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A galinha Zezinha
Eu e meu irmão éramos crianças quando fomos para uma cidadezinha no Mato Grosso do Sul visitar um sobrinho do meu avô. Na manhã do dia seguinte, pediram que meu irmão destroncasse o pescoço de uma galinha parda que estava quietinha ciscando sobre a relva.
— Se você matar ela a gente já limpa e faz galinha ao molho.
Olhei para o meu irmão e fiquei apreensivo, aguardando sua reação.
— Não, obrigado — respondeu na sua típica fleuma.
— Vamos, rapaz! Mate ela! Mate-a! Não há nada de errado nisso.
Me levantei e caminhei em direção ao homem.
— Ele não quer e não vai matar. O senhor pode respeitar a vontade dele?
— Tudo bem, mas agora alguém tem que matar.
— Por quê? — questionei.
— Porque a carne já tá começando a ficar dura, e não quero ficar no prejuízo.
— Então a galinha viver é prejuízo pro senhor?
— Claro que sim! Eu que cuidei dela até hoje. E ela não bota mais ovo.
— O que o senhor quer pela galinha?
— Nada, vamos comer a bichinha.
A galinha parou de ciscar e virou a cabeça em nossa direção.
— Será que ela está prestando atenção? — pensei, na minha curiosidade meninil.
— De um jeito ou de outro, daqui a pouco a gente vai matar ela, viu? — avisou o homem.
Quando não havia mais ninguém por perto, pegamos a galinha Zezinha e corremos por mais de dois quilômetros e nos escondemos em uma área de mata nativa. Nem pensamos na possibilidade de sermos surpreendidos por algum animal selvagem. Só queríamos protegê-la.
— Aqui a gente tá seguro — comentou meu irmão.
Ficamos lá até escurecer, quando nossos pais nos encontraram sujos e famintos. De volta ao sítio, meu irmão, que estava com o braço quebrado há duas semanas, mostrou o gesso para o sobrinho do meu avô:
— O senhor ainda acha que ela não merece viver? — questionou.
No gesso do meu irmão, Zezinha fez um desenho de formas incertas com o bico, mas que de algum modo pareciam revelar algum tipo de afeição. O homem ficou calado.
— Se quiser, podem levar a galinha. Ela gosta de vocês.
Zezinha viveu com a gente por três anos antes de falecer. Gostava de subir na jabuticabeira, colher as frutas uma a uma e deixá-las na entrada da cozinha, presentes de galinha.
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