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A gloriosa e trágica história da vaca Heroína
Nem sempre as vacas aceitam o seu suposto destino após uma vida de exploração como vaca leiteira
Nem sempre as vacas aceitam o seu suposto destino após uma vida de exploração como vaca leiteira. Exemplos não faltam. Um dos mais recentes foi registrado no sul da Polônia, quando uma vaca, transportada em um caminhão até um matadouro, conseguiu fugir, derrubando uma cerca e nadando até uma das ilhas do Lago Nyskie, que faz parte do Rio Nysa Kłodzka. As suas companheiras não tiveram a mesma coragem.
De acordo com o site polonês Wiadowmosci, o senhor Lukasz, o pecuarista que enviou a vaca para o matadouro, lucraria o equivalente a pouco mais de R$ 5,6 mil com a sua morte: “Eu a vi debaixo d’água, mergulhando”, disse. Pensando no dinheiro, o pecuarista procurou um veterinário local para atirar na vaca com um tranquilizante e levá-la de volta. Além do animal escapar mais uma vez, o veterinário não pôde fazer nada porque estava sem munição a gás.
O pecuarista então desistiu de capturá-la e deixou comida na ilha. Dias depois, quando os bombeiros usaram um barco para atravessar o Nyskie, a vaca que ficaria conhecida como Heroína, nadou mais de 50 metros até uma península vizinha. Um político local, Pawel Kukiz, se ofereceu para salvá-la da morte. Em sua página no Facebook, ele declarou que “ela fugiu heroicamente, e que não era a primeira vez que uma vaca fugia em busca da liberdade.”
Kukiz logo encontrou um santuário para recebê-la. No dia em que a vaca seria enviada para o novo lar, um veterinário e quatro equipes de resgate navegaram até a ilha. O medo de Heroína em retornar ao matadouro era tão grande que ela desapareceu em meio à densa vegetação.
Foram necessárias algumas horas e três dardos tranquilizantes para contê-la. No entanto, o estresse vivido por Heroína ao longo de quatro semanas, e o medo do contato humano, fez com que ela falecesse após o resgate, em decorrência de um ataque cardíaco.
Talvez a história de Heroína sirva de lição para entendermos que a vontade de viver não é uma prerrogativa estritamente humana, e o quanto é traumatizante para um animal ser explorado exaustivamente e mais tarde enviado para um matadouro, onde sua vida vale o preço de sua carne.
Será que vale a pena consumir leite e derivados?
Imagine carregar um bebê no ventre por nove meses, sentindo que existe outra vida dentro de você, e assim que ele nascer, ser retirado do seu convívio. Esse tipo de privação é a realidade comum da indústria de laticínios. Reflita sobre o nível de estresse da vaca e do bezerro nessa situação. No sistema industrial não é incomum os bezerros mamarem somente uma vez (ou nem isso) se não forem considerados “interessantes” como matéria-prima.
Caso haja o interesse de comercializar carne de vitela, eles normalmente passam dois dias com a mãe para serem amamentados com o colostro, o que previne doenças e evita que a carne do bezerro seja desqualificada comercialmente. Depois são separados definitivamente e confinados em gaiolas, baias ou qualquer outro espaço reduzido – onde são alimentados com um leite artificial pobre em ferro e outros nutrientes que ajudam a tornar a carne “mais clara, tenra e macia”.
A carne classificada como ideal é obtida após a morte de um bezerro com idade entre três e seis meses. Para produtores que não têm interesse nesse tipo de mercado, o que é muito comum no setor nacional de laticínios, a morte do bezerro pode ser decretada logo após o nascimento; já que ele é considerado descartável – ou simplesmente um efeito colateral de um processo. De fato, suas necessidades como ser senciente não são ponderadas, e a sua curta existência é apenas uma forma de assegurar a manutenção da produção leiteira.
Afinal, uma vaca precisa gerar vidas para entrar no período de lactação – seja de curta, média ou longa duração. Sendo assim, isso nos leva a uma óbvia conclusão. Se uma vaca produz leite, mesmo que geneticamente modificada e condicionada a produzir volumes incomuns, ela não o faz para alimentar seres humanos, mas sim por um dom natural que é alimentar seus filhos, assim como faziam seus ancestrais antes da intervenção humana.
Como a realidade do “gado leiteiro” pode ser pior do que a realidade do “gado de corte”?
Na produção de carne, você engorda um animal e o mata precocemente. De fato, sua expectativa de vida não é considerada porque isso significa custos e desvalorização de matéria-prima. Sim, isso é muito ruim. Por outro lado, na produção de leite, há o custo da exploração da vaca até a exaustão, ou seja, até o momento em que ela deixa de atingir níveis aceitáveis de volume leiteiro.
Assim, claro, em decorrência disso, e sob a perspectiva de mercado, ela passa a ser considerada inútil e descartável. Consequentemente, seu destino comum é o matadouro e mais tarde o setor de frios dos mercados – onde não raramente pode ser encontrada em forma de pedaços de hambúrguer. E para além disso, há ainda a inevitável morte do bezerro – que pode ou não ser reduzido a pedaços de carne, dependendo do contexto e do país.
Não está tudo bem em consumir leite
Quem acha que está tudo bem em consumir leite porque ele é apenas extraído dos úberes da vaca realmente não tem a mínima ideia de como funciona esse sistema. Como diz o Gary Francione, há muitas pessoas que nem imaginam que pode haver até mais sangue na produção de um copo de leite do que de um pedaço de carne.
Como os humanos, a vaca e o bezerro compartilham um vínculo especial
Como os seres humanos, uma vaca e seu bezerro compartilham um vínculo forte e especial – um que se forma poucos minutos após o nascimento. Quando as vacas e seus bezerros podem levar uma vida natural, o bezerro chega a mamar por até um ano. Porém, isso é o que menos acontece. Uma pesquisa da Animal Australia mostrou que as vacas são profundamente afetadas pela dor emocional de serem separadas dos bezerros, uma prática padrão da indústria de laticínios. Será que vale a pena consumir leite e derivados?
Mãe e Filho (Ou a Vaca e o Vitelo) – Uma reflexão sobre a realidade da vaca e do bezerro
Alguns motivos para repensar o consumo de laticínios
Em qualquer vídeo publicado na internet sobre a exploração de vacas na indústria leiteira, mostrando as consequências para a saúde do animal, aparecem pessoas que vivem dessa exploração tentando desqualificar o que foi mostrado.
Tudo bem, e o que acontece com as vacas quando cai a produção leiteira? Elas são enviadas para o matadouro. Ou seja, são mortas, e reduzidas à carne assim como o boi. Não é à toa que o Gary Francione diz que vê mais sofrimento em um copo de leite do que em um pedaço de carne. Afinal, elas passam por dois tipos de exploração.
Não creio que seja coerente usar o discurso da Mimosa, do gibi do Chico Bento. Afinal, a indústria trabalha com prazos, e esses prazos não levam em conta as necessidades do animal que estão além da produção, como específicos fatores emocionais e psicológicos que costumam ser voláteis.
É intrigante notar que depois de ser explorada diariamente para a extração de leite (o que inclusive gera um desgaste à saúde do animal), o “produtor” ainda retribui a cortesia enviando a vaca para a morte. Estou errado? Me mostre uma vaca leiteira que “morreu de velhice” ou quando deixou de produzir passou a ser tratada como um “membro da família”.
Vamos dizer que hipoteticamente a vaca seja bem tratada. E o que é feito com o bezerro macho, considerado descartável pela indústria leiteira? Não conheço produtores de leite que criam bezerros machos, até porque não têm utilidade para eles. Então o destino comum é a morte. E claro, a vaca fica extremamente estressada quando é separada do filho, que na maioria das vezes não volta a reencontrar. Não seria esta uma reação natural de mãe? Que direito temos de intervir nisso? E olhe que nem discorri sobre os nose flaps, usados para forçar o desmame dos bezerros.
Ademais, as doenças modernas desenvolvidas em vacas leiteiras estão intrinsecamente ligadas ao sistema de produção, ou seja, de exploração. Logo na minha opinião isso prova que não existe nada de natural nessa prática. Condiciona-se um animal a viver como se fosse isento de vontades e anseios básicos e complexos, ou seja, como uma máquina de produção.
“Lembro como se fosse hoje quando levaram meu filho”
— Lembro como se fosse hoje quando levaram meu filho.
— E como a senhora se sentiu?
— Péssima, nunca senti tanta dor.
— Deixaram a senhora se despedir?
— Assim que ele nasceu, nem tive tempo de tocá-lo. Alguém veio e o levou todo lambuzado, fragilizado e confuso para longe de mim.
— A senhora reagiu?
— Claro que sim! Mas eu estava tão fraca…
— Você lembra da aparência do seu bebê?
— Não muito bem. Foi tudo muito rápido. Corri por alguns metros e caí no chão, sentindo gosto de terra na boca. Sinto vergonha por não ter feito mais.
— E como está se sentindo agora?
— É terrível! Nem sei o que estou fazendo aqui.
— Isso já tem quanto tempo?
— Duas semanas.
— Tentou buscar ajuda?
— Quem poderia me ajudar?
— Foi o primeiro?
— Não, o terceiro.
— Está com alguma dor?
— Sim, na minha situação qualquer uma sentiria. Não tenho vontade de viver. Isso não é vida. Existir para servir aos outros, sem ter qualquer tipo de liberdade de escolha. Nascemos condenadas, vituperadas pela ignorância humana.
— Por que diz isso?
— Porque existo apenas para que me suguem o leite; o leite que existe para os filhos que já não tenho, que são mortos e descartados em um lugar que nunca saberei qual é ou onde é. Imagine a dor de jamais reencontrar um filho? Não saber se ele já morreu? Não poder confortá-lo diante da morte? Um bebê, uma pequena criança. Por que meus filhos não valem nada? Só por que são de outra espécie? O que tem de errado em não ser humano?
— Acredito que nada de errado.
— Não parece. Isso não é vida. Viver para ser ordenhada, para que tirem de você um alimento sagrado que depende da gestação de uma criança. Se eu tivesse nascido para alimentar seres humanos, eu teria parido alguns, não concorda? O que me resta? Uma vida dedicada a saciar o desnecessário? A gula humana? Isso, se empanturrem de leite e derivados lácteos. Suguem de mim o máximo possível, até que eu adoeça ou seja considerada inútil quando a produção de leite cair. Logo serei eleita a vaca do ano, premiada com uma viagem só de ida para o matadouro. Não se preocupem, mais tarde vocês poderão me encontrar. Sim, fatiada em forma de hambúrgueres distribuídos nas seções de frios de diversos mercados.
Frieda, a vaca que ganhou o direito de envelhecer
Nascida em 19 de novembro de 1999, a vaca Frieda escapou de ser enviada para um matadouro em dezembro de 2005, quando ainda vivia em um cubículo em uma fazenda leiteira no Norte da Alemanha. O seu primeiro bezerro nasceu em fevereiro de 2002, meses depois de ser inseminada artificialmente.
Em abril de 2003, Frieda teve outro bezerro. À época, a sua produção de leite não passava dos cinco mil litros por ano, sendo considerada baixíssima para os padrões industriais e significando que ela não era mais lucrativa como vaca leiteira. A verdade é que Frieda não era uma exceção, mas apenas parte de um processo normalizado, se considerarmos que vacas leiteiras “de alto desempenho” costumam ser abatidas após a segunda ou terceira gestação, segundo o ex-produtor de leite alemão Jan Gerdes.
O motivo? Problemas que surgem precocemente envolvendo fertilidade, inflamações nos úberes e doenças ortopédicas. No entanto, Frieda não foi abatida de imediato porque era “útil” como uma “incubadora” para a transferência de embriões. O seu terceiro bezerro nasceu em maio de 2004. Porém, ela jamais teve a oportunidade de ver, lamber ou amamentar qualquer um de seus filhos. Por quê? “Normalmente os bezerros são separados das vacas logo após o nascimento”, lamenta Gerdes.
Depois de dar à luz ao terceiro bezerro, Frieda desenvolveu problemas nos ligamentos pélvicos e passou muito tempo imóvel em um estábulo. Isso indicava que provavelmente logo ela seria enviada para um matadouro, destino comum das vacas leiteiras que se tornam onerosas ou “inúteis” aos olhos dos produtores de leite.
Frieda escapou do matadouro graças à intervenção do casal Jan Gerdes e Karin Mück, ex-produtores de leite, e fundadores do santuário Hof Butenland, ao Norte da Alemanha. Quando chegou ao novo lar, livre da exploração, Frieda levou bastante tempo para voltar a confiar em alguém e recuperar parte da sua condição física. Precocemente envelhecida e emocionalmente exausta, ela sempre preferiu passar a maior parte do tempo distante do rebanho, aproveitando o silêncio.
De acordo com Gerdes, no geral, a sua saúde melhorou muito, mas Frieda ainda amarga consequências em decorrência de uma vida de exploração como vaca leiteira – o que inclui danos no fígado, problemas metabólicos e sanguíneos. Apesar de tudo, ela adora receber carícias e massagens por todo o seu corpo.
Referência
Hof Butenland Leaflet. Frieda’s Fate – From Dairy cow to resident of the cow retirement home (abril de 2015).
“A Vaca Deitada” de Van Gogh
1883 – “A Vaca Deitada” não é uma pintura muito conhecida de Van Gogh, mas é uma das minhas preferidas, porque foi pintada depois que ele decidiu não consumir mais animais ao testemunhar o sofrimento dos bovinos nos matadouros franceses. Por isso, creio que ele transferiu para a obra a prospectiva inerente, de quem já via algo nos animais que o impedia de se alimentar deles.
Talvez “A Vaca Deitada”, com seu olhar espartano, e sob uma perspectiva consideravelmente diluída, tenha sido uma manifestação de Van Gogh em eternizar o instante de paz de um animal que provavelmente não viveria muito.