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A perspectiva alemã sobre Paranavaí
“Havia enormes plantações, prados, pastagens, tudo interrompido por grandes florestas”
O padre provincial alemão Jacobus Beck veio a Paranavaí, no Noroeste do Paraná, em fevereiro de 1952 para conhecer o trabalho do frei Ulrico Goevert, responsável pela Paróquia São Sebastião. Na então colônia, Beck se surpreendeu e se identificou com alguns costumes. No mesmo ano, a experiência de três semanas foi registrada em várias edições da revista alemã Karmelstimmen, de Bamberg, no Estado da Baviera.
A curta passagem de Beck não permitiu que ele aprendesse a língua portuguesa. Por isso, pode-se dizer que o frei alemão está entre os padres germânicos que vieram a Paranavaí nos anos 1950 e não tiveram tempo de ter um profundo contato com a cultura dos moradores da colônia, fossem brasileiros ou estrangeiros. O fato fato foi o diferencial nos artigos publicados na Karmelstimmen, sob o título de “Meine Reise Nach Brasilien“.
Era um sábado, 9 de fevereiro de 1952, quando Jacobus Beck sobrevoou o Noroeste do Paraná. Observou ao longe os campos cortados por imensos rios. “Havia enormes plantações, prados, pastagens, tudo interrompido por grandes florestas. Mas foi só quando estávamos na região de Paranavaí que vi a mata virgem”, afirmou o alemão, acrescentando que tudo era tão belo que dava a impressão de que o céu se curvava diante do avião. Por volta do meio-dia, o padre se deparou com a colônia composta por um sem número de pequenas casas de madeira.
Logo o avião pousou no antigo Aeroporto Edu Chaves, atual Colégio Estadual de Paranavaí (CEP), ladeado por espessa mata primitiva. De lá, Beck pegou uma carona com o frei Ulrico Goevert em um jipe estadunidense. Foram para o centro da colônia, onde viviam mais de cinco mil pessoas. “Não era uma cidade ao modelo europeu com casas de pedras e ruas asfaltadas, mas também não lembrava nossas aldeias. As residências eram bem simples e remetiam às nossas barracas de feira. As vias pareciam os caminhos alemães que davam acesso aos areais”, comentou frei Jacobus.
O que chamou a atenção do alemão na Colônia Paranavaí foi a ordem e a limpeza, além da facilidade em se adquirir bens de consumo. De acordo com Beck, o povoado contava com muitos locais de lazer, carros e caminhões. “Isso já me lembrou a Alemanha, o tráfego dos veículos, os barulhos dos que vinham e dos que iam pelas ruas esburacadas”, frisou, rememorando que em 1952 três novas casas eram construídas por semana em Paranavaí. O padre também percebeu que a agricultura na colônia era voltada principalmente para a produção de café, algodão, arroz e milho.
“A terra de Paranavaí era muito fértil porque o solo era virgem”
Jacobus Beck estranhou o fato de não ter encontrado batata no povoado, um dos principais alimentos da culinária germânica. “Em Paranavaí se consumia a mandioca, uma hortaliça de raiz grossa que tem gosto e uso equivalente ao da batatinha”, avaliou o alemão que se surpreendeu com o tamanho do gado bovino criado na colônia, bem maior do que os animais alemães.
Nas passagens pelos pomares locais, entre as frutas tropicais que Beck experimentou e aprovou estavam banana, abacaxi, limão e figo. “A terra de Paranavaí era muito fértil porque o solo era virgem. Estava sendo trabalhado pelas mãos humanas pela primeira vez, então tinha uma umidade inacreditável. Apesar do calor tropical, chovia muito e acho que a proximidade com muitos rios e riachos ajudava”, enfatizou.
De acordo com o padre, o solo e as condições climáticas eram os principais fatores que atraíam tanta gente a Paranavaí. Havia brasileiros de outras regiões, europeus e japoneses. “Não cheguei a presenciar nenhum caso de racismo. Acho que todos viviam pacificamente”, destacou o frei que estranhou a maneira como a população local o cumprimentou, com abraços e tapas nas costas, embora admitiu que se acostumou.
Na Casa Paroquial, no quarto onde Jacobus Beck foi hospedado, o padre imaginou que encontraria janelas com vidraças e cortinas, ao melhor estilo alemão. “Foi uma procura em vão. Só havia uma grande abertura na parede e que era fechada à noite com janelas feitas de tábuas. Dormia na própria sacristia, com morcegos e camundongos “, ressaltou em tom bem humorado.
A hospitalidade dos moradores estava entre as melhores lembranças do frei. Segundo Beck, o que um tinha dividia com o outro. Além disso, os convidados de uma festa eram sempre tratados com muito carinho e atenção. “É claro que a maioria tinha pouco a oferecer, mas caso o agraciado não aceitasse, isso era entendido como uma ofensa”, observou.
“Ficamos com o jipe quase dependurado em muros de pedras”
À época, os padres eram vistos como autoridades de suma importância, tanto que por onde passavam ficavam rodeados de pessoas, como numa feira, na analogia de Beck ao perceber que a figura do vigário era muito estimada pela população. Até mesmo em casos de dores de dente, as pessoas procuravam o padre para dar uma solução ao problema ou então ofertar uma bênção.
Nas muitas vezes que percorreu as estradas de Paranavaí, achou o trânsito bastante intenso, até mesmo nas estradas por onde jipes e caminhões trafegavam dia e noite. “Isso ocorria porque muita gente era levada para as fazendas na mata virgem”, justificou.
À revista alemã, Jacobus Beck discorreu sobre um episódio em que foram até a Fazenda Santa Lúcia (situada em área que hoje pertence a Marilena) pela estrada da Água do 14, entre Piracema e Guairaçá, e tiveram de percorrer dezenas de quilômetros de mata a bordo de um jipe. “Nas subidas e descidas, muitas vezes ficamos com o jipe quase dependurado em muros de pedras. Chegamos a atravessar rios com o veículo. Encontramos animais selvagens, como répteis, e muitas plantações”, confidenciou o padre que enganou uma cascavel de cinco anos, com um metro e meio de comprimento, e cortou-lhe o guizo de cinco anéis para levar de lembrança à Alemanha.
Naquele tempo, às imediações do Rio Paraná, viviam um tenente e um pelotão de soldados do Exército Brasileiro dispersos por pequenas casas de madeira. Com eles, frei Ulrico e frei Jacobus tomaram chimarrão. O grupo era responsável por controlar as navegações fluviais, evitando contrabandos de produtos enviados à Argentina.
Curiosidades
Em artigo à revista alemã Karmelstimmen, Jacobus Beck escreveu que a mata primitiva que circundava o Rio Paraná era a maior floresta virgem do Brasil.
Nos anos 1950, por causa das dificuldades de tráfego, o avião era o meio de transporte mais usado pela população de Paranavaí, superando caminhões, jipes e carros.
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O homem que quis devolver a noiva
Marido descobriu que a mulher não era virgem e decidiu devolvê-la
Nos anos 1950, em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, não era incomum o noivo procurar o padre pedindo para anular o casamento quando descobria que a mulher não era mais virgem. O frei alemão Ulrico Goevert testemunhou tal situação na época em que era vigário da Igreja São Sebastião.
Crimes à honra eram tratados com extrema seriedade em Paranavaí há mais de cinquenta anos, provam relatos de pioneiros e registros históricos. Assim como um rapaz que desonrasse uma moça era obrigado a se casar sob pressão não apenas familiar, mas de toda uma sociedade, acontecia da moça ser devolvida pelo marido, caso tivesse mantido relações sexuais antes de receber o sacramento do matrimônio.
“Naquele tempo era muito importante se guardar cuidadosamente. Era preciso evitar se entregar”, relatou o padre alemão Ulrico Goevert no livro de sua autoria “Histórias e Memórias de Paranavaí”, publicado em 1992. No entanto, nem todo mundo resistia às tentações da carne.
Em uma ocasião, frei Ulrico recebeu a visita de um homem na Igreja São Sebastião. A primeira reação foi de estranheza ao reconhecer o rosto do rapaz de quem realizou o casamento no dia anterior. Extremamente encolerizado, o homem nem cumprimentou o padre e logo disparou: “Aqui o senhor tem novamente a mulher que me deu diante do altar. Ela não era digna de se casar.”
Paciente, o padre tentou controlar a situação acalmando o homem. Em seguida, interpelou: “Como o senhor sabe que ela não é digna de se casar?” O marido disse que obrigou a mulher a confessar se era virgem ou não. Ao saber da negativa, o homem afirmou que a moça deveria casar com quem a desonrou.
Depois de ouvir as declarações, o padre perguntou se até o dia do casamento o rapaz não teve relações íntimas com mulheres. Em tom de orgulho, o marido revoltado respondeu que a situação era diferente, pois ele era homem. “Eu disse que ele não era homem coisa alguma, pois não dominou a sua paixão e entregou-se para as mulheres da vida. Como um mesquinho pecador pode exigir dos outros aquilo que ele mesmo não faz?”, questionou frei Ulrico, desvelando a hipocrisia do rapaz.
O padre sugeriu que o marido levasse a mulher para casa. O rapaz hesitou e coçou a barba enquanto os fiéis na igreja comentavam que o frei tinha razão. “Ele não olhou a mulher com afeto, mas logo a tomou pela mão e foi embora”, revelou Ulrico Goevert.
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O casal que mentiu para tentar casar na igreja
Frei Ulrico Goevert descobriu a verdade e adiou o casamento
Nos anos 1950, quando alguém tentava casar sem apresentar documentação, era comum o padre pedir que os pais dos noivos ou algum outro parente fizesse um juramento. A medida visava evitar a realização de casamentos de menores de 14 anos.
Mesmo assim, sempre havia quem tentasse se casar mentindo para o vigário. Exemplo disso foi testemunhado em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, pelo frei alemão Ulrico Goevert, da Ordem dos Carmelitas, há mais de cinquenta anos. “Uma vez, chegou até mim uma mocinha e o namorado. Queriam se casar e afirmaram que ela tinha 16 anos”, relatou frei Ulrico no seu livro “Histórias e Memórias de Paranavaí”. O padre pediu que o pai confirmasse a idade da moça sob juramento. Esperto, o sacerdote estendeu a conversa e percebeu que o pai tinha pressa na realização do casamento. “Ele queria mesmo era se livrar da filha”, frisou o frei.
O padre desconfiou que os três mentiram, pois a garota era muito franzina para uma moça de 16 anos. Empenhado em descobrir a verdade, frei Ulrico explicou ao casal e ao pai da garota que eles estavam praticando perjúrio e acrescentou que Deus os castigaria por isso. Ainda insatisfeito, chamou a atenção de todos que estavam na Igreja São Sebastião e perguntou se alguém mais, com exceção do pai, poderia confirmar a idade da noiva. “Um homem se levantou e disse que a menina tinha 13 anos e oito meses. Falou ainda que sabia onde ela nasceu”, contou o padre.
Após o testemunho, o Frei Ulrico Goevert repreendeu o pai da noiva na frente de todo mundo. O homem ficou tão envergonhado que emudeceu. Irritada com a situação, a garota se agarrou ao noivo e esbravejou: “Se o vigário não quer nos casar, vamos dormir juntos assim mesmo,” Nervoso com a situação, o padre alemão respondeu que os noivos poderiam sim dormir juntos sob o mesmo teto, mas em duas celas separadas, na cadeia. O frei ainda ameaçou denunciar o acontecido ao Juizado de Menores. Com medo, o pai chamou a atenção da filha e a levou para casa.
Dias depois, os pais do casal que vivia a cem quilômetros da Igreja São Sebastião retornaram para mostrar o registro civil de casamento em que constava que o rapaz tinha 16 anos e a moça apenas 13. “Cheios de raiva, os pais me confessaram que os filhos se violaram, então tiveram de fazer um casamento civil”, assinalou. Ainda assim, o Frei Ulrico se negou a realizar a cerimônia, pois como a moça tinha 13 anos não poderia receber o sacramento do matrimônio.
A garota completou 14 anos no dia 16 de setembro. No dia 17, os pais retornaram com o casal. Ao fim do casamento, o padre perguntou a moça como foi a lua de mel. “Ela respondeu que com o pai em casa tinha sido uma lua de fel. Nisso, acreditei”, declarou o frei.
Entre os anos de 1951 e 1958, o padre alemão Ulrico Goevert realizou 1,6 mil casamentos em Paranavaí. Do total, 90% das noivas tinham menos de 18 anos. “Com 20 anos, uma moça já era considerada uma velha senhora. Aqui era bem diferente do resto do mundo. Havia uma grande falta de mulheres”, revelou o padre. A justificativa é que como Paranavaí ainda estava em processo de colonização, muitos dos que chegavam eram homens solteiros ou recém-casados. “Daí que as moças já muito novas eram dadas em casamento”, enfatizou o vigário.
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