David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Apenas fome

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Foto: ABS Free Pic

Mantinha o bebê com a cabeça sobre o ombro. Sentada num piso de terra batida, mirava o buraco na parede por onde o sol já não entrava. Só esperava a vez, e queria que fosse rápido. Se mataria. Mas pra tirar a própria vida também é preciso força.

Três dias na mesma posição e já não sentia mãos, pés nem as inflamações nas costas. Criancinha, com o corpinho escanifrado desproporcional à cabecinha, continuava dura – com olhos esbranquiçados.

Depois de muito esforço, deitou no chão com o bebê. Um vento repentino arrastou poeira e os cobriu – mortalha fina. Sem porta, sem janela, qualquer coisa poderia chegar ou partir. Nem chorava – nem conseguia.

Falar, gritar, se irritar ou odiar também exigia energia. Só queria esperar, não muito. A fome não importava mais. Alguém de passagem sepultou os corpos no fundo do casebre de barro. Um andarilho viu quando partiu.

Desenterrou, separou os ossos, colocou pra secar e enterrou o que sobrou. Moeu e fez farinha. Virou ração pra boi que trocou por um quilo de feijão. Preparou um caldo à noite, serviu cinco crianças famintas e orou pela alma da moça e do bebê.

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