhor estilo alemão. “Foi uma procura em vão. Só havia uma grande abertura na parede e que era fechada à noite com janelas feitas de tábuas. Dormia na própria sacristia, com morcegos e camundongos “, ressaltou em tom bem humorado.
A hospitalidade dos moradores estava entre as melhores lembranças do frei. Segundo Beck, o que um tinha dividia com o outro. Além disso, os convidados de uma festa eram sempre tratados com muito carinho e atenção. “É claro que a maioria tinha pouco a oferecer, mas caso o agraciado não aceitasse, isso era entendido como uma ofensa”, observou.
“Ficamos com o jipe quase dependurado em muros de pedras”
À época, os padres eram vistos como autoridades de suma importância, tanto que por onde passavam ficavam rodeados de pessoas, como numa feira, na analogia de Beck ao perceber que a figura do vigário era muito estimada pela população. Até mesmo em casos de dores de dente, as pessoas procuravam o padre para dar uma solução ao problema ou então ofertar uma bênção.
Nas muitas vezes que percorreu as estradas de Paranavaí, achou o trânsito bastante intenso, até mesmo nas estradas por onde jipes e caminhões trafegavam dia e noite. “Isso ocorria porque muita gente era levada para as fazendas na mata virgem”, justificou.
À revista alemã, Jacobus Beck discorreu sobre um episódio em que foram até a Fazenda Santa Lúcia (situada em área que hoje pertence a Marilena) pela estrada da Água do 14, entre Piracema e Guairaçá, e tiveram de percorrer dezenas de quilômetros de mata a bordo de um jipe. “Nas subidas e descidas, muitas vezes ficamos com o jipe quase dependurado em muros de pedras. Chegamos a atravessar rios com o veículo. Encontramos animais selvagens, como répteis, e muitas plantações”, confidenciou o padre que enganou uma cascavel de cinco anos, com um metro e meio de comprimento, e cortou-lhe o guizo de cinco anéis para levar de lembrança à Alemanha.
Naquele tempo, às imediações do Rio Paraná, viviam um tenente e um pelotão de soldados do Exército Brasileiro dispersos por pequenas casas de madeira. Com eles, frei Ulrico e frei Jacobus tomaram chimarrão. O grupo era responsável por controlar as navegações fluviais, evitando contrabandos de produtos enviados à Argentina.
Curiosidades
Em artigo à revista alemã Karmelstimmen, Jacobus Beck escreveu que a mata primitiva que circundava o Rio Paraná era a maior floresta virgem do Brasil.
Nos anos 1950, por causa das dificuldades de tráfego, o avião era o meio de transporte mais usado pela população de Paranavaí, superando caminhões, jipes e carros.
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Um padre de muitos talentos
Henrique Wunderlich: padre, pintor, escultor, marceneiro e carpinteiro
O frei alemão Henrique Wunderlich viveu em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, apenas cinco anos, mas foi tempo o suficiente para deixar marcas indeléveis na cultura e história local, a partir de seus trabalhos com pinturas, esculturas, marcenaria e carpintaria.
Hartwig Wunderlich, conhecido como Frei Henrique, chegou a Paranavaí em setembro de 1952 para prestar assistência ao padre alemão Ulrico Goevert, responsável pela paróquia local, que em maio do mesmo ano recebeu autorização do bispo para fundar a igreja matriz. “Frei Henrique não era somente um padre, mas também excelente escultor, marceneiro e carpinteiro”, afirmou Goevert em publicação à revista alemã Karmelstimmen na década de 1950.
Wunderlich começou a mostrar suas qualidades artísticas em Paranavaí ajudando na construção da primeira Igreja São Sebastião, principalmente o altar-mor. À época, os dois padres tiveram de se desdobrar em engenheiros porque em Paranavaí não havia profissionais da área. O que exigiu bastante cautela, pois naquele tempo muitas igrejas tinham desmoronado na primeira tempestade, após construídas nas proporções erradas.
Frei Ulrico lembrou que não demorou para a igreja ficar pronta, apesar do árduo trabalho. Pouco tempo depois, Frei Henrique começou a lapidar um enorme pedaço de árvore para dar-lhe formas inimagináveis. Wunderlich, conhecido na Alemanha como um prolífico artista, logo que terminou o altar teve a ideia de criar um grande quadro de madeira com o símbolo da eucaristia. “Ele fez o peixe e o pão, e no mesmo estilo um cálice com hóstia nas portas do tabernáculo, além de uma enorme cruz atrás do altar”, declarou Goevert que se surpreendeu com o talento do frei em trabalhar com pranchas grossas e duras de madeira de marfim.
O padre se mostrou tão criativo em Paranavaí que desenvolveu métodos particulares de aplicação de tintas. De acordo com Frei Ulrico, primeiro, Wunderlich preparou uma talhadeira tipo cinzel e então esculpiu figuras e linhas na madeira. Frei Henrique preencheu tudo com tinta importada do Japão. “As gravações impediram que as cores se misturassem e logo tudo ficou belo e liso”, comentou Goevert que admitiu ter ficado maravilhado com os quadros de Wunderlich que mais pareciam mosaicos em madeira, tamanha a perfeição.
A população local também ficou extasiada com as criações de Frei Henrique. Não imaginavam que em Paranavaí havia um padre que ao mesmo tempo era um artista de exímias habilidades. O mais incrível é que Wunderlich criava muitas obras em questão de semanas. Uma das esculturas do frei que até hoje chama bastante atenção é a de Jesus pregado na cruz com uma feição carregada de saudade. “Como ele sentia muita falta da Alemanha acabou transmitindo isso ao crucificado”, revelou Frei Ulrico, citando a obra criada em 1953 e que pode ser vista no altar-mor da Igreja São Sebastião.
Outra peça do padre alemão muito lembrada pelos pioneiros de Paranavaí é o escudo dos carmelitas feito em madeira e que traz o lema da Ordem: “Zelo Zelatus Sum Pro Domino Deo Exercituum” que significa “Consome-me o zelo pelo Senhor, Deus dos exércitos.” Também se destacam as pinturas da Santíssima Trindade e da Rosa Mística. “Esta foi pintada como um botão aberto de uma tenríssima rosa da qual nasce a divina criança”, disse Frei Ulrico, acrescentando que junto ao altar, em cima do livro com sete selos, Wunderlich lapidou a imagem de Jesus como o bom pelicano e também como o cordeiro de Deus.
Das peças que podem ser apreciadas ainda hoje, entre as dezenas de esculturas e pinturas que Henrique Wunderlich legou a Paranavaí, uma das que desperta mais curiosidade é a outra escultura de Jesus na cruz, situada na Paróquia São Sebastião. Quem o observa de frente não consegue ver seu rosto. O crucificado está cabisbaixo e com o cabelo tapando parcialmente o rosto em uma simbologia de tristeza e ao mesmo tempo compaixão pelo próximo.
Para conseguir enxergar Jesus com nitidez a pessoa precisa se ajoelhar. A intenção de Frei Henrique era transmitir a ideia de que diante de Jesus crucificado, o cristão deve se abaixar em ato de respeito e adoração. Wunderlich viveu em Paranavaí até 6 de dezembro de 1957, data em que foi enviado de volta à Alemanha para trabalhar nas paróquias de Fürth e Schlusselau, no Estado da Baviera. Ao se aposentar em 1993, Henrique Wunderlich retornou para a sua cidade natal, Kulmbach, também na Baviera, onde viveu até falecer em 18 de abril de 2000.
Curiosidade
Henrique Wunderlich foi soldado do Exército Alemão de 1939 a 1945.
O impasse de terras durante a colonização
Uma propriedade era vendida diversas vezes a várias pessoas em Paranavaí
Em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, entre as décadas de 1930 a 1950, os conflitos por posses de terras não envolviam apenas grilagem, mas também negociações em que uma mesma propriedade era vendida ou doada diversas vezes a várias pessoas e em tempos distantes.
De acordo com o pioneiro cearense João Mariano, o conflito normalmente surgia quando o proprietário encontrava a propriedade já habitada, o que significava que o imóvel foi vendido a outra pessoa. “O mais curioso é que os dois donos apresentavam documentos que comprovavam direitos sobre a mesma terra”, afirmou o padre alemão Ulrico Goevert em carta à revista alemã Karmelstimmen na década de 1950. Em alguns casos, o problema era resolvido amigavelmente. Em outros, só com o derramamento de sangue.
Não foram poucos os familiares de soldados reformados, combatentes da Guerra do Paraguai, ocorrida entre dezembro de 1864 e março de 1870, que apareceram em Paranavaí nas décadas de 1930 e 1950 para reclamar direitos sobre terras. Algumas escrituras eram tão antigas que foram assinadas pelo imperador Dom Pedro II entre os anos de 1871 e 1889. “Como o caixa imperial estava vazio, as tropas vencedoras foram pagas com terras legalmente documentadas”, frisou Goevert em publicação da Karmelstimmen em 1958.
Mas por que depois de décadas é que os primeiros proprietários apareceram para reclamar direitos de posse? A verdade é que muitos daqueles que foram beneficiados com propriedades em Paranavaí, inclusive soldados do Exército Brasileiro, não possuíam recursos financeiros para investir na colonização da área, além de outros que não tinham interesse em desmatar uma localidade que até então não era povoada.
“Antes da região ser aberta ninguém queria vir pra cá, mas depois apareceram proprietários com documentações do Século XIX. A situação se complicou porque o governo paranaense repassou as terras à colonizadoras que lotearam tudo e venderam pequenas parcelas aos colonos. Disso nasceu muita injustiça e revolta”, disse Goevert.
Em Paranavaí, também houve casos de pessoas que pagaram caro pelos imóveis e receberam documentos falsos. De acordo com o padre alemão, os problemas só começaram a ser resolvidos quando o Governo do Paraná enviou funcionários para lidarem com todas as situações envolvendo posse de terras. “Se alguém chegasse com documento antigo exigindo os seus direitos era estabelecido um acordo. Se a pessoa realmente quisesse aquela terra teria de pagar ao novo proprietário por todas as despesas com benfeitorias. Muitas vezes, a soma era tão alta que a pessoa desistia”, garantiu Ulrico Goevert.
Colonizadoras enganaram muita gente
Em publicação no periódico alemão em 1958, o padre também falou sobre as colonizadoras fraudulentas que ludibriaram muita gente. Algumas adquiriam glebas de pelo menos 20 mil alqueires e vendiam chácaras com 5 e 10 alqueires a preços abaixo do mercado. As negociações eram feitas em escritórios sediados em cidades bem distantes de Paranavaí, como São Paulo. “Muitos se interessavam apostando na especulação da terra. Então quando a propriedade já estava valorizada, o proprietário vinha conhecer o local e se deparava com pessoas já vivendo no seu imóvel”, destacou Goevert.
Quando o reclamante ia até a Inspetoria de Terras se informar sobre o problema, nada era feito. Sempre ouviam as seguintes palavras: “O senhor é só mais uma das vítimas desta colonizadora fraudulenta. Realmente teve azar.”
Entre os anos 1930 e 1950, nem todas as colonizadoras compraram terras, algumas as conseguiram após prestarem serviços ao Governo do Estado. Prática muito comum naquele tempo era a de aventureiros se embrenharem na mata virgem e percorrerem rios, realizando pesquisas topográficas sobre a região ao longo de meses. Encerrado o trabalho, o resultado era apresentado ao governador que em retribuição doava áreas de milhares de alqueires para o aventureiro colonizar.
Criminosos eram trazidos a Paranavaí
Os pioneiros perderam as contas de quantos refugiados e criminosos de outros Estados e países vieram a Paranavaí entre as décadas de 1920 e 1950. Não foram poucos os que mudaram de nome ao chegar à colônia, interessados em construir uma nova vida. “Também houve muitos que me confidenciaram terem praticado crimes hediondos. Mas eu não podia fazer nada, a não ser ajudá-los”, revelou o padre alemão Ulrico Goevert em publicação à revista alemã Karmelstimmen em 1958.
O cearense João Mariano lembrou que até a década de 1940, a mata primitiva de Paranavaí era muito usada pelo Governo Paranaense para despejar criminosos de alta periculosidade. “Até os anos 1950, jogaram muitos bandidos lá na região que hoje pertence a Nova Aliança do Ivaí, assim como em Querência do Norte. O Estado não queria mais gastar dinheiro com essa gente. Como a pessoa não tinha pra onde ir, no caso de sobreviver, o jeito era virar peão e se adequar à nova vida. Alguns ainda conseguiam trabalho como jagunços, pois eram bons no gatilho”, enfatizou Mariano.
Aqueles que preferiam manter o estilo de vida criminoso viviam somente o presente, sem se preocupar com o futuro. Por isso, muitos gastavam tudo que ganhavam com bebidas e orgias. “Quem vivia nesse mundo, mais cedo ou mais tarde, seguia essa sequência: roubo, morte e homicídio”, assinalou Goevert.
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Colonizadoras compravam terras a “preço de banana”
Era possível comprar centenas de alqueires pelo preço de um hectare
Entre os anos 1920 e 1950, inúmeras colonizadoras compraram milhares de alqueires de terras a “preço de banana” na região de Paranavaí. Naquele tempo, a prática já era considerada como “negociação de valor simbólico”.
O dinheiro usado hoje na compra de um hectare de terra na região de Paranavaí, no Noroeste Paranaense, era o suficiente para a aquisição de uma área de centenas de alqueires de mata virgem nos tempos da colonização. “A única exigência do governo era que o colonizador se comprometesse em fundar uma colônia”, relatou o pioneiro e padre alemão Ulrico Goevert em texto publicado na revista alemã Karmelstimmen nos anos 1950.
O primeiro passo era enviar centenas de homens com traçadores e outras ferramentas para desmatarem a área tendo o suporte de caminhões e tratores. Segundo Goevert, a mata era derrubada e queimada, dando lugar a loteamentos e estradas. “A queimada era uma das piores partes, pois era demorada e atingia tudo em um raio de até quilômetros”, comentou o pioneiro cearense João Mariano.
As colonizadoras mal começavam a investir na divulgação da venda de terras e logo estavam lucrando. “Se ganhava rios de dinheiro assim”, afirmou o padre, acrescentando que as pessoas que mais compravam lotes eram comerciantes e outros trabalhadores urbanos. Porém, com o tempo, a comercialização de terrenos estagnava, então os investidores autorizavam a doação de até 500 lotes.
Quem ganhava um imóvel assinava um documento se comprometendo a construir uma residência em um prazo médio de três meses, do contrário, perdia o direito de posse. “Esse tipo de especulação atraía muita gente. Entretanto, com o tempo, mais de 30% das casas foram abandonadas”, revelou Ulrico Goevert. Isso acontecia quando muitos não acreditavam na evolução da colônia, principalmente em função da má qualidade de vida. As primeiras residências criadas pelos colonizadores se resumiam a ranchos, eram cobertas com tabuinhas.
Na região, as colonizadoras enviavam primeiro uma família de bom nível cultural e bem comunicativa, como estratégia para atrair novos moradores. Era uma prática bastante eficaz na região de Paranavaí e que serviu para conquistar o interesse de milhares de pessoas. “Essa família também se responsabilizava pelo desbravamento e pelas queimadas”, disse o padre.
Quando a colônia já reunia centenas de famílias era deliberada a fixação de uma grande cruz em área que os moradores definiam como a ideal para a futura construção de uma igreja. Normalmente, a bênção da cruz e a celebração da primeira missa marcavam o início das atividades religiosas no povoado. “Tudo era feito com a presença do padre da paróquia ao qual o lugarejo pertencia. Era sob a sombra da grande cruz que a colônia se desenvolvia”, frisou Goevert. Segundo pioneiros, para a população, a cruz não era apenas um símbolo religioso, mas também de paz, confiança comunitária e cumplicidade.
As serrarias quase sempre surgiam após a fixação da cruz. Onde tal símbolo religioso se erguia havia uma legião de moradores crentes no desenvolvimento do povoado. De acordo com Ulrico Goevert, a serraria representava um marco para a colônia, pois logo desapareciam os primitivos ranchos que cediam espaço às belas casas de madeira. Semanas após a criação da marcenaria, o pároco retornava, reunia a comunidade e pedia para formarem uma comissão eclesial para a construção de uma capela ou igreja. “Era normal todos ajudarem nessa empreitada”, enfatizou o alemão.
Como surgiu o Colégio Paroquial
Frei alemão Ulrico Goevert fundou a escola em 1952
O Colégio Paroquial Nossa Senhora do Carmo foi fundado em Paranavaí em 1952 por iniciativa do frei alemão Ulrico Goevert que queria erradicar o analfabetismo local. Até 1952, o único espaço de alfabetização era o Grupo Escolar de Paranavaí, atual Colégio Estadual Newton Guimarães, que teve como primeira diretora a professora Enira Moraes Ribeiro. “Me veio o pensamento de fundar uma escola paroquial. Convenci o Frei Estanislau [o pernambucano Agripino José de Souza] a fazer um exame de qualificação para dar aulas”, contou Frei Ulrico no livro “Histórias e Memórias de Paranavaí”.
A escola foi inaugurada em um velho barracão que passou por uma rápida reforma. Como não havia dinheiro para investir no colégio, tiveram de pedir tábuas emprestadas para a confecção das carteiras escolares. “Também eram usadas como mesas durante as festas”, confidenciou o padre que mais tarde recebeu uma intimação do inspetor de ensino do Estado do Paraná. Caso não construíssem um prédio novo, teriam a autorização de funcionamento revogada. Apesar das dificuldades, o frei alemão conseguiu atender a ordem do governo a tempo. Para isso, recebeu ajuda financeira da comunidade local e também da Ordem dos Carmelitas na Alemanha.
Em 1952, antes do início das aulas, Frei Ulrico abriu matrículas para 220 alunos, divididos em quatro salas, duas para garotos e duas para garotas. Frei Estanislau era o responsável pela turma do primeiro ano primário. No começo, o trabalho na escola foi muito difícil, inclusive eram constantes as reclamações de pais de alunos que questionavam os métodos de ensino.
Após acompanhar algumas aulas de perto, o padre alemão percebeu que algumas professoras tinham influência negativa sobre os alunos, então as substituiu. “Frei Estanislau tinha um refinado talento para lidar com as crianças. Quem o ajudava nessa missão era a professora Irene Gomes Patriota que se encarregava das meninas”, lembrou Goevert.
Irene, que nasceu no Distrito de Angelin, em Garanhuns, Pernambuco, chegou a Paranavaí em 17 de novembro de 1944. Deixou a cidade em janeiro de 1963, quando seu pai Leodegário Gomes Patriota faleceu. Segundo Frei Ulrico, Irene Patriota foi uma das melhores professoras do Colégio Paroquial.
“Eu dava preferência para as professoras mais feias”
“Era difícil conseguir uma boa professora. Não me esqueço de uma que ia muito bem, mas conheceu um jovem engenheiro, se casaram e ela deixou a escola”, lamentou o padre que era muito exigente e não admitia que alguém lecionasse sem comprovar qualificação. A partir do acontecido, Frei Ulrico se tornou mais cauteloso. Optou por não aceitar mais belas professoras na escola. “Eu dava preferência para as mais feias, aquelas que ficaram noivas duas ou três vezes pelo menos”, frisou.
Em menos de cinco anos, a escola somou 600 estudantes e 18 professoras. “360 alunos estudavam de graça”, enfatizou o padre, acrescentando que as crianças do colégio tinham de ir à missa todos os sábados. “Às quartas-feiras, dávamos aulas de catequese para 1,4 mil crianças. Em cada turma, havia cerca de 500 crianças. Fui duramente criticado pelo frei Adalbert Deckert [padre provincial de Bamberg, no Estado alemão da Baviera], e com razão, pois eu não tinha como dar um tratamento individual a cada aluno”, admitiu Ulrico Goevert.
A primeira diretora do Colégio Nossa Senhora do Carmo foi Eugenia Araújo Rauen, a quem o Frei Ulrico chamava de “minha professorinha”. Eugenia assumiu a direção da escola, pois tinha cursado a Escola Normal do Instituto de Educação de Curitiba. “Como ela era funcionária da Secretaria de Agricultura, não podia dar expediente na Escola Paroquial, então só assinava os documentos”, revelou o padre.
Colégio Paroquial ficou em primeiro lugar no Paraná
Em 1956, o Colégio Paroquial Nossa Senhora do Carmo foi eleito o melhor estabelecimento de ensino do Paraná após uma avaliação do nível de conhecimento dos estudantes. O primeiro lugar trouxe a Paranavaí o inspetor estadual de ensino, cargo que equivale hoje ao de Secretário Estadual de Educação, que fez questão de parabenizar o padre Ulrico Goevert.
O frei atribuiu o ótimo desempenho dos alunos ao trabalho da professora Rosa Akie Noguti, filha de imigrantes japoneses, que chegou a Paranavaí em 1953. “Uma boa professora diplomada. Em três anos, ela fez um progresso enorme com os estudantes”, avaliou o padre.
Nos primeiros anos, cada estudante do Colégio Paroquial pagava uma mensalidade de 30 cruzeiros. A quantia era o suficiente apenas para cobrir as despesas com seis professores. “Foi aí que me dei conta que se eu quisesse ter bons professores precisaria pagar mais, assim eu poderia exigir melhores resultados”, ponderou.
Jardim da Infância foi criado em 1954
Como havia muitas crianças em Paranavaí em 1954, o frei alemão Ulrico Goevert percebeu a necessidade de se criar um jardim de infância para oferecer educação e recreação aos menores. Sem dinheiro para investir em infraestrutura, o padre ampliou a igreja em sete metros, fez uma repartição e conseguiu doações de mesinhas e cadeiras. “Quem me ajudou foi Maria de Lourdes Gomes Patriota, uma idealista moça de 19 anos”, explicou o padre alemão.
Ao término da obra, o Jardim da Infância Nossa Senhora do Carmo recebeu matrículas de 40 crianças. Logo estavam com 60 e tiveram de construir uma nova escolinha para abrigar os alunos. O Jardim da Infância passou a funcionar na Quadra 77, na esquina da Rua Getúlio Vargas com a Rua Pará, onde é atualmente a casa das Irmãs Filhas da Caridade da Escola São Vicente de Paulo.
Entre os alunos que estudaram no Jardim da Infância, estava uma criança de três anos, conhecida como Alencarzinho, filho do advogado José de Alencar Furtado.
Certo dia, o garotinho teve um choque anafilático, não resistiu e faleceu. “Quando ele entrou em agonia, cantou ‘Ave, Ave, Ave Maria’ com a vozinha cada vez mais fraca, até dar o último suspiro. Ele aprendeu o canto no nosso Jardim da Infância”, destacou Frei Ulrico.
Saiba Mais
Em 1952, Paranavaí tinha um elevado índice de analfabetismo entre as crianças.
O Colégio Paroquial Nossa Senhora do Carmo recebeu licença oficial de funcionamento do Governo do Estado do Paraná em 17 de junho de 1956. O documento permitia que a escola oferecesse o nível primário de ensino. A licença para o ginasial foi conquistada em 22 de fevereiro de 1960.
Após a morte do pai, Leodegário Gomes Patriota em 17 de janeiro de 1962, a professora Irene Patriota se mudou para Curitiba. No dia 16 de outubro de 1970 deixou a capital e fixou residência em Apucarana, no Norte Central Paranaense.
A primeira professora do Jardim da Infância Nossa Senhora do Carmo, Maria de Lourdes Patriota, é irmã da professora Irene Patriota. Lourdes nasceu no dia 21 de janeiro de 1932 em Brejão, Pernambuco.
Em 1960, Maria de Lourdes e o marido, Jarbas Nogueira dos Santos, funcionário da Caixa Econômica Federal, deixaram Paranavaí. Se mudaram para Bandeirantes, no Norte Pioneiro Paranaense, onde viveram por um ano, até fixar residência em Apucarana. Desde 1983, Lourdes Patriota mora em Curitiba.
Em 1955, Rosa Akie Noguti, que nasceu em 10 de janeiro de 1934 em Vera Cruz, interior de São Paulo, assumiu o cargo de diretora do Colégio Paroquial, onde trabalhou até maio de 1960. Depois se casou com Paulo Fumio Watanabe e em 1978 se mudou para Curitiba.
José de Alencar Furtado era pai do deputado federal Heitor de Alencar Furtado, assassinado em 1982, que empresta o nome para a avenida mais importante de Paranavaí.
Quando três padres escaparam da morte
Voo quase termina em tragédia em 6 de julho de 1955
Em 1955, após visita ao bispo de Jacarezinho, no Norte Pioneiro Paranaense, três padres alemães que retornavam a Paranavaí, no Noroeste do Paraná, escaparam da morte durante uma tempestade iniciada quando sobrevoavam Arapongas, na região Norte Central.
No dia 6 de julho de 1955, os padres alemães Adalbert Deckert, Jacobus Beck e Ulrico Goevert decidiram visitar o bispo diocesano de Jacarezinho, Dom Geraldo de Proença Sigaud.
À época, Paranavaí passava por um período de chuvas, mesmo assim os freis decidiram arriscar. Alugaram um avião teco-teco para quatro passageiros e partiram. “Confiamos corajosamente naquela cegonha de lata”, comentou o frei alemão Adalbert Deckert no livro “As Aventuras de Três Missionários Alemães em Paranavaí”.
Naquele tempo, segundo os padres que participaram da viagem, era um prazer indescritível sobrevoar florestas, roças, rios e colônias. Em Jacarezinho, tudo correu bem e ao final da visita que durou duas horas o bispo Dom Geraldo os levou de carro até o aeroporto. Na viagem de retorno, o piloto os alertou que uma ventania em direção contrária impedia que o teco-teco voasse mais rápido.
Aos poucos o céu escureceu e o piloto sugeriu uma parada em Arapongas. Os padres não gostaram da ideia porque optaram por viajar de avião para retornar a Paranavaí no mesmo dia. Apesar das contrariedades, ao longo de dez minutos o piloto sobrevoou a cidade até aterrissar em um campo de aviação. “Estávamos desgostosos por causa da parada involuntária e da necessidade de pernoitar ali. Só depois percebemos que diante da tormenta não demos conta do perigo”, admitiu frei Adalbert.
Do pequeno aeroporto, foram de carro até um hotel enquanto uma tempestade atingiu Arapongas, acompanhada por uma forte chuva de granizo. De acordo com Deckert, era um temporal como jamais visto na Alemanha. “No hotel, a água gotejava do telhado sem parar”, destacou. Mais tarde, os padres foram informados que a tormenta causou sérios danos ao teco-teco usado na viagem. Todos os aviões que estavam no campo de aviação foram danificados.
Mesmo amarrado, um dos veículos foi arremessado do outro lado da estrada, sobre um cafezal. Na manhã do dia seguinte, foi encontrado em um cafezal com as rodas para o ar. “Até mesmo um bimotor enorme foi inutilizado pelo temporal. Ficamos com pena do nosso piloto que era o proprietário do avião, mas não podíamos fazer nada”, afirmou Adalbert Deckert.
Para retornar a Paranavaí, os freis alemães tiveram de pegar outro voo. Quando chegaram aqui, não puderam aterrissar porque uma densa neblina tomou conta da cidade no dia 7 de julho de 1955. A visibilidade era praticamente nula. Porém, isso não abalou os padres. Estavam cientes de que no dia anterior viveram o pior, se livraram da morte. “Nossos sentimentos eram de agradecimento, pois se o táxi aéreo não tivesse aterrissado, a repentina e fulminante tempestade nos teria jogado ao chão como folha de papel”, avaliou frei Adalbert.
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Os padres decidiram viajar até Jacarezinho com um teco-teco porque caso optassem por um avião de linha a viagem seria muito mais demorada. Outro problema era que além do risco de atrasos envolvendo partida e chegada, aviões que comportavam mais de quatro passageiros tinham de cumprir uma parada obrigatória em Londrina, no Norte Central Paranaense.
A viagem de frei Ulrico
“Era um lugar para onde ninguém queria ir, nem os capuchinhos”
Em 1951, o padre alemão Ulrico Goevert se mudou para Paranavaí, no Noroeste do Paraná, atendendo a um pedido do bispo Dom Geraldo de Proença Sigaud. Durante a viagem, o frei conheceu toda uma região ainda em colonização.
Quando deixou Recife, em Pernambuco, no início de 1950, Ulrico Goevert foi para a Ordem dos Carmelitas de São Paulo. Certo dia, em diálogo com o frei Jerônimo Van Hinthem, o padre alemão disse que gostaria de ir para um lugar onde fosse possível fundar a própria paróquia. Van Hinthem recomendou que Goevert conversasse com o bispo de Jacarezinho, no Norte Pioneiro Paranaense, Dom Geraldo de Proença Sigaud.
À época, os carmelitas conseguiram uma passagem de trem para frei Ulrico. Depois de quase dois dias, o padre alemão chegou a Ourinhos, no interior paulista, onde embarcou em um ônibus para Jacarezinho. Logo que chegou, o frei foi direto para o palácio episcopal falar com Dom Geraldo de Proença.
O bispo mostrou ao padre alemão um mapa da diocese e pediu que frei Ulrico escolhesse uma entre cinco cidades com paróquias vagas. “Com confiança, respondi que ele poderia decidir por mim, pois sabia onde eu deveria satisfazer os desejos dos meus superiores”, lembrou Ulrico Goevert no livro de sua autoria “Histórias e Memórias de Paranavaí”.
O bispo então falou de Paranavaí que tinha a maior área de toda a Diocese de Jacarezinho. Eram 12 mil quilômetros quadrados. “Uma terra nova, onde tudo deveria ser organizado”, disse Dom Geraldo. Nenhuma ordem religiosa tinha interesse em dirigir a paróquia de Paranavaí. “Era um lugar para onde ninguém queria ir, nem os capuchinhos”, declarou o bispo, referindo-se a Ordem dos Frades Menores. A má fama da cidade e o fato de se situar numa área isolada de mata virgem eram os principais motivos para os padres recusarem o trabalho.
O frei alemão aceitou a missão sem pestanejar, inclusive quis viajar de avião para chegar o mais rápido possível a Paranavaí. Dom Geraldo sugeriu que a viagem fosse feita de trem. Era uma maneira de mostrar ao padre estrangeiro como era uma região em colonização. Até Apucarana, no Norte Central Paranaense, frei Ulrico se surpreendeu com a imensidão e beleza dos cafezais.
O que também chamou a atenção do alemão foi o clima. Acostumado ao calor pernambucano, teve de se habituar no Norte do Paraná a temperaturas inferiores a 15 graus Celsius. “Isto me gelava a noite toda. O que era bem diferente de Pernambuco, onde vivi por 15 anos e tanto de dia quanto de noite fazia muito calor”, admitiu o padre.
“Tive uma desoladora impressão com as enormes árvores deitadas”
Na jovem Apucarana, frei Ulrico Goevert celebrou uma missa e saiu para conhecer a cidade. Não havia muitas residências e todas eram de madeira, o que contrastava com o solo amarelecido. “Naquele dia, ventou muito e uma nuvem de pó se formou. Era possível enxergar poucos metros de distância”, relatou Goevert. Os carros eram obrigados a trafegar com os faróis ligados, o que fez o padre lembrar da Alemanha, onde acontecia o mesmo em períodos de neblina.
Ainda em Apucarana, o padre provincial dos josefinos comprou duas passagens de ônibus com destino a Paranavaí. Em Maringá, que era menor que o atual Distrito de Sumaré, pararam para lanchar em um boteco. Quando a viagem foi retomada, frei Ulrico se extasiou com o que viu da mata virgem da região Sul. Também percebeu que aqui já se praticavam queimadas entre os meses de agosto e setembro.
O desmatamento, embora incipiente, castigava a natureza e fazia surgir colossais fortalezas de fumaça que privavam o sol das mais simples e complexas formas de vida. A estrela parecia triste e encolerizada diante da intervenção humana. “Era como um prato muito avermelhado”, comparou frei Ulrico que nunca tinha visto nada parecido.
Os olhos do padre não destoavam do chão forrado de um branco acinzentado que atravessava a mata em direção às estradas, cobrindo o caminho percorrido pelo ônibus. Para frei Ulrico, talvez a natureza estivesse enlutada. “Parecia neve suja. Tive uma desoladora impressão com as enormes árvores deitadas como corpos mortos no solo. Ao lado, arbustos queimados que estendiam os poucos galhos nus como se suplicassem ajuda aos céus”, poetizou o padre. Atento à reação do frei, o provincial dos josefinos sugeriu que o alemão se acostumasse com os tristes aspectos da colonização.
A última mudança na paisagem ocorreu depois que passaram pela Capelinha, atual Nova Esperança. A terra roxa, de tonalidade vívida, não existia ali, somente o claro e frágil solo arenoso de tom acinzentado. “Ao anoitecer, finalmente chegamos a Paranavaí”, enfatizou Ulrico Goevert em menção ao dia 1º de setembro de 1951. A viagem mostrou ao padre que no Norte do Paraná a natureza se diversificava mesmo a poucos quilômetros de distância.
A cruz que evitou uma tragédia
Cruz da Igreja São Sebastião impediu desastre de avião
Em fevereiro de 1953, a cruz da Igreja São Sebastião, então situada no ponto mais alto de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, serviu de referência para um avião que sobrevoava a cidade, evitando assim uma tragédia.
Em maio de 1952, o bispo Dom Geraldo de Proença Sigaud, de Jacarezinho, no Norte Pioneiro Paranaense, ciente de que a única igrejinha de Paranavaí não atendia mais a demanda populacional, autorizou o frei alemão Ulrico Goevert a construir uma igreja matriz. “Era um assunto de urgente necessidade”, afirmou o padre no livro “Histórias e Memórias de Paranavaí”.
Naquele tempo, a cidade tinha um cruzeiro que se situava na atual Avenida Distrito Federal, esquina com a Rua Antônio Felippe, em frente a igrejinha criada em 1944 e que foi ampliada. O cruzeiro fez parte do cotidiano da comunidade local até 1952, quando foi construída a igreja matriz. “Serramos os paus do cruzeiro e fizemos a nova cruz da torre da igreja com 25 metros de altura”, lembrou o pároco alemão.
No mesmo ano, a energia elétrica chegou a Paranavaí, então a cruz que ficava no topo da igreja recebeu iluminação pública pela primeira vez. “Até então quem fornecia energia elétrica para a igreja era o pioneiro Leodegário Gomes Patriota que tinha um gerador no Posto São Cristovão”, declarou frei Ulrico.
A cruz não servia de alento apenas aos religiosos de Paranavaí, mas também para os pilotos que se perdiam quando o mau tempo prejudicava os voos. “A nossa cruz, iluminada no alto da torre da Igreja São Sebastião, já deu um excelente resultado. Numa noite, salvou a vida de três pessoas que viajavam de avião e atravessaram uma tempestade”, escreveu o padre alemão Henrique Wunderlich para a revista alemã Karmelstimmen em 9 de fevereiro de 1953.
O piloto, que hoje ninguém sabe de onde vinha e para onde ia, ao avistar a cruz reconheceu que o lugar era uma cidade e iniciou uma série de sinalizações, na expectativa de que alguém entendesse a mensagem visual e o socorresse. Todos os moradores que tinham carros, jipes ou caminhonetes foram até o campo de aviação, onde formaram duas filas luminosas com os faróis. Sem demora, o avião que estava quase sem combustível aterrissou em segurança. Na hora do desembarque, o piloto tirou o boné e disse: “Deus com sua cruz salvou nossas vidas.”
Frase do padre alemão Ulrico Goevert
“A cruz era o ponto mais alto de Paranavaí e aos seus pés estendeu-se a cidade.”
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