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Isso também é viver
Estou aqui neste momento e é isso que existe. Há uma posse relativa do meu estado de ser, da minha consciência, das minhas emoções em um nível consoante. Claro que não completamente, já que não acredito em estado pleno de controle. Qualifico isso como natural, já que seres humanos não são máquinas e dependem de várias formas de nutrição que não dizem respeito à comida.
Realmente creio que isso torna a existência intrigante. Estou aqui hoje, posso não estar amanhã, e isso é parte inerente da vida. O momento, a iminência da parte, do todo ou do nada. Acredito que viver nada mais é do que construir instantes que podem sobreviver ou desfalecer – do cotidiano, da memória ou dos dois. O eterno efêmero, pode-se dizer. Dão lugar a outros instantes, ou não.
Você fala com alguém agora e pode ser que não se falem mais a partir de um período indeterminado. E se isso transcorre com naturalidade, como os enlaces e os desenlaces das relações ao longo da vida, está tudo bem. Isso não implica necessariamente em prejuízo, desrespeito ou desconsideração, até porque essa perspectiva seria apenas polarização.
Não nego que construímos, desconstruímos e destruímos coisas o tempo todo. Isso pode ser positivo, pode não ser. Para o bem ou para o mal, isso também é viver.
A cabeça queimava, mas era a alma que latejava
A cabeça queimava, mas era a alma que latejava. Trazia velhas novas lembranças do que não foi. Poderia, poderia, mas não foi – ecoava. Fechava os olhos, um sonho presente que anestesiava e alimentava – também ludibriava.
Assim vive-se várias vidas, não importando distinção, realidade, ilusão. Movia-se para dentro da consciência, mas cuidadosamente atalhando a razão, porque a razão poderia suplantar a unção pela inação. Torpor, não. Perfume, sons, e a ideia de que tudo que se move morre e desmorre.
“O perfume é mais forte que a voz. Ou a voz é mais forte que o perfume. Depende. O tempo dilui o som que da memória arrebata. Ou o perfume que desvanece na celeridade da contra vontade?” – refletia – não sabia. Achava a vida fascinante, estranha, intrigante. Dependia do dia.
Sempre encontro pessoas reclamando da vida e do mundo
Sempre encontro pessoas reclamando da vida e do mundo, e às vezes algumas se incomodam quando pergunto respeitosamente se elas estão fazendo algo para contribuir com alguma mudança, se elas não concordam com o status quo. Normalmente há uma corrente transferência de culpa a terceiros, como se isso garantisse uma isenção de manifestação prática. Ou pior do que isso, há a defesa consciente ou inconsciente do fatalismo. E isso me leva à conclusão de que a crítica muitas vezes existe somente pela crítica, arredada de seu sentido utilitário, porque a vontade é menor do que o conformismo.
Acredito que o ideal de muitas pessoas não é um mundo melhor para todos, mas um mundo melhor para elas e talvez para aqueles que elas julguem merecedores desse mundo ideal. Vivemos em um mundo onde desde muito cedo as pessoas são condicionadas a buscarem um futuro digno para elas. Mas muitas ignoram que um futuro digno para elas pode depender essencialmente da busca por um futuro melhor para os outros também.
A verticalização em detrimento da horizontalização é comumente ignorada por um viés se não individualista, talvez espuriamente coletivista. Isso é apenas uma simplista inferência sobre a desconsideração em relação à importância de um clamor mais do que pontual da alomorfia ou mudança estrutural em uma sociedade.
Acho que se reunir com amigos em algum lugar para fazer críticas às coisas pode ser interessante, mas se não passa disso, se não há ações nem mesmo partindo da nossa recusa em aceitar algo que consideramos, de fato, inadmissível, e sobre o qual temos poder de reação, esbarramos no clássico tartufismo, na demagogia.
Quando saio às ruas, sempre vejo homens reunidos em algum lugar fazendo críticas – em bares, cafés, sob alguma marquise. Passam horas, dias, meses, anos naqueles lugares. Creio que reclamam apenas para passar o tempo, para ser ouvido (mesmo que minutos depois ninguém se recorde do que ouviu), porque as críticas nunca mudam, e se não mudam é porque, esperando uma mudança que não parta deles, seguem imersos na inação.
Sobre os meus sonhos
Se deixo de sonhar, deixo de viver. A minha experiência de vida tem provado que muitos dos nossos problemas surgem ou pululam quando deixamos de sonhar. Sou um sonhador por natureza, desde criança; quando chegava em casa com não mais do que quatro anos inventando aventuras que vivi no caminho de volta para casa depois da escola.
Acredito realmente que posso ser do tamanho dos meus sonhos. Mas preciso ter uma opinião tão sólida quanto os meus anseios. Já passei por experiências que podem parecer bobas, mas que servem de exemplo para ilustrar como a força de vontade é determinante. Com 21 anos, um ortopedista me disse que eu jamais poderia fazer musculação em decorrência de um diagnóstico de hérnia de disco. Aquilo pareceu tão absurdo para mim que me matriculei na academia no dia seguinte.
Já se passaram 12 anos e, não querendo me gabar, mas não conheço ninguém na academia que frequento que treine com mais assiduidade e intensidade do que eu. Parece tolo, não? É um exemplo de que quando os outros dizem que sou incapaz de alguma realização importante ou prazerosa para mim é exatamente esse algo que farei. Porque no fundo, opiniões são apenas opiniões – nós que atribuímos peso a elas.
Conheci muitas pessoas que me falaram da impossibilidade de seus sonhos e dos outros. A verdade, na minha opinião, é que pessoas que não sonham e não buscam corporificar seus sonhos também tendem a compartilhar essa impraticabilidade com os outros. Algo como: “Se não sou capaz de lutar por meus sonhos, também será perda de tempo pra você.” Isso a mim não diz muito.
A ideia de ter uma vida comum, viver simplesmente para mim mesmo e ignorar todo o resto sempre me incomodou. Por isso, meus sonhos estão sempre relacionados ao que sou capaz de oferecer. Sim, e há várias coisas que eu gostaria de oferecer – meus sonhos crescem a cada dia. Se muitos não acreditam neles, sem problema.
O importante é que eu acredito, e isso é bom, porque meus sonhos dependem em primeiro lugar da minha força. Para mim, sonhar não é perda de tempo. Sonhar é viver buscando a consubstanciação da própria essência. E penso que não há nada que preencha mais o ser humano e o mantém na sua rota do que isso.
Reflexões de um minuto – Vidas são importantes, até mesmo a do menor animal
Quando as pessoas se alimentam de animais…
Quando as pessoas se alimentam de animais, normalmente elas não consideram que estão se alimentando de algo que foi alguém; e este alguém teve olhos para testemunhar o mundo sob uma ótica não muito auspiciosa; um mundo que pode ser visceralmente injusto e violento com os mais vulneráveis…
Não, realmente não está tudo bem em explorar animais
De acordo com a interpretação clássica do direito, basicamente os animais não têm direitos, enfatizou um camarada, referindo-se à nossa Constituição que realmente não assegura direitos aos animais. Sim, de fato, o que temos são leis subjetivas (alguns podem interpretar como limitadas, dúbias, capciosas ou falhas) de proteção aos animais contra a crueldade, o que em si é uma contradição em essência, já que a exploração animal, praticada neste momento contra milhões de animais só no Brasil, é um ato de crueldade em si – levando em conta dois fatores – a exploração precoce que culmina em morte precoce, ou a exploração precoce prolongada que também culmina em morte. A morte em si é um ato de crueldade refletido nos olhos da vítima que não quer ceder.
— Mas se a lei diz que não é crime explorar esses animais na indústria frigorífica ou leiteira, significa que está tudo dentro da lei, dentro do senso de justiça ocidental, logo não há nada de errado nessa prática.
— Realmente, mas todas as suas ações se sustentam em parâmetros legais? Quero dizer, se a lei não diz que alguns de nossos atos não são criminosos, então devemos cometê-los? Sabemos que tudo que é ilegal é considerado errado, mas nem tudo que é errado é considerado ilegal. Se bato em um carro parado de madrugada e fujo, posso escapar da punição caso não haja nenhuma testemunha, mas a minha inclinação moral me impede de desaparecer sem dar satisfação ou me predispor à reparação. Assim como uma pessoa pode esquecer uma carteira ao meu lado, eu poderia pegá-la, guardar no bolso e ir embora. Mas eu não faria isso. Por quê? Porque reconheço que é errado. Entendo as implicações disso para o outro, me coloco em seu lugar. Uso a mesma baliza moral quando se trata de animais explorados diuturnamente como fontes de matéria-prima, alimentos e produtos. Sim, eles não são como nós, mas são seres viventes e sencientes que, de maneira diversa, expressam interesse em não sofrer ou morrer.
— Mas, mais cedo ou mais tarde, eles morrerão de qualquer forma.
— Você tem razão, mais cedo ou mais tarde, eu também morrerei de qualquer forma, mas nem por isso você me vê oferecendo o pescoço para ser degolado. Animais não humanos também compartilham desse interesse em não morrer. Sendo assim, não, realmente não está tudo bem em explorar animais.
— Tudo bem, mas o próprio Aristóteles foi uma grande influência para a base moral cristã ocidental, e ajudou a endossar o uso de animais. Quero dizer, ele rejeitava a ideia da racionalidade animal, pesando contra os animais a concepção da “racionalidade matemática”, que o levava a ver os animais como sujeitos sem qualquer direito que justificasse não consumi-los ou usá-los.
— Sim Aristóteles fez isso, e teve influência inegável sobre o antropocentrismo. Mas ao citar Aristóteles, você desconsidera Pitágoras, Plutarco, Plotino, Empedócles, Platão, Teofrasto, Apolônio de Tiana, entre outros da Grécia Antiga que, embora divergissem em alguns aspectos, convergiam para a questão moral da vida não humana em algum nível. É importante não ignorar que a moralidade e a ética independem da legalidade, porque versam sobre o que clama à integridade e à virtude humana. É sobre quem você é como sujeito que reconhece o êthos de suas ações para além do que lhe é concernente. Ou seja, há a prática e o reconhecimento de uma atribuição de valor, e é isso que fazemos, por exemplo, quando rejeitamos a ideia de que animais não são sujeitos de direitos. Isto porque o direito no caso dos animais, não é uma prerrogativa para assegurar privilégios a seres não humanos, mas sim direitos básicos como existir sem correr o risco de sofrer em decorrência da intervenção humana. Tenha em mente que direitos animais não envolvem humanização, não dizem respeito a isso; porque o ato de humanizar animais em si é, na minha concepção, um ato reprovável. Mas por que? Porque reverbera especismo a partir do momento que ansiamos por aproximá-los de nós na tentativa de atribuir valores humanos às suas existências; e isso considero evidentemente errado. Animais não precisam de valores humanos, precisam do reconhecimento de seus valores não humanos, que é o que realmente condiz com quem são, não com quem os tornamos ou queremos que eles sejam.
Quantos animais você tem? Uma reflexão sobre posse e pertencimento
“Quem diz que a vida importa menos para os animais do que para nós nunca segurou nas mãos de um animal que luta pela vida”
“Quem diz que a vida importa menos para os animais do que para nós nunca segurou nas mãos de um animal que luta pela vida. O ser inteiro do animal se lança nessa luta, sem nenhuma reserva. Quando o senhor diz que falta a essa luta uma dimensão de horror intelectual ou imaginativo, eu concordo. Não faz parte do modo de ser do animal experimentar horrores intelectuais: todo o seu ser está na carne viva.”
Página 126 de “Elizabeth Costello”, de J.M. Coetzee, publicado em 2003.
Por que você acredita que o sofrimento de um animal não humano não é menor do que o humano na iminência da morte?
— Por que você acredita que o sofrimento de um animal não humano não é menor do que o humano na iminência da morte?
— Acredito que o sofrimento de um animal não humano pode ser maior, sim, realmente maior, e por uma justificativa até simples – a incapacidade de racionalizar e verbalizar o que sente. Imagine a si mesmo em uma selva e diante de um animal muito maior e mais forte do que você. De repente, vocês estão diante um do outro, e não há nada que você possa fazer para impedir que ele o ataque e o mate. Afinal, ele não partilha do mesmo código comunicativo que você. Partindo da mesma situação de um animal prestes a ser abatido, ou seja, de total vulnerabilidade, eu diria que qualquer reação sua será em vão. Isto porque falo de situações equiparáveis.
Por exemplo, um animal na pista da morte em um matadouro está no mesmo estado de vulnerabilidade de uma pessoa desarmada e despreparada caminhando pela selva. Mas nisso subsiste uma distinção substancial. E qual seria? Se um animal me matasse em território selvagem, ele o faria instintivamente, seja por fome, medo, identificação de perigo ou qualquer outro fator que desencadeie essa reação. Já os animais cativos que matamos não nos apresentam qualquer perigo. São simplesmente criados para gerar lucro e saciar paladares, logo são mortos friamente.
Creio que não apenas legitimamos esse tipo de morte como a incentivamos e a incluímos, mesmo que arbitrariamente, na nossa moralidade antropocêntrica. Se ainda assim, a minha resposta não for o suficiente, sugiro que aqueles que discordam do meu posicionamento visitem matadouros e observem a reação dos animais antes de serem abatidos. Não é incomum eles recuarem, tentarem postergar o inevitável. Um animal que testemunha a morte de outro não se oferece para ser o próximo. Muito pelo contrário.
E a ausência de um código de comunicação em comum, sem dúvida torna tudo mais doloroso. Imagino que saberíamos, de fato, como é esse tipo de sentimento se uma espécie muito superior à nossa, e que tivesse um código de comunicação completamente diferente do nosso, fizesse algo parecido conosco. Claro, diferentemente dos selvagens, não despedaçamos nossas vítimas no instante em que as matamos. Porém, não fazemos isso depois? Os açougues e as seções de frios dos mercados provam que sim.