David Arioch – Jornalismo Cultural

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Histórias de Paranavaí eram publicadas em revista alemã

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Frei Ulrico Goevert começou a escrever para a Karmmelstimmen em 1958

Adalbert Deckert quem sugeriu que Ulrico Goevert escrevesse sobre Paranavaí (Foto: Ordem do Carmo)

Em 1951, logo que chegou a Paranavaí, o frei alemão Ulrico Goevert teve a ideia de relatar em um diário todos os fatos que lhe chamavam a atenção. Foi assim até o final de 1957. Um ano depois, recebeu o convite para publicar as histórias uma vez por mês na revista alemã Karmelstimmen.

Sobre a necessidade de contar alguns dos fatos mais simples até os mais complexos da história local, o padre justificou que quando um acontecimento não é registrado por escrito em pouco tempo as pessoas esquecem ou criam outras versões. Frei Ulrico começou a escrever, quem sabe, visando a preservação histórica regional que independente de época sempre contribui para a formação da identidade de um povo.

A partir das publicações na revista alemã Karmelstimmen, de Bamberg, no Estado da Baviera, o padre queria mostrar aos leitores o quão extraordinária era a jovem Paranavaí que despontava em meio a mata virgem, onde pessoas de diversas etnias conviviam com animais silvestres; um lugar onde crianças balançavam sobre os cipós que adornavam as casas. Segundo frei Ulrico, a solidariedade da população o encantava e o motivava a se sentir mais brasileiro do que alemão.

“Quando uma criança come durante o recreio escolar, sempre oferece o pão à criança mais pobre e diz: Qué um pedaço? O trabalhador mais pobre também fica feliz em dar ao companheiro um pouco da sua sopa de feijão”, escreveu o padre para a Karmelstimmen em 1958. A sugestão para publicar textos sobre Paranavaí partiu do padre provincial Adalbert Deckert, superior de frei Ulrico em Bamberg.

Boa parte dos textos publicados na revista abordou também o trabalho dos padres carmelitas. “Cumpri com muito gosto a tarefa de descrever aos leitores como foi fundada a missão em Paranavaí, além das nossas alegrias”, disse Goevert. Quando o primeiro relato foi publicado, o vigário pediu aos leitores alemães que não fossem rigorosos com o seu estilo literário. Frei Ulrico acrescentou que nunca teve intenção de escrever livros ou artigos científicos.

Modesto, o padre qualificou os próprios textos como rabiscos, talvez pelo fato de tê-los concebido com bastante pessoalidade, incluindo muitos adjetivos e comentários. Ainda assim, é perceptível que essas características agregaram mais valor aos textos, os deixando leves, cômicos e recheados de envolventes contextualizações. “Quando escreveu para os alemães, frei Ulrico não teve a preocupação de fornecer certos detalhes ou citar nomes de pessoas”, revelou frei Wilmar Santin, responsável pela tradução dos artigos publicados na revista alemã.

População de Bamberg leu muitas histórias sobre Paranavaí em 1958 (Foto: Reprodução)

Em janeiro de 1992, durante a Festa de São Sebastião, a Ordem dos Carmelitas publicou o pequeno livro “Histórias e Memórias de Paranavaí” que reúne uma compilação de textos que Ulrico Goevert escreveu para a revista Karmelstimmen.

Para a publicação da obra, Wilmar Santin fez uma profunda pesquisa para a inclusão de notas de rodapé. “O livro não é só para homenagear o frei Ulrico, mas também manter viva parte da memória histórica do povo de Paranavaí e região. Povo sem passado é povo sem futuro”, enfatizou Santin.

Saiba Mais

Livro “Memórias e Histórias de Paranavaí” foi editado pela Livraria Nossa Senhora do Carmo.

Frei Adalbert Deckert chegou a Paranavaí no dia 10 de junho de 1955 para uma visita canônica e ficou aqui até o dia 14 de julho.

Bamberg, cidade de origem da revista para a qual frei Ulrico Goevert escrevia, é um município de 70 mil habitantes.

O casal que mentiu para tentar casar na igreja

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Frei Ulrico Goevert descobriu a verdade e adiou o casamento

Antiga igreja São Sebastião, onde eram celebrados os casamentos nos anos 1950 (Acervo: Ordem do Carmo)

Nos anos 1950, quando alguém tentava casar sem apresentar documentação, era comum o padre pedir que os pais dos noivos ou algum outro parente fizesse um juramento. A medida visava evitar a realização de casamentos de menores de 14 anos.

Mesmo assim, sempre havia quem tentasse se casar mentindo para o vigário. Exemplo disso foi testemunhado em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, pelo frei alemão Ulrico Goevert, da Ordem dos Carmelitas, há mais de cinquenta anos. “Uma vez, chegou até mim uma mocinha e o namorado. Queriam se casar e afirmaram que ela tinha 16 anos”, relatou frei Ulrico no seu livro “Histórias e Memórias de Paranavaí”. O padre pediu que o pai confirmasse a idade da moça sob juramento. Esperto, o sacerdote estendeu a conversa e percebeu que o pai tinha pressa na realização do casamento. “Ele queria mesmo era se livrar da filha”, frisou o frei.

O padre desconfiou que os três mentiram, pois a garota era muito franzina para uma moça de 16 anos. Empenhado em descobrir a verdade, frei Ulrico explicou ao casal e ao pai da garota que eles estavam praticando perjúrio e acrescentou que Deus os castigaria por isso. Ainda insatisfeito, chamou a atenção de todos que estavam na Igreja São Sebastião e perguntou se alguém mais, com exceção do pai, poderia confirmar a idade da noiva. “Um homem se levantou e disse que a menina tinha 13 anos e oito meses. Falou ainda que sabia onde ela nasceu”, contou o padre.

Após o testemunho, o Frei Ulrico Goevert repreendeu o pai da noiva na frente de todo mundo. O homem ficou tão envergonhado que emudeceu. Irritada com a situação, a garota se agarrou ao noivo e esbravejou: “Se o vigário não quer nos casar, vamos dormir juntos assim mesmo,” Nervoso com a situação, o padre alemão respondeu que os noivos poderiam sim dormir juntos sob o mesmo teto, mas em duas celas separadas, na cadeia. O frei ainda ameaçou denunciar o acontecido ao Juizado de Menores. Com medo, o pai chamou a atenção da filha e a levou para casa.

Frei Ulrico (de óculos): “Os noivos poderiam sim dormir juntos sob o mesmo teto, mas em duas celas separadas, na cadeia” (Acervo: Ordem do Carmo)

Dias depois, os pais do casal que vivia a cem quilômetros da Igreja São Sebastião retornaram para mostrar o registro civil de casamento em que constava que o rapaz tinha 16 anos e a moça apenas 13. “Cheios de raiva, os pais me confessaram que os filhos se violaram, então tiveram de fazer um casamento civil”, assinalou. Ainda assim, o Frei Ulrico se negou a realizar a cerimônia, pois como a moça tinha 13 anos não poderia receber o sacramento do matrimônio.

A garota completou 14 anos no dia 16 de setembro. No dia 17, os pais retornaram com o casal. Ao fim do casamento, o padre perguntou a moça como foi a lua de mel. “Ela respondeu que com o pai em casa tinha sido uma lua de fel. Nisso, acreditei”, declarou o frei.

Entre os anos de 1951 e 1958, o padre alemão Ulrico Goevert realizou 1,6 mil casamentos em Paranavaí. Do total, 90% das noivas tinham menos de 18 anos. “Com 20 anos, uma moça já era considerada uma velha senhora. Aqui era bem diferente do resto do mundo. Havia uma grande falta de mulheres”, revelou o padre. A justificativa é que como Paranavaí ainda estava em processo de colonização, muitos dos que chegavam eram homens solteiros ou recém-casados. “Daí que as moças já muito novas eram dadas em casamento”, enfatizou o vigário.

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