David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Archive for November, 2015

Uma vida dedicada ao próximo

without comments

Na infância, Rosinha percorria até 20 quilômetros a pé com o pai para rezar pelos enfermos

Dona Rosinha: “Desde que nasci meu pai já orava pelos outros e fazia caridade. Vem de geração em geração” (Foto: David Arioch)

Dona Rosinha: “Desde que nasci meu pai já orava pelos outros e fazia caridade. Vem de geração em geração” (Foto: David Arioch)

Chego na casa de Dona Rosinha no Jardim Ipê, como é mais conhecida Rosa Ferreira dos Santos, e o seu marido, o vigilante Cido Dias dos Santos, pede que eu entre. Sem cerimônia, diz que ela já está me aguardando. Quando me vê, a dona de casa exibe um sorriso largo e singelo e me convida para sentar em um sofá na sala.

Miudinha e ansiosa pela entrevista, Rosinha tem uma rara força e resistência, o que ela atribui à fé religiosa. Procurada toda semana por pessoas que desejam algum tipo de graça, a dona de casa diz que não é benzedeira, mas sim rezadora. “O povo chega aqui e pede pra eu rezar. Meu trabalho pra ajudar quem precisa é baseado em três orações: ‘Pai Nosso’, ‘Creio em Deus-Pai’ e ‘Salve Rainha’. São as mais fortes pra gente”, afirma.

Além de orações, muitos são atraídos pelos seus remédios caseiros para dores nas costas, gripe e bronquite, feitos há 16 e 20 anos. “Quando acontece de não vir quase ninguém numa semana eu já fico preocupada, me perguntando se minha oração ainda está ajudando. Mas depois o número de visitas aumenta e fico feliz”, comenta com simplicidade.

A cultura da oração entrou na família de Rosinha com os bisavós e desde então a família segue a tradição de ajudar quem precisa, independente de classe social. “Desde que nasci meu pai já orava pelos outros e fazia caridade. Vem de geração em geração. As pessoas me procuram bastante por motivos de doença e também pra passar em algum tipo de concurso. Muita gente já me ligou agradecendo depois. Só não sei é a minha fé que é mais forte ou a fé deles em mim”, declara sorrindo.

Ainda criança, e vivendo em um cenário que lembra a atmosfera mística do filme “O Pagador de Promessas”, de Anselmo Duarte, Rosinha e os sete irmãos acompanhavam o pai em caminhadas de até 20 quilômetros para levar orações àqueles que já não podiam frequentar uma igreja, principalmente por problemas de saúde. Quando chegavam ao local, o pai e os filhos rodeavam o enfermo e oravam por horas.

“Ele era rezador de terço igual eu sou agora. Foi a herança que me deixou. Lembro que íamos tão longe que às vezes até dormíamos na beira da estrada. Meu pai e os filhos mais velhos carregavam os menores nas costas. Nunca foi homem de sair e deixar a família abandonada em casa”, destaca.

"Faço exatamente como meu pai me ensinou” (Foto: David Arioch)

“Faço exatamente como meu pai me ensinou” (Foto: David Arioch)

O relato remete aos anos 1960 e início dos anos 1970, quando a família de Rosinha vivia em cidades como São Jorge do Patrocínio, Pérola, Altônia e Rondon, nas regiões de Umuarama e Cianorte. “Morávamos em um canto, daí passava um tempo e a gente mudava, até que ficamos na residência do meu tio em São Jorge do Patrocínio. Depois arrumamos uma casa e começamos a trabalhar como boia-fria nos cafezais. O serviço mais perto exigia pelo menos quatro quilômetros de caminhada”, conta.

Após o falecimento do pai, há quase 20 anos, Rosinha continuou a tradição familiar, inclusive o trabalho de aplicar injeções em enfermos, algo que aprendeu na juventude, numa época de grande carência médica. “Quando um doente não pode sair de casa e a ajuda não chega, as pessoas me procuram. Faço exatamente como meu pai me ensinou”, justifica.

A dona de casa defende que o mais importante é fazer o bem aos outros sem esperar nada em troca. “Nem poderia ser diferente. Já alcancei tantas graças que só tenho a agradecer. Não me vejo no direito de cobrar nada de ninguém”, afirma. De acordo com a zeladora Maria Ruth Serrano, Rosinha é uma mulher atenciosa e batalhadora que possui muita força. “O trabalho dela é maravilhoso. Tá sempre preocupada com o próximo”, garante Ruth que a conhece há mais de 30 anos.

Segundo o marido Cido, o que também reafirma a solidariedade da esposa é o fato de nunca terem morado sozinhos. “Ela sempre trouxe alguém pra gente cuidar. Alguns eram parentes e outros não. Quase todos os irmãos dela já moraram com nós. Hoje cuidamos do meu pai. Torço para que ela nunca precise parar de fazer esse trabalho porque sei que é a maior satisfação da vida dela”, argumenta o vigilante.

“Nunca gostei de ficar à toa em casa”

Nascida em Salinas, no Norte de Minas Gerais, Dona Rosinha adotou Paranavaí como lar há 37 anos. “Já fiz de tudo na minha vida. Até trabalhei de doméstica e não me adaptei, retornando pra roça de café. Agora faço apenas trabalhinhos como confecção de rosários e crochê”, explica e acrescenta que atualmente a renda familiar é baseada no salário do marido e do filho.

A dona de casa, acostumada a realizar serviços manuais, foi obrigada a parar de trabalhar após o implante de um marca-passo. “Ninguém dá serviço para alguém nessa condição. Não sou aposentada. Já tentei três vezes e não consegui, nem mesmo pelo INSS. Por que os ricos se aposentam e eu não? Tem muita gente por aí aposentada sem necessidade”, desabafa.

A casa onde vive há dois anos no Jardim Ipê, e perto de uma igreja, foi conquistada com muito sacrifício, assim como praticamente tudo na vida de Rosinha. “Me empenhei para que meus filhos estudassem e hoje me orgulho de saber que se formaram na faculdade. Quando eram crianças, eu até trabalhava na escola pra garantir uma boa educação pra eles”, revela.

"Me empenhei para que meus filhos estudassem e hoje me orgulho de saber que se formaram na faculdade" (Foto: David Arioch)

“Me empenhei para que meus filhos estudassem e hoje me orgulho de saber que se formaram na faculdade” (Foto: David Arioch)

Por mais de dois anos, a rezadora fez trabalho voluntário na Santa Casa de Paranavaí. Assim que terminava os afazeres domésticos, ia até o hospital, onde dava banho e trocava as roupas dos enfermos. “Nunca gostei de ficar à toa em casa. Por isso passava horas na Santa Casa, ajudando principalmente aqueles que não recebiam visitas de parentes”, garante.

Com a proximidade do Natal, Dona Rosinha explica que está preparando um presépio feito de jornal dobrado, em forma de torre. Seguindo uma velha tradição, em vez de pintá-lo com tinta, ela vai colori-lo com carvão molhado. “Fazemos isso todos os anos e atrai muita gente. As pessoas pedem muitas orações, até quem não pode vir faz o pedido por telefone”, confidencia.

“Não tinha quase comida, só um pouquinho de arroz e feijão cru”

Aos 20 anos, quando trabalhava como boia-fria, Rosinha, acompanhada do pai e dos irmãos, percorria a pé 15 quilômetros de estrada de terra para chegar ao cafezal. Saía de casa às 5h, antes do galo cantar, quando a escuridão ainda tomava conta do lugar. “Um dia a gente tava em casa se preparando pro trabalho e não tinha quase comida, só um pouquinho de arroz e feijão cru. Minha mãe olhou nas panelas e ficou preocupada”, conta. Então sugeriu ao marido que pedisse um pouco de mandioca para o patrão, senão teriam de passar fome no dia seguinte.

No mesmo dia, às 9h, uma vizinha bateu na porta da casa de Dona Joana, mãe de Rosinha, e reclamou que seus três filhos estavam sem comer há três dias. Sensibilizada, Joana deu metade do arroz e do feijão cru já insuficiente para alimentar a própria família. Por volta do meio-dia, uma mulher desceu de um automóvel em frente à casa de Rosinha e bateu palmas, surpreendendo Dona Joana. “Naquele tempo era difícil ver carro em São Jorge do Patrocínio. Ela chamou minha mãe e mostrou um saco de estopa enorme cheio de alimentos. Tinha tanta coisa que a gente nem sabia o que era. Pra gente era comida de rico”, lembra Rosinha rindo e chorando.

Um homem que acompanhava a mulher posicionou o saco ao lado do pequeno portão da casa dos pais de Rosinha. No mesmo instante, o mais novo dos oito filhos de Dona Joana começou a chorar. Ela se desculpou e foi ver o que aconteceu com a criança. Quando retornou, a mulher não estava mais lá, nem o homem e o carro que a trouxe. “Minha mãe ficou desesperada. Queria agradecer de qualquer jeito. Ela correu toda a vizinhança tentando saber o paradeiro da mulher. Todos os vizinhos falaram a mesma coisa, que não viram carro nenhum passar por aquelas bandas naquela manhã. Então minha mãe chorou, se sentindo abençoada por Deus”, narra com olhos marejados.

Solidária, Dona Joana retirou apenas o essencial do saco de estopa e dividiu o restante com quatro famílias de boias-frias. O dia foi tão especial que até a jornada de trabalho dos que foram para o campo acabou mais cedo. “A gente sempre chegava em casa à noite, lá pelas nove horas, porque demorava pra arruar o café, mas naquele dia vimos o Sol desaparecer através da nossa janela”, relata Rosinha chorando.

“Senti mãos me pegando e me levantando”

Numa noite, Dona Rosinha sentiu tontura e não conseguiu dormir. Preocupados, o marido e os filhos a levaram para o Pronto Atendimento Municipal (PA), onde recebeu um pouco de soro intravenoso. Às 6h, a dona de casa deveria ir Arapongas, no Norte Central do Paraná, trocar o marca-passo que parou de funcionar, mas ninguém a chamou. Assim que levantou e olhou pela janela, já estava tudo claro lá fora. Então Rosinha deitou com os olhos fechados debaixo de uma lâmpada, pedindo a Deus que não deixasse nada de ruim acontecer com ela. “Senti mãos me pegando e me levantando. Fiquei com os olhos fechados porque não tive vontade de abrir. Quando fui colocada novamente na cama, abri os olhos e não tinha ninguém ao meu lado, como se ninguém tivesse entrado no quarto”, conta.

Depois a dona de casa se levantou e lembrou a enfermeira de que ela precisava ir a Arapongas trocar o marca-passo. “Veio uma equipe grande me ajudar. Na ambulância, durante toda a viagem, senti como se as mesmas mãos que não vi continuassem acariciando o lugar onde o marca-passo que não funcionava mais estava instalado. Sentia tudo, mas não via nada”, garante.

Após receber anestesia, Rosinha ficou sabendo que não havia condições de recuperar seu marca-passo, sendo necessário fazer a substituição. “Foi preciso fazer uma outra cirurgia de última hora pra trocar o marca-passo. A operação acabou tão rápido que até a equipe médica se surpreendeu. E eu ainda sentia aquela mão desconhecida no marca-passo”, assegura.

Ao final da cirurgia, a dona de casa foi avisada que precisaria de dois ou três dias de repouso para conseguir andar novamente. Surpreendendo todos, Rosinha levantou na manhã seguinte, andando por todo o quarto e se oferecendo para ajudar os pacientes deitados nas camas mais próximas. “O médico disse que nunca viu uma recuperação tão rápida. Dias atrás também tive um princípio de [acidente vascular cerebral] AVC, só que logo ficou tudo bem”, comemora com voz remansosa.

Frases de Dona Rosinha

“Seguindo as lições de meu pai e minha mãe, não consigo passar um dia sem ajudar alguém”

“Quando eu era criança, uma moça que era nossa vizinha tentou se matar. Ela tomou veneno cinco vezes e chegou até a beber soda e não morreu. Se não for a hora, não adianta insistir”

“Qualquer pessoa que aparece aqui pra eu cuidar, eu cuido, porque Deus me deu esse dom e eu sigo em frente”

Saiba Mais

Dona Rosinha, que também é procurada por pessoas de outras cidades e regiões, mora no Paraná há 53 anos. Quem quiser entrar em contato com ela, pode ligar para (44) 3045-7819.

Jessé Piedade recupera seu cão Billy

without comments

Jessé Piedade não esconde a felicidade em rever seu melhor amigo (Foto: David Arioch)

Jessé Piedade não esconde a felicidade em rever seu melhor amigo (Foto: David Arioch)

Muito legal saber que meu trabalho ajudou alguém. Hoje fui encontrar o andarilho Jessé Piedade na Casa da Cultura Carlos Drummond de Andrade, de Paranavaí, no Noroeste do Paraná. Chegando lá, vejo um cachorro deitado na maior folga no tapete de entrada. Aí fico sabendo que é o Billy, cão que foi roubado de Jessé há algum tempo. “Cara, leram sua reportagem sobre a minha vida e devolveram o Billy, o meu melhor amigo. Tô muito feliz!”, disse Jessé sorrindo.

Leiam a história de Jessé no link abaixo: https://davidarioch.com/2015/11/23/jesse-um-homem-motivado-pela-simplicidade

 

 

Written by David Arioch

November 25th, 2015 at 9:39 pm

A vizinha do Jardim Progresso

without comments

Ela gostava de atrair olhares, sentia algum tipo de prazer inominado em ser admirada

Jardim Progresso, cenário onde conheci Bárbara (Foto: David Arioch)

Jardim Progresso, cenário onde conheci Bárbara (Foto: David Arioch)

Eu tinha 12 anos quando vi pela primeira vez a vizinha do meu amigo Marco Aurélio. O seu nome era Bárbara e ela morava a poucos passos da casa dele no Jardim Progresso. Quando saíamos para brincar na calçada, me recordo que eu sempre a via fazendo alguma coisa para chamar a atenção. Ela gostava de atrair olhares, sentia algum tipo de prazer inominado em ser admirada.

Na rua, eu a observava somente após me certificar de que seus olhos dificilmente encontrariam os meus. Sua beleza era mediterrânea, mas não do tipo comum ou excelsa. Tinha pele oliva, dotada de um fulgor que não esmorecia nem no inverno. Seus olhos eram escuros e redondos como groselhas pretas das mais maduras, o que destoava dos cabelos castanhos que se estendiam até o meio das costas.

Era o tipo de graça reforçada pela personalidade, que existia nas entrelinhas, nos detalhes de suas expressões e na capacidade de conduzir as reações dos garotos ao seu bel-prazer. Até eu, que resistia a ceder aos seus caprichos de me ver inclinado diante de sua presença, desconhecia os meandros e artifícios da malícia e ocasionalmente era fisgado por sua argúcia.

De longe, ela sorria e até ria com frugalidade quando percebia que tinha alcançado seu intento. Uma vez, enquanto estávamos sentados sobre o meio-fio, ela caminhou bem devagarinho trajando um vestido branco que realçava o formato sinuoso do corpo jovial. Mirando o horizonte a olhos ensimesmados, passou os vãos dos dedos entre os cabelos, sobrepondo-os como ondas serenas de fios correntes, e seguiu numa linha reta tão hermética que chegava a ser geométrica.

Seus passos imitavam o som sutil da marcha dos cocos, perfazendo um caminho em que as batidas céleres e harmoniosas de nossos corações cobriam as lacunas deixadas pelo silêncio. Conforme ela se distanciava, e suas panturrilhas se contraíam formando dois diamantes triguenhos, eu assistia o tecido claro, num fortuito diáfano, cingindo seu corpo como um casulo tardio envolvendo uma borboleta.

Bárbara transportava por onde fosse o perfume leve e floral que seu corpo exalava em nossa direção, deixando um rastro invisível e efêmero de provocações que despertavam ideias e sensações. “Você é bonitinho, sabia?”, disse ela um dia apoiando meu queixo entre os seus dedos polegar e médio da mão direita. Observei meu próprio reflexo em suas íris, então maiores do que nunca, e fiquei preocupado se ela poderia ver muito mais do que eu gostaria nas minhas.

Para Bárbara, parecia pouco me ver corar. Em seguida, assoprou graciosamente meus olhos, me trazendo olência adocicada e refrescante de bala de hortelã. Aquilo mexeu tanto comigo que senti arrepiar até os pelos que eu ainda não possuía. Engoli a seco minha saliva tornada rara e senti meu peito chiar, abrasado pelo incompreendido desconhecido. Escondi as mãos trêmulas para que ela não as notasse. Era tarde demais. Bárbara percebeu e me hipnotizou com um sorriso tão esmerado que me deixou embriagado.

Pensei em dizer alguma coisa, uma frase de despedida, só que eu já não sabia mais falar nem pensar em português. As palavras que invadiam meus pensamentos não faziam sentido. Eram confusas, sem significados, um amontoado de letras que se embaralhavam com o alfabeto cirílico que vi pela primeira vez numa coleção de enciclopédias de meu pai. E para piorar, fiz um esforço desmesurado para articular um som complacente, mas só consegui transmitir um nada padecente.

Meus pés estavam tão fixos e hirtos na calçada de mosaico português que pareciam feitos de pedra calcária. O transe chegou ao fim quando sua mãe a chamou para ajudar o irmão caçula em uma das tarefas da escola. Ainda assim, sem esconder o semblante aparvalhado, assisti Bárbara correndo contra a brisa com encanto singelo que fazia inveja às folhas do pé de marmelo. Seus cabelos serpenteavam pelo ar como forças livres de um mundo hedonista. Talvez fossem curvas incertas de uma realidade menos maniqueísta. Antes de fechar o portão, sorriu, mandou beijo e disse de supetão: “Depois a gente continua.”

Fiquei parado por mais alguns instantes, tentando fugir da minha fisionomia encabulada e corada que vi refletida na janela de um Escort estacionado a menos de dois metros. Lhano, eu balançava a cabeça e saracoteava o dorso. Mas o coralino da vergonha era casmurro e não dava brechas para a libertação. Queria me castigar pela ingenuidade que não me permitia compreender sua intenção. “Nossa, olha como tô vermelho! Nem quando planto bananeira por muito tempo fico desse jeito”, pensei, me sentindo como um personagem daquelas canetas vendidas na rodoviária e que traziam mulheres peladas nos tubinhos.

Dias depois, escalando uma árvore em frente à casa de Marco Aurélio, vimos Bárbara chegar acompanhada de um rapaz de pelo menos 18 anos dirigindo um Monza Barcelona. Lá dentro, o sujeito se portava como se guiasse um possante pelas estradas do Arizona. Observamos em sincronia a porta do carro se abrir e seus pés pequenos e delicados encostando no meio-fio, envolvidos por um par de rasteirinha clara, talvez bege. Bárbara usava saia preta evidenciando pernas bronzeadas e bem esculpidas, fazendo nossos olhos saltarem sem a menor polidez.

Pendurado em galhos, assisti a cena numa euforia contida tão impetuosa que tive a impressão de que havia miniaturas minhas gritando e correndo pelos meus órgãos. Num breve momento de delírio, vislumbrei dois David saltando para fora de minhas orelhas, percorrendo os galhos numa velocidade sobrenatural e cutucando meus pés com agulhas de pau. “Vai lá! Vai lá! Vai lá! Você é trouxa? Deixa de ser bocó! O cara já vai embora”, gritavam as réplicas num tom estridente, revezando palavras.

Por azar, assim que Bárbara se despediu do tal sujeito que julguei ser seu namorado, me distraí e caí de cima da árvore como um bufão atarantado. Com o impacto, Marco Aurélio riu ruidosamente, como se aquilo fosse artificio de um demente. Caído sobre o braço esquerdo, num titubeante referto, sentei cabisbaixo na calçada e, sem olhar pra lado algum, amarguei as consequências da patuscada. Comecei a limpar os ralados nos cotovelos e joelhos, ignorando de meus amigos os conselhos.

A vergonha naquele momento tinha cheiro de ipê, sete-copas, hera-de-inverno e pingo-de-ouro. Mal sabia eu qual seria o desdobramento vindouro. “Por favor, não me veja! Por favor, não me veja! Por favor, não me veja!”, repeti com olhos fechados e franzindo a testa, crente de que a vida talvez pudesse imitar a fábula vez ou outra. Não, ela não macaquearia. Aos poucos, ouvi passos, o atrito de calçados leves com as pedrinhas cobertas de piche, e senti o indefectível perfume floral que me fazia mergulhar num sonho frugal.

Estremeci ao ver sua sombra se projetando na calçada. Bárbara estava quase ao meu lado e minha reação já era esperada. Coloquei os cotovelos contra a barriga e cobri os joelhos com pedaços de folhas secas esparramadas aos pés da árvore. Ela achou graça da minha reação, se abaixou e passou a mão direita pelos meus cabelos. “Tadinho! Vamos lá pra casa que vou cuidar dos seus ferimentos”, declarou com voz remansosa e tão melíflua que parecia acariciar os ferimentos do meu corpo. “Muito melhor que Merthiolate!”, teria refletido. Não falei nada, até porque nem conseguiria. Só movimentei a cabeça em concordância, sem saber o que me aguardaria. Àquela altura, nem sentia mais minhas pernas e braços ardendo.

Levantei e andei ao seu lado, evitando observá-la diretamente. Ainda assim, me mantive sobrolho. Caminhando a passos hesitantes, fui invadido por turbilhão de pensamentos. Tentei clarear a mente e logo reconheci que era impossível. Quanta agitação, ansiedade e tensão. Dentro da casa, não havia ninguém; só nós dois diante de um balcão. Ela me levou até o seu quarto e falou pra eu sentar na cama e aguardá-la. Observei tudo ao meu redor. Em segundos, memorizei o cenário e aprendi um pouco sobre seus interesses que incluíam livros, CDs, filmes em VHS e uma coleção de bichos pequenos de pelúcia, inclusive réplicas de gremlins.

Bárbara então retornou com um kit de primeiros socorros, limpou meus ferimentos e fez quatro curativos em meus braços e joelhos. Enquanto suas mãos delicadas, aveludadas e mornas tocavam minha pele, notei que ela era muito mais bonita se observada em profundidade. Tinha algumas pintinhas acastanhadas no busto e uma minúscula cicatriz na cintura. Sua tez bronzeada era tão singular e rutilante que fazia meu coração se projetar com a ressonância de um alto-falante.

Em menos de dois minutos, me vi imerso num universo silencioso, onde as belezas triviais das ruas inexistiam. Vizinhos não falavam, carros não passavam, pássaros não cantavam e galhos não balouçavam. Eu não ouvia nem enxergava nada para além da porta do quarto de Bárbara. Por um momento, ela se levantou e me lançou um olhar que fez eu me sentir como se estivesse nu. Deslizou vagarosamente o dorso da mão direita pelas minhas maçãs, aproximou seu rosto, segurou o meu com as duas mãos e me beijou vagarosamente.

Seus lábios, quentes como chuva de verão, vinham acompanhados de um sol que principiava a chegada da nova estação. A ansiedade e rigidez de meu corpo se esvaíam como se nunca tivessem me habitado, fazendo-me sentir como um renascido jovem sopitado. E assim, Bárbara, com 15 anos e sua essência medicinal, um dia se mudou para longe depois de mergulhar minha natureza no prazer hominal.

Contribuição

Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar:





Jessé, um homem motivado pela simplicidade

with 3 comments

Perambulando pelas ruas de Paranavaí, o andarilho já evitou furtos e roubos

Jessé Piedade com a Sogra, sua cobra de mais de dois metros (Foto: David Arioch)

Jessé Piedade com a Sogra, sua cobra de mais de dois metros (Foto: David Arioch)

Dias atrás, passando pela Rua Pernambuco no início da noite, vi um rapaz com uma réplica de uma cobra de mais de dois metros enrolada no pescoço. Sorridente, se apresentou como Jessé Piedade, de 39 anos, e explicou que a confeccionou usando apenas um pedaço de pano, espuma, agulha e linha. Intrigado, sugeri marcarmos um dia para que me contasse sua história.

Numa quinta-feira, por volta das 16h, a secretária da Casa da Cultura Carlos Drummond de Andrade, Elza Pavão, me liga avisando que Jessé está me esperando. Assim que chego lá, o encontro apreensivo e sentado diante de um pé de jaca. Quando tiro o gravador do bolso, ele pergunta: “Ué, mas você vai gravar mesmo? Vai sair uma reportagem comigo?”, questiona com olhos intumescidos.

Após a confirmação, o rapaz dá uma risada expansiva ao mesmo tempo em que as folhas longas e verdes da jaqueira se movem com a chegada de uma brisa pós-chuva. “Sou de São Paulo, capital. Comecei a trabalhar como motorista com 18 anos. Fiquei nesse serviço por 17 anos atendendo a um advogado. Fazia tudo que precisava, até que chegou um momento em que ele não teve mais condições de continuar me pagando. Apesar disso, sempre foi um excelente amigo. Era como um pai pra mim”, conta.

Perdido e desinteressado em continuar em São Paulo, Jessé se mudou para Paranavaí, no Noroeste do Paraná, há três anos, onde esteve várias vezes desde a década de 1990 com o ex-patrão. “Vim pra cá porque gostei daqui. Não tenho do que reclamar da cidade. O povo é muito humano. O que mais tenho aqui são amigos, inimigos não”, garante o paulistano com sotaque curitibano.

Com a carteira nacional de habilitação (CNH) vencida há mais de cinco anos, o rapaz não esconde o saudosismo da época em que dirigia até caminhão. O último emprego antes de vir ao Paraná foi no Hospital Regional de Itapetininga, no interior paulista, onde atuou como motorista, fiscal e vigia por dois anos e oito meses. Mas a vida de Jessé mudou anos antes. “Minha mulher tinha um boteco e virei um ‘chapéu velho’. Comecei a beber dentro do relacionamento e me entreguei ao alcoolismo após a separação em 2005. Ela não bebia. Só eu mesmo que fiquei assim”, confidencia.

Mais tarde, Jessé Piedade recebeu um convite para trabalhar com montagens de palco e de cenário de shows, chegando a coordenar equipes para atender a banda Capital Inicial e sertanejos como Daniel e Rio Negro e Solimões. “Todo mundo muito legal. Eu aparecia no local cinco dias antes do show e contratava pelo menos 15 peões pra realizar o serviço. A gente também fazia compras, decorava o camarim. Trabalhei com muitos artistas. Era freelance, né?”, declara.

Jessé atuou em Avaré, Itapetininga e Lençóis Paulistas, a serviço de grandes produtores de espetáculos como Marcos Mioto e Marcos Savian. “Sempre me pagaram certinho”, assegura o rapaz que não se esquece de quando achou no camarim uma bolsa preta com R$ 72 mil após um show em Avaré. “Estava chovendo muito naquela madrugada. Entrei lá pra fazer a limpeza e recolher as sobras de comida. Vi aquele monte de dinheiro e me deu até tremedeira. Em seguida, avisei a dupla Rio Negro e Solimões e eles passaram lá pra buscar. Meus companheiros queriam me matar. Me deram um valor lá e alguns agasalhos. Até se me dessem R$ 1 eu ficaria feliz. Não sou ganancioso”, revela com tranquilidade.

Lucrando R$ 4 mil por mês, Jessé gastava mais de um terço do que ganhava com bebidas. Sozinho, consumia uma garrafa de whisky por noite. Já sofrendo em decorrência de cólicas renais, quase morreu após uma convulsão. “No show do Fernando e Sorocaba tomei uns goles e dormi no ônibus. Como o palco era uma concha, deu um vento forte que quase derrubou tudo. O povo saiu me procurando. No outro dia cedo, achei whisky e continuei bebendo”, relata.

Rapaz mostra o terreno baldio onde viveu temporariamente perto do Clube dos Bancários (Foto: David Arioch)

Rapaz mostra o terreno baldio onde viveu temporariamente perto do Clube dos Bancários (Foto: David Arioch)

Como os problemas foram se agravando, os produtores avisaram que o rapaz não poderia continuar sendo negligente no trabalho. Então Jessé abandonou a função, já que era impossível se manter sóbrio com tantas bebidas ao alcance das mãos. “Dava pra ganhar bem, o problema era que eu não tinha controle sobre mim e estava perdendo minha filha por causa disso”, justifica.

Depois de dois anos em Paranavaí, onde também trabalhou para um advogado que o ajudou bastante, Jessé começou a ir para o campo colher laranjas e ensacá-las para revender atrás do Posto Panorama, na Rua Maria Anchieta de Morais. “Até hoje faço isso quando surge alguma oportunidade. Tenho um parceiro que me chama, daí dividimos as despesas. Mas, cara, vou te falar uma coisa. No meio dos laranjais é comum encontrar cobra, só que eu não tenho medo. Na verdade, elas que têm que ter medo de mim”, brinca rindo.

Atualmente, Jessé se alimenta apenas uma vez por dia – no horário de almoço. Quando chove acaba passando fome por não ter coragem de pedir esmola. Além de catador e vendedor de laranjas, entrega panfletos e faz capina de terrenos. “Tenho enxada e rastelo. Sou pau pra toda obra. Queria ter um carrinho pra vender frutas como laranja, abacaxi, mexerica e limão. São mais fáceis de se comercializar”, comenta.

Em Paranavaí, Jessé conheceu o casal Dirce e Ailton que o ajudou conseguindo uma vaga em uma clínica para alcoólatras em Nova Aliança do Ivaí, administrada pelo frei Ivani Ribeiro Pinheiro. Após quase um mês de internamento, um dia o rapaz foi enviado a Paranavaí para passar por uma reavaliação médica ao lado da delegacia. “A perua me levou lá, daí o médico disse que eu estava com sérios problemas no fígado e na próstata. Fiquei nervoso e fugi. Saíram atrás de mim e me acharam na rua. Eu disse que não iria voltar porque não consigo ficar confinado. Apesar disso, sou muito grato a dona Dirce, uma pessoa muito boa que me ajudou demais”, admite.

Depois de algum tempo, Jessé tira do bolso várias cartelas de diazepam. Segundo o rapaz, é impossível dormir sem consumir o sedativo. Junto, tomava clonazepam (rivotril), mas interrompeu o uso porque o calmante tarja preta agravou os problemas no seu fígado. “Já perdi 18 quilos. Falam que tenho um tumor que dificulta a digestão, por isso vomito todo dia. Cara, hoje estou numa situação muito difícil”, reconhece levando as mãos à barriga saliente que contrasta com a magreza e o aspecto anêmico.

Durante a entrevista, sinto cheiro intenso de álcool e não resisto em perguntar se Jessé continua bebendo. O rapaz diz que consome apenas um copo cheio de vinho barato após o almoço. Levando em conta que começamos a conversar depois das 16h é difícil acreditar na resposta. “Tá certo! Vou falar a verdade. Quando fico nervoso tomo até um litro brincando. Só que juro que comecei a beber menos tem dois anos”, alega.

Jessé Piedade define a própria vida como complicada. Andando sempre sozinho, muitas vezes sai às ruas sem objetivo ou destino. Quando não consegue nenhum “bico” ou se cansa de perambular, fica na rodoviária sentado em um banco assistindo TV ou conversando com os amigos taxistas. “Sempre vivi sozinho. Eu, Deus e mais ninguém. Só que rodo essa cidade toda numa boa, conheço tudo. Tem dia que vou daqui até o Sumaré pra ver se tem carga pra carregar em algum posto. Agora estou morando na rua, cada dia durmo num lugar diferente”, enfatiza. Com a experiência de quem viveu na chácara de uma tia em São Paulo, o rapaz faz planos: “Ainda quero ter um sítio pra plantar hortaliças e vendê-las na cidade. Também sonho em estudar direito.”

“Sempre vivi sozinho. Eu, Deus e mais ninguém" (Foto: David Arioch)

“Sempre vivi sozinho. Eu, Deus e mais ninguém” (Foto: David Arioch)

Enquanto os desejos não se realizam, Jessé se orgulha de ações em benefício dos vizinhos, quando vivia em um barraco improvisado em um terreno baldio na Rua Miljutin Cogej, perto do Clube dos Bancários. “Teve um rapaz que invadiu a casa de uma vizinha e levou a bicicleta. Corri atrás dele e o derrubei. Ele fugiu sem a ‘magrela’. Também impedi o furto de materiais de construção na casa de outro vizinho que estava fazendo uma reforma”, narra e sorri quando as histórias são confirmadas pelo guarda do clube.

Quem vê Jessé na rua, sempre comunicativo e brincalhão, dificilmente percebe que ele sofre de depressão. Lidando com a doença há mais de cinco anos, o rapaz confessa que às vezes sente muita raiva. “Lembro de bastante gente que se aproximou de mim quando eu estava bem. Aí desapareceram quando fiquei mal. Tem dia que só penso em dar um tiro na minha própria cabeça”, desabafa.

Casal ajudou Jessé a enfrentar o alcoolismo

Dirce e o marido Ailton conheceram Jessé Piedade na Rodoviária de Paranavaí, na Avenida Heitor de Alencar Furtado, enquanto aguardavam o ônibus. À época, o rapaz explicou seu desejo de se livrar do alcoolismo.

“Ele estava em um estado de desamparo total. Então nos responsabilizamos em ajudar, inclusive conseguimos um lar temporário para o Billy, seu cachorro. Internamos o Jessé em Nova Aliança do Ivaí. Quando saiu, vimos que ele precisava de um lugar decente pra ficar e o colocamos em uma pensão. Só não ajudamos mais porque não tínhamos condições”, relata Dirce que qualifica Jessé como uma pessoa inteligente, educada e tranquila.

O rapaz só não ficou mais tempo internado porque a necessidade de liberdade “falou mais alto” do que a vontade de se tratar. “Até hoje acompanhamos a realidade do Jessé. Torcemos muito por ele”, garante Dirce que não vela as esperanças de vê-lo saudável.

Um artesão por acaso

Um dia, Jessé Piedade teve um sonho com uma cobra e quando acordou decidiu comprar linha de crochê, agulha e tecido pra criar uma, mesmo sem jamais ter costurado coisa alguma. “Encanei, mas a Sogra [nome da cobra] não ficou muito boa. Agora vou dar uma caprichada e fazer uma Anaconda”, relata rindo, acrescentando que a cabeça do animal foi pintada para proporcionar mais realismo. A princípio, a intenção era fazer uma cobra de 12 metros.

No entanto, Jessé achou que seria impossível circular com uma réplica tão grande. “Muita gente ficou com medo quando viu de longe essa que fiz. Teve criança correndo, chorando e pedindo pra tirar foto. Quando saio sem a cobra, até os mais velhos perguntam o que fiz com ela”, conta. Depois da primeira criação, o rapaz já recebeu um pedido para confeccionar uma cascavel. “Ela vai ter um guizo de verdade, de sete anos. A senhora que encomendou quer que eu o coloque. Ela perguntou quanto cobro pelo serviço e eu disse que faço de graça”, confidencia.

“Hoje eu tô com saudade do Billy”

“Hoje eu tô com saudade do Billy. Não acho mais ele”, diz o andarilho Jessé com um olhar baixo e uma expressão de tristeza, se referindo ao seu melhor amigo, um cãozinho mestiço de dois anos que ele tirou da sarjeta da Rodoviária de Paranavaí quando o animalzinho tinha dois meses. “Um guarda lá deu dois choques na boca do bichinho com um arma. Ele quase morreu. Então cuidei dele e a gente se apegou um ao outro”, narra.

Apesar de tudo, Jessé ainda sonha em ter um sítio e cursar direito (Foto: David Arioch)

Apesar de tudo, Jessé ainda sonha em ter um sítio e cursar direito (Foto: David Arioch)

A convivência entre os dois era tão harmoniosa que Billy acordava Jessé todos os dias às 5h30 para trabalhar. “Ele tomava o café dele numa padaria do Jardim Simone e voltava pra ver se eu tinha me levantado. Se eu não estivesse em pé, ele latia até eu pular do colchão”, lembra. Bem querido pela população do bairro, Billy ganhava café da manhã todos os dias e atendimento quinzenal em um pet shop. “Um dia eu fui lá e falei: ‘Engraçado, né? Vocês dão tudo pro cachorro, mas ninguém faz nada pro pai dele aqui’”, revela Jessé às gargalhadas.

O andarilho e o cãozinho não se afastavam nem quando o andarilho precisava ir ao mercado. Billy sempre esperava Jessé do lado de fora, deitado em um tapete. “Um dia ele sumiu e fiquei tão nervoso que me deu um febrão. Algum tempo depois, fui ao Ginásio Lacerdinha ver um jogo e de longe vi o Billy. Daí gritei: ‘Billy, Billy! Filho da puta!’ E ele se esticou todo e veio correndo pra cima de mim, berrando e rolando no chão”, destaca.

O reencontro durou pouco tempo. Billy sumiu no mesmo dia e reapareceu num domingo na feira livre da Rua Pará. Enquanto caminhava próximo a uma banca de alface, Jessé foi surpreendido por um salto de Billy. “No dia seguinte, saí pra vender laranja e ele sumiu outra vez. Me contaram que um motorista de um Corsa sedan prata pegou ele. Mas tenho certeza que quando eu sair pra entregar panfleto ele vai voltar na hora quando sentir meu cheiro”, acredita.

“Fiquei 20 dias sozinho no mato quando meu pai morreu”

Ao falar do passado, as melhores lembranças de Jessé Piedade remetem à infância, principalmente o relacionamento com o pai e o avô. “Meu avô era uma pessoa fantástica. Fiz datilografia com 11 anos e ele me deu uma máquina. Era daquela Olivetti pequena. Depois me deu bicicleta, mobilete. O dia mais feliz da minha vida foi quando pedi pra ir ao Play Center. Eles disseram não e fiquei chateado, mas depois me levaram. Isso foi em 1987. Só que infelizmente meu avô morreu por causa de um [acidente vascular cerebral] AVC”, informa.

Hoje, de todos os familiares, Jessé tem contato esporádico apenas com a filha e a irmã. Seu pai, que era pastor, faleceu minutos após um culto, quando estava dirigindo um automóvel, aguardando o sinal verde do semáforo. “Teve um infarto fulminante. Foi tão impactante que não me deixaram ver. Cara, tenho uma saudade do meu pai que você nem imagina”, confessa com olhos marejados. Quando recebeu a notícia, o rapaz sumiu de casa e ficou 20 dias sozinho, dormindo em barraca numa área de mata fechada.

“Mais tarde, minha mãe casou com uma pessoa que não gostava de mim e não tenho notícias dela há mais de dez anos”, assinala e acrescenta que apesar da distância tem um bom relacionamento com a filha Raíne Vitória, que mora em São Paulo, e com a ex-mulher. “Nos damos muito bem, só que minha filha briga muito comigo. Quer que eu mude de vida o mais rápido possível. Ela fez 15 anos no último dia 15 de novembro”, pontua sorridente.

Written by David Arioch

November 23rd, 2015 at 12:43 am

Neusa Sanches conta a história do Femup

without comments

Neusa fez parte da turma de estudantes que criou um dos festivais mais antigos do Brasil em atividade

Neusa Sanches: “A ideia de se chamar de festival partiu do professor Gomes da Silva” (Foto: Amauri Martineli)

Neusa Sanches: “A ideia de se chamar de festival partiu do professor Gomes da Silva” (Foto: Amauri Martineli)

“Nós éramos a turma pioneira do curso clássico do Colégio Estadual de Paranavaí [CEP]. Nos reunimos em 13 alunos para discutir sobre a formatura e pensamos em realizar alguma promoção”, conta a professora Neusa Sanches, uma das fundadoras do Festival de Música e Poesia de Paranavaí (Femup), criado em 1966.

A princípio, por iniciativa de Osvaldo Cruz, vários estudantes cogitaram a possibilidade de fazer um baile, até que Neusa Sanches sugeriu uma noite de artes. Todos concordaram com a ideia e procuraram o professor Gomes da Silva, do Rio de Janeiro, que ministrava aos alunos um curso de oratória e liderança. “Fomos até o Hotel Elite, onde ele estava hospedado. Falamos a nossa ideia e ele achou ótima”, lembra Neusa.

A primeira sugestão da turma foi a abertura de inscrições de poemas inéditos. Como não havia categoria música, a animação do evento era feita por professores e alunos do Conservatório Nice Braga. “A ideia de se chamar de festival partiu do professor Gomes da Silva. Ele disse o seguinte: ‘Façam o primeiro festival e depois deem continuidade’. Começamos o trabalho antes das férias, em junho. Não tivemos muito tempo. Mas tudo deu certo com a orientação dele. Logo saímos às ruas colando cartazes”, relata.

O primeiro festival teve um formato elitizado, já que os convites eram vendidos para pessoas que os alunos consideravam interessadas em arte. Além dos envolvidos na organização, 50 convidados participaram da primeira edição realizada no Paranavaí Tênis Clube. Quem fez a apresentação foi o professor Ângelo Sebastião de Andrade, diretor do Colégio Estadual de Paranavaí.

Gomes da Silva à esquerda e Neusa Sanches ao centro no primeiro festival em 1966 (Acervo: Neusa Sanches)

Gomes da Silva à esquerda e Neusa Sanches ao centro no primeiro festival em 1966 (Acervo: Neusa Sanches)

Dos 16 poemas inscritos, um era “Maria Rio Bahia”, do professor Gomes da Silva.

Neusa declamando no Femup de 1967 (Acervo: Neusa Sanches)

Neusa declamando no Femup de 1967 (Acervo: Neusa Sanches)

Toda a divulgação do evento era feita a pé e o dinheiro arrecadado com a venda de convites era destinado às despesas gerais, incluindo confecção dos pequenos e simplórios troféus. Para evitar imprevistos e desorganização, como a maior parte dos estudantes trabalhava, eles assumiram o compromisso de usar a hora do almoço para contribuir na coordenação do evento. “Eu, por exemplo, fazia o curso clássico à noite e escola normal durante o dia. Ninguém tinha muito tempo. Era preciso fazer sacrifícios”, garante Neusa.

No segundo festival, que teve um público três vezes superior ao primeiro, o radialista Fernando da Silva declamou “João das Dores” e também “Maria Rio Bahia”. “Ele foi excelente e ajudou a dar uma cara popular ao festival. O segundo Femup foi realizado em parceria com o pessoal da turma do clássico do período noturno. Não tinha mais a turma da manhã. A repercussão só foi melhorando”, declara Neusa que se emociona ao se recordar do empenho do professor Gomes da Silva.

A partir do terceiro festival, ainda sob coordenação da turma pioneira do curso clássico, não houve mais cobrança de convite nem de ingresso. O 4º Femup, realizado no Cine Ouro Branco em 1969, e pela primeira vez fora do Paranavaí Tênis Clube, contou com o 1º Concurso de Contos de Paranavaí. O grande vencedor foi o escritor Paulo Marcelo Soares da Silva com o conto “O Cafezal”, publicado no Diário do Noroeste.

Desde as primeiras edições os organizadores convidavam professoras de português para participarem da comissão julgadora. “Sempre tivemos essa preocupação. A professora Maria Alice Penteado, que depois casou com o João Vitorino Franco, depois de estreitarem contato através do festival, teve importante participação na comissão de poesia”, declara Neusa Sanches.

Se nos dois primeiros festivais a participação se restringia mais a Paranavaí, a partir do terceiro o Femup começou a atrair atenção de pessoas de todo o Paraná. “Vinha muita gente de Londrina. E com a criação do concurso de contos o festival cresceu muito. Tínhamos apoio do radialista Fernando da Silva que fazia entrevistas com artistas e organizadores do Femup em horário nobre. O Diário do Noroeste e a Folha de Londrina também ajudaram muito”, garante.

Outra característica que distingue o Festival de Música e Poesia de Paranavaí de muitos outros festivais é que desde o surgimento já existia uma preocupação em publicar os trabalhos vencedores. “Começamos em 1966 com um livrinho bem simples, encadernado, até feinho, feito no mimeógrafo. Fazíamos tudo com material doado, desde a tinta até as folhas. Não tínhamos condições financeiras de ir além”, justifica Neusa, lembrando que só os quatro melhores trabalhos eram premiados.

Após décadas de envolvimento com o festival, a professora Neusa Sanches se afastou para cuidar dos filhos pequenos. “Quando me tornei professora do Colégio Estadual, eu sempre participava das comissões julgadoras de contos e poesia. Mais tarde, preferi me distanciar para não fazer um trabalho mal feito. Mas posso dizer que passei muitos anos sem perder nenhum, era macaca de auditório”, comenta às gargalhadas.

João Franco e Leonar Cardoso se emocionam ao falar do Femup

João Vitorino Franco e Leonar Araújo Cardoso também fizeram parte da primeira turma do curso clássico do Colégio Estadual de Paranavaí (CEP) que criou o Festival de Música e Poesia de Paranavaí (Femup). Os dois se recordam com muita emoção das primeiras edições. “Até então a gente nem pensava em festival. Queria só fazer uma atividade cultural. E a pessoa mais indicada para nos ajudar era o professor Gomes da Silva. Ele abraçou a ideia e explicou o que era preciso fazer”, conta Franco.

Leonar Cardoso: “Tínhamos mais público e mais experiência. Não estávamos mais restritos ao curso clássico e ao Colégio Estadual de Paranavaí” (Foto: Arquivo Pessoal)

Leonar Cardoso: “Tínhamos mais público e mais experiência. Não estávamos mais restritos ao curso clássico e ao Colégio Estadual de Paranavaí” (Foto: Arquivo Pessoal)

Leonar relata que o 1º Femup teve um público modesto, mas que serviu de estímulo para levar a iniciativa mais a sério, ampliando a qualidade do festival. “Procuramos algumas empresas de Paranavaí porque já achávamos importante fazer um troféu para entregar aos vencedores. Todos ajudaram. Só não vou citar nomes dos patrocinadores porque posso esquecer algum e ser injusto”, justifica João Vitorino.

O segundo festival trouxe novo fôlego e começou a chamar a atenção da população de Paranavaí. “Tínhamos mais público e mais experiência. Não estávamos mais restritos ao curso clássico e ao Colégio Estadual de Paranavaí”, comenta Leonar Cardoso. A comissão organizadora do 3º Femup foi presidida por João Franco que considera um privilégio a oportunidade de organizar um festival que hoje tem abrangência nacional e quase 50 anos. “Se tudo deu certo em 1968 é porque todos os meus colegas contribuíram. A gente ainda não tinha ideia da dimensão que o festival alcançaria. Foram anos inesquecíveis no Paranavaí Tênis Clube e Cine Ouro Branco”, avalia Franco.

Hoje, os ex-alunos do curso clássico do Colégio Estadual acham mais do que justo dizer que o mérito também é de Paranavaí. “A cidade, indireta e indiretamente, tomou consciência do festival a partir da segunda edição e se tornou muito participativa”, defende João Vitorino, lembrando que o festival não existiria hoje sem o apoio da população e da classe artística local.

Neusa Sanches, Leonar Cardoso e João Franco, que estão entre os homenageados do 50º Festival de Música e Poesia de Paranavaí, lamentam apenas a ausência de importantes nomes que ajudaram a moldar o Femup desde a primeira edição. “Dói saber que um amigo como Osvaldo Cruz, uma figura extraordinária, já não está mais entre nós. Mas a vida é assim. Também sentimos a falta de Hermenegildo Garcia que foi embora de Paranavaí há muito tempo. Ele trabalhava na Rádio Cultura e ajudou demais na divulgação. Torcemos para que o Femup nunca chegue ao fim”, declara João Franco.

Primeira página da antologia mimeografada do 1º Femup, resguardada pela professora Elmita Simonetti Pires (Acervo: Fundação Cultural de Paranavaí)

Primeira página da antologia mimeografada do 1º Femup, resguardada pela professora Elmita Simonetti Pires (Acervo: Fundação Cultural de Paranavaí)

Quem era o professor Gomes da Silva

O professor José Gomes da Silva, graduado em letras e professor no Rio de Janeiro, é considerado pelos criadores do Femup como a “alma do festival”. Responsável por ensinar como fazer um bom evento de artes, inclusive como julgar, morou em Paranavaí até o final do terceiro festival. “Uma das declamadoras, a Célia, se casou com ele. Numa das viagens para Curitiba, eles sofreram um acidente e caíram na serra. A Célia morreu e o professor Gomes da Silva conseguiu salvar o bebezinho deles depois de subir a serra para pedir socorro. Eu soube que ele deixou a criança no hospital e desapareceu”, confidencia a professora Neusa Sanches.

Comissão organizadora do 1º Femup

Professor José Gomes da Silva, Alzira Suguino, Clóvis Costa Cordeiro, Edna Parpinelli, Elizeu Petrelli de Vitor, Else Ravelli, Gentil Carraro, Hermenegildo Garcia, João Vitorino Franco, Juarez Echeli, Leonar Araújo Cardoso, Luiz Geraldi Sobrinho, Luiz Volzzi Neto, Mara Watanabe, Neusa Sanches, Osvaldo Cruz (In memoriam), Pedro Jardim e Terezinha Silva de Oliveira.

 Vencedores do 1º Concurso de Contos de Paranavaí

1º lugar – O Cafezal – de Paulo Marcelo Soares da Silva
2º lugar – Simone – de Guido Feuser
3º lugar – O Sorriso de Terê – de Ana Maria Bordim
4º lugar – Erradicação na Sociedade – de Lucas Trenhenhém e Dermeval Chapadura
5º lugar – Soninha – de Paulo Marcelo
6º lugar – A Cozinheira – de Saul Bogoni
7º lugar – A Pasta – de Nêodo Noronha Dias
O conto “O Cafezal” foi publicado na época no Diário do Noroeste. Infelizmente, por causa de um incêndio, foram perdidos todos os registros nesse sentido e eu não guardei o original.

Curiosidades

Na primeira edição o Femup recebeu cerca de 60 inscrições.

Em 1987, o troféu Barriguda, então feito de ferro e desenvolvido pelo artista plástico Saulo Suguimati, foi entregue pela primeira vez aos participantes que ficaram em primeiro lugar no festival.

Outra boa lembrança era frequente participação do declamador José Maria Cavalcanti.

Frases da professora Neusa Sanches

“O falecido Osvaldo Cruz era da linha de frente em 1966. Muito companheiro, assim com o Hermenegildo Garcia.”

“A Elmita Simonetti Pires era pequeninha e já declamava nas primeiras edições. Era muito bonito de se ver.”

“O Paulo Cesar de Oliveira depois injetou mais ânimo no Femup com o Grupo Gralha Azul.”

“Quando o doutor Atílio planejou criar o curso clássico em Paranavaí, a menina dos olhos dele, trouxe muita gente de fora. Veio o professor Apolo e vários outros professores de português, francês e latim que eram de Curitiba. Todos deram sua contribuição.”

“O professor Gomes da Silva foi o melhor orador que conheci na minha vida.”

Contribuição

Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar:





Briga de rua

without comments

Em meio a socos, chutes de peito de pé e hadaka jime, um dia um senhor alto apartou eu e Fabiano

Meu irmão à frente, Fabiano à esquerda e eu à direita quando brincávamos de lutinha (Foto: Arquivo Familiar)

Meu irmão Douglas à frente, Fabiano à esquerda e eu à direita quando brincávamos de lutinha (Foto: Arquivo Familiar)

Eu tinha nove anos, meus punhos estavam cerrados e levantados à altura do meu queixo enquanto meus pés descalços raleavam a terra arenosa do quintal da nossa casa branca na Rua Artur Bernardes. Os movimentos rasteiros faziam a poeira castanha emergir do chão, polvilhando meus tornozelos. Ao redor das jabuticabeiras que neutralizavam a invasão do sol por vários pontos, Mussum latia ocasionalmente, saracoteando de um lado para o outro e tentando retesar o próprio rabo em forma de biscoito.

Preto que chegava a azular, o cãozinho ranheta, com uma barriguinha desnuda em pelos e temido pelos vizinhos, era naquele momento o nosso juiz. À minha frente, Douglas, meu irmão mais velho, também mantinha os punhos firmes e os olhos fixos em minha direção, esperando qualquer investida inesperada. Fabiano, Henrique e Thiaguinho assistiam tudo e faziam provocações, arremessando jabuticabas podres no centro da nossa arena demarcada com gravetos. Rindo, meu irmão me golpeou de leve no peito e eu retribui dando-lhe um soco canhestro na barriga. A cada murro a arena ficava menor. Íamos nos aproximando, arrastando os pés encardidos, até que a luz do sol, mais forte a certa hora, atravessava as jabuticabeiras e queimava nossos ombros nus, deixando marcas disformes que pareciam tatuagens adâmicas dos Homens do Sol.

Em seu esplendor, avisava sem fazer barulho que era hora de findar a distância. Então nos lançávamos um sobre o outro e caíamos na terra, rolando com destemor. Às vezes íamos tão longe que batíamos as costas na base da jabuticabeira, sentindo suas raízes ocultas pela relva nos impulsionando para cima. Cada choque violento na parte mais baixa do tronco chegava à minha mente em forma de frases curtas: “Levante-se, levante-se agora!”, “Você é tonto?” “Quer sair daqui com as costas raladas?” “Depois não adianta resmungar quando deitar na cama com as costas queimando”, “Vamos, moleque!”, me imaginava sendo advertido pelo pé de jabuticaba balouçando seus galhos como as mãos de um sujeito escalafobético.

Os golpes nos causavam pouco ou quase nada, mas as polpas das jabuticabas podres roxeavam nossos corpos depois de esmagadas, criando uma ilusão de ringue sangrento. Parecendo sapos-arlequins da Costa Rica, nos levantávamos rindo, exibindo os dentes brancos de forma caricata. Afinal, era a única parte não colorida pelo intenso violáceo da fruta. E assim a brincadeira continuava. No nosso ritual pós-luta, nos aproximávamos e tirávamos as cascas de jabuticaba que se fixavam nas partes que nossos braços curtos não alcançavam. Um ajudava o outro e apontava os desenhos que surgiam a partir dos diferentes matizes de roxo. Éramos duas telas que a natureza se encarregava de pincelar de acordo com nossas ações, previsíveis ou não.

Através do sol, das árvores e do solo firme como nossa crença de que nada era mais importante que o tempo presente, a natureza enchia meus olhos, apresentando um universo de infinitas possibilidades. O mundo era limitado para quem o via arestado, inclinado sobre um flanco debilitado. Arteiros, subíamos nas jabuticabeiras e esfregávamos o nariz púrpuro entre as flores brancas, pequenas e perfumadas. Sentia minhas narinas tingidas nas bordas como se fossem o botão do floreado.

No alto, com os pés nus escorados em suas curvas finas e medianas, comíamos jabuticaba até alguns galhos ficarem lisos. Mussum, que não aceitava o fato de não saber subir em árvores, girava até estontear e deitava na relva com os olhos já amansados. Era o apoteótico desespero do curvilhão. Vencido, movia a cauda argolada com sutileza contra um punhado de frutas que se esfacelavam no chão, protegidas pelo silêncio da leveza. Seu prêmio de consolação era o rabo roxeado que ele usava como bastonete de tira-gosto. Esfregava a cauda sobre as jabuticabas e a lambia com cuidado e atenção. Só parava quando recobrava o seu negrume natural.

Ocasionalmente, as lutinhas eram realizadas ao ar livre. Ninguém se machucava de verdade, e a encenação proporcionava mais realismo à brincadeira, tanto que passantes paravam e nos observavam, talvez refletindo se deveriam ou não intervir no que estava acontecendo. Em meio a socos, chutes de peito de pé e hadaka jime, um dia um senhor alto e corpulento de pouco mais de 40 anos, recém-chegado ao bairro, apartou eu e Fabiano. Descalço e concentrado sobre a calçada de casa, vi apenas uma grande sombra me cobrindo e bloqueando o sol. Pequeno, me senti diante de um eclipse. “Por que vocês tão brigando?”, disse o vozeirão retumbante que parecia emanado dos céus. Estremeci e pensei até que pudesse ser Deus me repreendendo pelas minhas traquinagens.

“Vocês já sentiram a espora de um galo de combate no calcanhar? Acho que eu não seria capaz de suportar isso, ou a perda de um olho, ou dos dois olhos, e continuar a lutar como os galos de combate. O homem não é tão forte quanto os outros animais”, defendeu, citando Hemingway em “O Velho e o Mar”. “E mesmo que fosse, de que valeria isso se as palavras são sempre mais vigorosas que os braços? O corpo cansa justamente quando a mente descansa. Não se enganem, meus amigos”, advertiu o homem de origem ucraniana que tinha apelido de Polaco. O nariz de Fabiano sangrava e provavelmente aquele homenzarrão pensou que eu fosse o culpado. A verdade era que nosso amigo sofria de epistaxe, um sangramento nasal que o impedia de se expor ao sol nos dias mais quentes. “O forasteiro que ali chegasse, mesmo para breve visita, era praticamente obrigado a tomar logo partido”, escreveu Érico Veríssimo em “Incidente em Antares”, que anos depois me fez rememorar o episódio.

Ex-atleta de levantamento de peso básico, Polaco nos convidou para sentar em um banco de madeira da casa vizinha e relatou com voz pausada como seu irmão caçula morreu em 1991. Conhecido como Mão de Tijolo, Ivan Ferdoska caminhava sozinho pelo centro de Paranavaí quando viu um casal discutindo perto do Restaurante Chapelão, na Rua Manoel Ribas. Em menos de minuto, o homem se lançou sobre a própria namorada e deu-lhe dois murros na cabeça e três chutes nas pernas. Assistindo a cena, Mão de Tijolo não se conteve e acertou um soco em cheio na boca do agressor que caiu no chão desnorteado, ladeado por lascas e pedaços de dentes que voaram sobre a calçada. A mão de Ivan era tão grande e a cabeça do agredido tão pequena que era impossível encontrar uma parte do rosto do rapaz que não estivesse roxa.

Sem dizer palavra, Mão de Tijolo ajeitou a camiseta regata preta e seguiu andando, como se nada tivesse acontecido. Nesse ínterim, o homem deitado no chão e com um olho tão caído quanto o do Quasímodo, de Victor Hugo, sacou uma pistola pequena escondida na botina e disparou, com uma arma mais carregada de cólera do que de balas, três tiros contra Ivan que tombou no chão apoiando-se contra os braços flexionados na calçada de petit-pavé. Entre as pedras brancas e pretas, escorria seu sangue, formando um mapa famigerado do acaso, da poltronaria e da torpeza.

O rapaz morreu três horas depois. Polaco ficou ao lado do irmão na Santa Casa de Paranavaí até o suspiro final, observando-lhe os olhos acinzentados e ternos, a boca levemente entreaberta, a tez pálida e o aspecto sorumbático de quem reconhecia o próprio fim aos 28 anos. Apesar dos olhos marejados, evitou que as lágrimas escorressem pelas maçãs descoradas. Nos últimos minutos de vida, abraçou o irmão e jurou que não estava triste. Mão de Tijolo pediu que Polaco tirasse de seu bolso um bilhete premiado de loteria e revelou:

“Saí pra caminhar e pensar no que fazer com o dinheiro. Eu realmente não sabia, agora já sei. Fique com ele e não lamente por mim. No fim, talvez a vida não seja justa, mas é coerente e equilibrada. Poderia ser aquela moça em meu lugar e isso eu não poderia admitir. Se pra cada morte há um nascimento, acho que não devemos reclamar tanto, somente agradecer pela oportunidade de que mais pessoas tenham a experiência de viver. Pouco ou muito ela sempre vai valer a pena. Ah! Amanhã eu iria buscar minha CBX 750 na oficina depois de tanto tempo sem dinheiro. Tudo bem, que assim seja. Meu irmão, só peço a você que não se vingue pelo acontecido. Se quiser fazer algo por mim, espalhe compreensão por onde for, lute contra a violência. Combata o ódio e qualquer outro sentimento que amargue no coração a morte precoce. Acho que não adianta ser aparentemente pacífico se dentro de você habita a violência. A paz também é aquilo que fazemos dela quando estamos sozinhos.”

Após a morte de Ivan, o solitário Polaco continuou morando perto de mim por mais alguns anos, até que vendeu a própria casa e doou todo o dinheiro. Numa véspera de Natal, visitou alguns bairros pobres de Paranavaí e empurrou por baixo das portas envelopes recheados de dinheiro. Sem se despedir e sem chamar a atenção para si, desapareceu. Não sei até que ponto Polaco me influenciou, mas cresci avesso às brigas, como um Alex De Large, de Burgess, naturalmente reformado.

Com 19 anos, fui colocado à prova num início de noite na Avenida Paraná, em frente à antiga Imobiliária Gaúcha, onde alguns amigos marcaram um encontro. Na realidade, era uma armadilha de jovens ébrios. Chegando lá, um deles inventou histórias a meu respeito. Me provocou em vão, pois não reagi. Em silêncio, observei as atitudes dos três que me instigavam a brigar. Sem mover os pés da calçada, me mantive calmo num ambiente hostil. Ainda assim, um deles se aproximou de mim e acertou um soco na minha boca.

O sangue escorreu pelos meus lábios espessos. Experimentei a queimadura do corte no canto superior direito. Na mesma posição, passei o polegar direito pelos lábios, vi o sangue denso, levantei meu dedo banhado em carmesim e perguntei: “Cara, por que você fez isso? É uma pena…” Meu amigo Edson quis bater no agressor, só que eu o impedi porque nada naquele momento me causava medo. “A Morte tinha desaparecido de sua frente e em seu lugar via a luz”, refleti, lembrando-me de Ivan Ilitch, de Tolstói.

Contrariando todas as expectativas, me calei, lavei minha boca em uma torneira instalada no mesmo local e fui em direção à Praça dos Pioneiros, retornando com a roupa avermelhada em algumas partes. Não senti raiva, apenas um misto de pesar e náuseas. Em casa, o sangue foi lavado com lágrimas pachorrentas que já não se repetiam mais. Observava no espelho a abertura no lábio com olhos grandes, então amiudados, e o palato esbraseado pela nebulosa bonomia. Tudo que era palpável no fundo era impalpável.

Ao longo de 10 anos, assisti cada um dos envolvidos no episódio aparecer no portão de casa pedindo desculpas, fazendo ecoar na minha mente um pequeno fragmento de “Só vim telefonar”, de García Márquez. “Dançou, cantou com os mariachis, abusou da bebida, e num terrível estado de remorsos tardios foi procurar Saturno à meia-noite.”

Contribuição

Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar:





Enquanto o ônibus não chega

without comments

A rodoviária desapareceu do meu campo de visão e me senti na orla da existência terrena

Fui até o ponto de vendas da Viação Garcia e comprei uma passagem para Nova Esperança (Foto: Reprodução)

Fui até o ponto de vendas da Viação Garcia e comprei uma passagem para Nova Esperança (Foto: Reprodução)

Num final de tarde de novembro de 2004, quando eu cursava o penúltimo ano de jornalismo, caminhei a pé da faculdade até a Rodoviária de Maringá, na Avenida Tuiuti. A garoa caía fria, amenizando o calor irradiado pelos meus pés. Chegando lá, fui até o ponto de vendas da Viação Garcia e comprei uma passagem para Nova Esperança. A atendente me disse que o ônibus metropolitano atrasaria uma hora ou uma hora e meia porque um dos carros quebrou perto de Presidente Castelo Branco.

Como eu estava longe de casa desde às 6h, não gostei do que ouvi. Circulei pelo pátio, olhei alguns assentos e me imaginei deitado sobre eles, dormindo até a hora do embarque. A ideia rapidamente foi ofuscada pela franca possibilidade de eu perder o ônibus e ainda ser assaltado. Então fui até o banheiro, onde o zelador que despejava o sabonete líquido dos refis me observou de uma forma que pensei que tivesse algo de muito errado com minha aparência. Me aproximei do espelho e não notei nada. Lancei bastante água fria sobre o rosto, tentando afastar o sono e a letargia que me dominavam. Depois ajeitei os cabelos longos e pretos atrás da orelha e me dirigi até a lanchonete.

Pedi um salgado assado recheado com palmito e uma garrafa de água mineral. Comi tranquilamente, alheio às conversas ao meu redor e também à grande TV em volume alto transmitindo um jogo de futebol pela ESPN. Divagando, me recordei que a Editora Escala ainda comercializava a coleção “Grandes Obras do Pensamento Universal”. Me agradava a ideia de comprar livros feitos com papel reciclado por não mais do que R$ 7, se encaixando no meu orçamento. Caminhei poucos metros até a banca de jornais e revistas e contei pelo menos 10 títulos de meu interesse. Filosofia me apetecia muito à época. Escolhi “Cartas Persas”, de Montesquieu; “A Gaia Ciência”, de Nietzsche; e “Ensaio Sobre a Liberdade”, de Stuart Mill. Gastei menos de R$ 20, guardei meus novos livros na mochila e inquieto percorri todos os cantos do pátio até a estafa me consumir pela segunda vez.

Diante da plataforma, sentei numa poltrona fria e abri a mochila enquanto choros e gritos de crianças ecoavam por todas as direções. Algumas queriam dormir, outras pediam doces e brinquedos das lojas. Fechei os olhos por alguns segundos, restabeleci a serenidade e abri o livro “Demian”, do alemão Hermann Hesse, um de meus autores preferidos de todos os tempos, que dialogava com minha humanidade juvenil, conflituosa e existencialista mais do que qualquer outra pessoa. Exatamente na página 28, assim que li o trecho “O fim daquele suplício e a minha salvação me chegaram de onde menos esperava, e com isso entrou em minha vida algo novo, algo que até hoje continua atuando sobre mim”, uma moça da minha idade, de aproximadamente 1,68m, pele alva e coruscante como as pétalas de uma margarida, cabelos castanho-claros e olhos que fulguravam a beleza e transparência de um topázio amarelo, sentou-se ao meu lado, mantendo sobre o colo um exemplar de “Viagem ao Oriente”, do mesmo autor.

A observei furtivamente e continuei minha leitura por pouco tempo. Perdi a concentração ao sentir que seu corpo exalava um perfume que era um paradoxo em essência, um bálsamo suave de frutos silvestres. Sem saber, ela me conduziu a um bosque etéreo, onde a natureza suspensa de suas ramas me cobria com uma luz morna e serena. “Lá estava o mundo ofertando-se por completo diante dele. Voltava com novas cores, cheios de vida, pertenciam-no e falavam sua linguagem. Tinha o mundo inteiro em seu coração e cada uma das estrelas do céu resplandecia nele e irradiava prazer em toda sua alma”, murmurava minha mente, parafraseando fragmentos da página 132 de “Demian”.

Antes de dizer oi, como se acompanhasse minhas reflexões, a jovem ao meu lado comentou que um novo raio de luz se voltava para ela. “Sinto uma alegria aprazível, patente e sem discórdias, coisas que duram breves minutos ou longas horas”, sussurrou, também citando “Demian”, me surpreendendo a ponto de meus olhos se agigantarem em espavento. A cada palavra, seu sorriso iluminava e aquecia meu rosto, contagiado por satisfação que intrigava e alimentava minha substância. Nos cumprimentamos e perguntei seu nome. Com expressão enigmática, me respondeu que era Gertrude. “Sendo assim, o meu é Kuhn”, declarei com um sorriso enviesado seguido por uma rara gargalhada que atraiu a atenção até de estranhos. Numa brincadeira singela, condutora do desconhecido, nos apresentamos com nomes de personagens indissociáveis da novela Gertrude, de Hesse, transpondo para o mundo material um pouquinho da emoção, espiritualidade e motivação que inebriam os seres humanos imersos na sua ficção.

Não perguntei nem especulei nada sobre sua vida e ela fez o mesmo. Apenas seguimos mergulhados em um mundo totalmente nosso. Em menos de meia hora, eu já pouco enxergava além de seus olhos. A rodoviária desapareceu do meu campo de visão e me senti na orla da existência terrena, sobre uma ponte que vibrava, atraindo meus pés para um quinhão distante, que se projetava para dentro e para fora de mim, fazendo meu coração rufar. Como passatempo, ela sugeriu recriarmos “Gertrude” com base em nossos anseios, desconsiderando o que Hesse teria feito ou pensado. Assim a história renascia através da nossa oralidade. Eu falava por Kuhn e ela por Gertrude. Imaginei mais tarde que ao nosso redor parecíamos dois jovens alucinados, o que não nos incomodava nem um pouco. Nos confortávamos com a completude do momento.

Quando o ônibus chegou, entramos e caminhamos até as últimas poltronas à direita. O veículo estava quase vazio. Ela sentou ao meu lado e tirou algumas folhinhas verdes que se fixaram no meu cabelo como presente de uma brisa. Logo começou a esfriar, e o céu enturvecido fez a noite precoce suplantar o horário de verão. Então tirei uma blusa da minha mochila e ela a vestiu. Sem dizer palavra, escorou a cabeça em meu ombro e assistimos a chuva paulatina escorrer pela janela. Como havia poucos passageiros, ouvíamos até os sons estalados dos pneus do ônibus em atrito com a água. A luz que inexistia lá fora, crescia dentro de nós, iluminando tudo aquilo que a visão ignora na superficialidade. Definitivamente o mundo era um lugar diferente.

Gertrude dormia segurando minha mão esquerda, trazendo no rosto uma expressão maviosa que principiava um sorriso. Seus cabelos claros se misturavam aos meus mais escuros que a noite, por ora, grafitada. Seu perfume atuava sobre mim como um fruitivo calmante que harmonizava o ritmo do meu coração. Em Nova Esperança, a chuva se dissipou. Ela acordou e desembarcamos na rodoviária. Não havia conexão para Paranavaí e tivemos que esperar um ônibus convencional da Garcia que chegaria em 40 a 50 minutos. O lugar estava deserto, tanto que ouvi sons de latões de lixo revirados por andarilhos. Gertrude se aproximou de um cãozinho sujo e lhe acariciou a cabeça e a barriga até que ele deitou no pátio da rodoviária com ar de satisfação e as patas apontadas para cima. “O nome dele poderia ser Knulp. É simples, tem jeito de viajante e tenho certeza que não se importa com nada daquilo que motiva a ganância humana”, brincou Gertrude, citando outro personagem de Hesse, e me abraçando contra uma pilastra.

Mantendo meu queixo levemente encostado sobre sua cabeça, em meio ao silêncio notívago, eu ouvia sua respiração e ela a minha. Ficamos assim até a chegada do ônibus. Sentamos nas primeiras poltronas e ela voltou a encostar sua cabeça em meu ombro. Lá fora, assistíamos o estoico contraste da miséria humana. Em Alto Paraná, um rapaz acompanhado de três amigos em um Alfa Romeo Visconti arremessava garrafas long neck contra as placas de sinalização. Na mesma avenida, logo atrás, um homem de mais de 80 anos, com um problema de coluna tão severo que suas costas formavam um arco, recolhia as garrafas que caíam inteiras. Antes de chegarmos a Paranavaí, Gertrude já tinha se aninhado em meu peito. Quando passamos pela polícia rodoviária, perguntei onde ela morava e me disse que iria passar a noite em um hotel, retornando para casa pela manhã. Não entendi o motivo, mas respeitei sua decisão. Afinal, não queria ser visto como intrometido. Na Avenida Heitor de Alencar Furtado, contei que eu desceria no cruzamento com a Rua Antenor Grigoli, e apontei com o dedo o meu destino.

Assim que me levantei, Gertrude segurou minha mão e, com olhos vibrantes, pediu que eu a acompanhasse. Descemos na Avenida Paraná e fomos para um hotel na Rua Getúlio Vargas. Por sorte, ainda havia uma suíte disponível. Subimos, tomamos banho e passamos a noite juntos, nos redescobrindo nas nossas particularidades. Minha voz começava onde a dela terminava, e tudo que emanava de sua natureza floreava a minha própria. Antes de sermos vencidos pelo sono, enquanto ela repousava sobre o meu peito, deslizei as pontas dos dedos das minhas duas mãos pelo seu rosto delicado e, observando atentamente seus olhos dourados, falei: “Há que se ver no olhar o reflexo de um mar que corre calmo e se arrebata com o aroma mais sereno trazido pelo ar. Acho que nem tudo na vida precisa de nome ou de definição. Se estamos aqui agora é o que importa, essa existência rara de uma conexão.”

Ela sorriu, tapou meus olhos com uma de suas mãos miúdas e percorreu meus lábios com os dedos da outra. Depois se aconchegou entre meus braços e dormimos. Pela manhã, por volta das 8h, senti o sol invadindo a janela e iluminando o quarto. Gertrude não estava mais lá. Vesti minhas roupas e desci até a recepção. Ela pagou a conta do hotel, partiu e pediu ao recepcionista que me entregasse um envelope. Numa folha de caderno, confidenciou que não tinha parentes em Paranavaí, que sequer conhecia a cidade. Somente quis me acompanhar e passar pelo menos uma noite comigo, entregue a algo que segundo ela era mais verdadeiro do que a própria vida.

“Me pergunto às vezes quantas pessoas vêm e vão sem se calar o suficiente para ouvir o som do próprio coração. Tanta gente impaciente buscando profundidade em águas rasas, forçando a semeadura de frutos em árvores desfalecidas. Amam o que não amam e amargam na própria essência a dor da falta de vigor. Distante das aparências, choram caladas porque escolheram o pouco que se revestia de muito, o desespero que se travestia fortuito. Numa noite, tive com você o que muitas pessoas nunca tiveram ao longo da vida. Isso é amor em forma inominada, livre, isento, sem rótulos, que reafirma a ideia de que a vida vale a pena até na efemeridade das horas. Somos feitos de lembranças, de momentos e experiências, não de coisas, alianças e convenções sociais. Me perdoe, eu queria muito te ver novamente, mas não posso. Só que nunca esqueça que a ti carregarei pra sempre em meu ser”, escreveu.

Meu coração disparou e minhas mãos tremularam. Voltei pra casa e passei meses sentindo o perfume da tão conhecida e tão desconhecida Gertrude em meu corpo. Ocasionalmente sua voz se projetava no horizonte da minha mente, onde sua frase final dulcificava um eterno poente. “Ficava-lhe a consolação de encontrando-se, por assim dizer, do lado de fora da vida, poder apropriar-se dela e absorvê-la toda de um trago. Restava-lhe a singular e livre paixão de contemplar e observar…Seu destino era, pois, seguir sua estrela, que não reconhecia desvios em seu curso”, registrou, em referência ao final de Rosshalde, de Hesse, que também era o nosso próprio fim.

Contribuição

Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar:





Uma noite em Paranavaí

without comments

Me perdi refletindo sobre como a escuridão também aspira à vida, revela belezas inexistentes à luz do dia

"Ele defendia que a noite era o início, nunca o fim do dia” (Foto: Amauri Martineli)

“Ele defendia que a noite era o início, nunca o fim do dia” (Foto: Amauri Martineli)

Uma vez, assim como outras, saí à noite para dirigir sem propósito específico ou destino. Era por volta das 22h, e a luz anilada da lua descortinava o meu caminho. Nas imediações, um silêncio singular contrastava com pios de uma pequena coruja com as garras presas ao galho mais robusto de uma flamboyant que repousava em nossa casa, esparramando-se em formas menores que pareciam dedos de mãos disformes. Nas extremidades, o vento a acariciava com suavidade e ela estremecia, fazendo suas vagens se moverem como unhas longas em maturação.

Conhecedora da natureza, a coruja mantinha-se imóvel exatamente na altura em que a brisa era mais deleitosa, eriçando suas penas e a estimulando a inclinar a cabecinha amolgada para trás. Inflamada, observava atentamente o entorno e ajeitava as garras sobre um grande galho verdejante que cobria nosso quintal. Então emitia um canto prolongado que soava como sinal de agradecimento. Naquele dia, não vi muitas estrelas no céu. Bonançosas, as nuvens não tinham intenção de impressionar os mais desatentos. Tudo ao meu redor estava especialmente apolíneo e assim me perdi refletindo sobre como a escuridão também aspira à vida, revela belezas inexistentes à luz do dia, quando a clareza realça mais o perceptível do que o imperceptível.

“Por que relegam à noite tantos sinônimos funestos?”, pensei enquanto observava da entrada de casa a luz amarelada e desbastada sobre um poste do outro lado da rua. O sopro noturno prosseguia e me trazia o aroma orvalhado e fresco das hortelãs que minha mãe sempre plantou no quintal. Sentei no meio-fio por alguns minutos, e Kika, a cachorra mestiça de casa, se aproximou, emitindo sons miméticos que tentavam imitar a fala humana. Em situações de grande excitação, ela nunca latia. Queria uma autorização para ganhar as ruas tranquilas de uma noite acirrante. Concedida, correu empolgada, meneando o rabo torto que oscilava como ponteiro entre as pernas finas. Suas orelhas sacolejavam como pequenas e vigorosas bexigas amendoadas, recheadas de alguma coisa impalpável como um pouquinho de ar sem sê-lo.

Na praça da catedral, Kika manteve a boca aberta e os olhos intumescidos. Escorregou pela grama e fez balizas embaixo dos bancos de concreto. Quando cansou, retornou sem se importar com manchas de cal, punhado de carrapichos fincados no dorso e cheiro acentuado de sarça. Ela não ia longe. Nunca foi. Seu senso de liberdade não exigia mais de 500 metros de distância de casa. Assim que ela retornou, tirei o carro da garagem e fechei o portão. Coloquei um CD do Mogwai e comecei a ouvir “Take Me Somewhere Nice”.

O horizonte da Rua John Kennedy, no Jardim Iguaçu, parecia afunilado, entranhado numa escuridão cerúlea e silenciosa que principiava muito mais do que os olhos são capazes de ver num primeiro momento. Guiei o carro pela descida, observando mais adiante a brisa aproximando as copas das árvores, como se quisesse uni-las num túnel seivoso com uma base forrada de flores matizadas. Iam se amontoando nas ruas e calçadas, sincronizadas com o ritmo plácido e gracioso da música.

A ausência de aspereza era tão solene que as folhas e o floreado afagavam o asfalto ferido pelo descaso, remendando-o com suas figuras e cores que contrastavam com a opacidade da fuligem fedegosa de cana. A noite era dos felinos. Com poucos cães na rua, os gatos reinavam solitários. Brancos, pretos, acinzentados e mesclados atravessavam por todos os lados sem pressa, fazendo da cauda uma bandeira, um chicote e uma antena.

Antes de chegar à Avenida Parigot de Souza, um deles correu na minha frente. Ficou parado me observando com uma expressão cabalística. Depois lambeu o próprio pelo escuro como a noite. O rabo longo serpenteou remansado. As patas pouco se moviam e os olhos afogueados reluziam um vermelho portentoso. Desviei e o bichano continuou lá, imóvel no seu capitólio de piche. Assisti pelo retrovisor o reflexo dos seus rubis acompanhando o movimento das rodas do carro.

No semáforo perto do cruzamento da Avenida Paraná com a Rua Pernambuco, um catador de latinhas sem teto fez reverência medieval e estendeu as mãos calejadas, pedindo contribuição dos motoristas para comprar algo pra comer. A maioria se recusou a ajudar, até que alguém o chamou e estendeu através da janela do carro uma sacola com um lanche embalado e uma lata de refrigerante. Sem velar o sorriso largo, o rapaz agradeceu e caminhou rapidamente até um terreno baldio. Lá, abriu a sacola, retirou o lanche e de pedacinho em pedacinho alimentou uma cadelinha mestiça com as patas enfaixadas que repousava sobre um lençol surrado.

Desci mais um pouco, até as imediações do Terminal Rodoviário, onde três travestis, com cabelos bem escovados e usando saias e sapatos de salto agulha, apontavam as mãos para um homem de meia-idade embriagado e segurando uma faca de cozinha. “Se ele me chamar de corno outra vez, vou enfiar a faca nele!”, gritou cortando o vento com a lâmina apontada para o jovem que gargalhava em tom de deboche. Assistindo a cena e prevendo final trágico, o dono de um bar se aproximou e disse:

“Olha, Afonso, te conheço há muito tempo e sei que ainda não é o suficiente pra entender sua dor, mas se a vida não vale o amor, muito menos ela recompensa o desamor. Desilusão amorosa não destrói ninguém. O que te mata é a inexperiência em ver e sentir além. Perdi duas mulheres na minha vida, uma pra outro homem e outra pra morte. O amor não se trata de azar ou sorte. Não culpo Deus, não culpo ninguém. Aprendi há muito tempo que a vida é sempre maior do que nós. Ela é tão grande que muitas vezes não a enxergamos porque estamos cabisbaixos. Tenho certeza que amanhã cedo você vai perceber isso. Vá pra casa, meu amigo. Suas filhas vão precisar de você mais do que nunca.”

Afonso soltou a faca no chão e ela tiniu contra a calçada de mosaico português. Mirando o chão, falou obrigado com a voz embargada e abafada. Levou as mãos ao rosto para esconder as lágrimas, virou as costas e correu arrastando o par de chinelos pela Avenida Salvador, até desaparecer no breu da Rua Serafim Afonso Costa.

Subi pela Rua Paraíba, onde quase em frente ao Shopping Cidade um casal discutia, atraindo curiosidade e comentários até de quem passava a metros de distância. Alguns pareciam esperar e até torcer pelo pior. Não prestei muita atenção na conversa, apenas no momento em que o rapaz puxou a moça para si e a calou, segurando-a pela cintura e dando-lhe um beijo vulcânico que diminuiu até o ritmo do trânsito na Rua Getúlio Vargas.

Depois segui em direção à Avenida Distrito Federal e por um descuido entrei na rotatória sem dar preferência a uma caminhonete que vinha acelerada. Segurando uma lata de cerveja, o motorista buzinou, me ultrapassou na contramão, reduziu a velocidade, abriu o vidro e manteve o dedo médio apontado, aguardando minha reação e me impedindo de passar dos 20 quilômetros por hora. Quando levantei o polegar da mão esquerda, ele simplesmente desapareceu do meu campo de visão, deixando uma rajada de fumaça que em poucos segundos se desvaneceu como sua ira.

Continuei dirigindo, sentindo o vento brando no rosto, o bálsamo volátil das ruas e de tudo que a habita. O tráfego seguia fleumático na entrada do Jardim São Jorge. Acompanhava a lentidão que contagiava um grupo de adolescentes encostados na parede de um prédio comercial abandonado. Bebiam tubão e uns zombavam das tatuagens dos outros, numa brincadeira de ressignificações.

No entorno da Praça dos Expedicionários, um idoso sentado sobre os próprios pés monologava num tom que parecia um exercício de dicção. Quando me viu, se aproximou e me convidou pra descer do carro. “Chega aí, gente fina. Vou te contar uma história”, adiantou. O homem parecia um jovem habitando um corpo de mais de 70 anos. Mantinha a postura ereta e se movia com leveza.

“Não tenho problema na coluna porque a vida toda andei mais inclinado pra cima do que pra baixo. Como você vai enxergar o mundo se não fizer isso?”, ponderou às gargalhadas. Me puxou pelo braço e me levou até o centro da praça, onde as cinzas de seu pai foram lançadas décadas atrás. Em poucos segundos, senti perfume de hortênsia. Quando olhei para o lado, vi aquele homem de quem nunca soube o nome tirando um sem número de pétalas azuis dos bolsos de uma calça larga. Ao caírem no chão, ajudavam a completar um grande círculo apoteótico.

Era uma homenagem ao seu pai, um pracinha que participou da Segunda Guerra Mundial e sobreviveu a um bombardeio em Montese, no Norte da Itália, mas morreu atropelado no mesmo lugar onde a praça foi construída, após salvar um cão abandonado. “Ele continua por aqui. Sei disso porque o mesmo vento que tantas vezes levou suas cinzas para longe daqui as trouxe de volta. Elas vêm e vão, indeléveis, na brincadeira do sopro sul com o sopro norte. A presença do meu velho vem acompanhada do som de um assobio que ele dava sempre que ria. Defendia que a noite era o início, nunca o fim do dia.”

Contribuição

Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar:





Projeto de inclusão digital muda a vida dos moradores de Graciosa

without comments

Armando Lehmkuhl: “Estou aqui há três meses e antes eu só sabia apertar o botão de ligar”

O curso com duração de quatro meses atende hoje três turmas que somam 30 alunos em três horários (Foto: David Arioch)

O curso com duração de quatro meses atende hoje três turmas que somam 30 alunos em três horários (Foto: David Arioch)

São quase 19h, e na esquina da Avenida Osvaldo Cruz, em Graciosa, distrito de Paranavaí, alguns moradores atravessam a via em frente à Igreja Nossa Senhora das Graças, onde fazem o sinal da cruz em respeito à padroeira da pacata comunidade de aproximadamente três mil habitantes.

Do outro lado, o professor de informática Jáder Ragazzi abre uma porta de vidro e os recepciona na escola de inclusão digital mantida há dois anos pela cooperativa de crédito Sicredi com a parceria da Faculdade de Tecnologia e Ciências do Norte do Paraná (Fatecie). No local, o clima que envolve professor e alunos com idade de 33 a 58 anos é de muita camaradagem.

À vontade, e perto de casa, ninguém precisa se preocupar com formalidades (Fotos: David Arioch)

À vontade, e perto de casa, ninguém precisa se preocupar com formalidades (Fotos: David Arioch)

Entre brincadeiras e lições, os dez estudantes que até então desconheciam o mundo da internet e da informática se sentem como se estivessem renascendo para uma nova realidade, a virtual. “Estou aqui há três meses e antes eu só sabia apertar o botão de ligar. Hoje uso o programa Excel pra fazer tabelas de custo. Me ajuda muito. Só demorei pra entrar no curso porque tinha uma fila de espera enorme. A procura é muito grande”, conta rindo o agricultor Armando Lehmkuhl, de 43 anos, apontando para o monitor e mostrando que agora se soma a milhões de pessoas que usam mídias sociais como o Facebook.

A modesta e acolhedora escola funciona em uma sala de paredes brancas que abrigava a antiga unidade de atendimento do Sicredi, onde mesas, cadeiras e computadores que seriam descartados ajudam a transformar a vida de agricultores, pintores, motoristas, mecânicos, costureiras, aposentados, autônomos e donas de casa. À vontade, e perto de casa, os alunos não precisam se preocupar com formalidades. “Cada um vem do jeito que quiser. É como estar em casa”, diz o professor Jáder Ragazzi rodeado de estudantes que aproveitam o calor da primavera para assistir as aulas usando camiseta, bermuda e chinelos.

O projeto que se tornou um sucesso em Graciosa despertou receio e hesitação por parte da população no início. Muitos curiosos passavam perto da escola para observar a movimentação, ver à distância como eram as aulas. “Eu sabia que o banco estava ensinando informática, só que só tomei coragem de participar quando minha cunhada fez e falou que gostou. Aqui é assim. Um vai falando e chamando o outro”, explica sorrindo a costureira Rita de Cássia Schuelter Silva, de 47 anos, que vê na internet uma grande oportunidade de se manter informada e fazer amizades.

O curso com duração de quatro meses e realizado sempre na terça e na quinta-feira atende hoje três turmas que somam 30 alunos em três horários. A maioria dos adultos admite que dificilmente aprenderia a usar o computador se tivesse que se deslocar até Paranavaí, a 17 quilômetros de distância. Além das despesas, outra preocupação era a exposição diante de estranhos e jovens afeiçoados à informática. “Tudo começou quando pensamos em fazer um programa de inclusão social com a terceira idade e acabamos atendendo todas as faixas etárias. A Fatecie se dispôs a ajudar e nos forneceu o professor e o material didático”, garante a gerente da unidade do Sicredi de Graciosa, Andreia Rodrigues Mendonça Viana.

Todos os participantes já se comunicam por redes sociais, onde trocam piadinhas e planejam reuniões esporádicas (Fotos: David Arioch)

Todos os participantes já se comunicam por redes sociais, onde trocam piadinhas e planejam reuniões esporádicas (Fotos: David Arioch)

No distrito, mais de 700 moradores são associados da cooperativa, o que significa que o benefício é estendido a praticamente todo mundo, até porque para ingressar na escola basta ter algum parentesco com um associado. “Muitos começaram do zero e veem também uma oportunidade de ter uma remuneração melhor”, comenta Jáder Ragazzi. O mecânico Devanir Perri aponta como uma das vantagens do curso o fato de conseguir emitir nota fiscal dos serviços prestados em sua oficina.

Omir de Oliveira, autônomo de 58 anos, segue na mesma esteira. “Consigo abrir firma pela internet e estou aprendendo a pesquisar tudo que quero”, destaca. Vilson Lourenço de Sousa, de 39 anos, que está se familiarizando com o programa PowerPoint e já faz compras online, justifica que com as novas tecnologias todo caminhoneiro precisa ter bons conhecimentos de informática. “Estou na mesma situação que eles. O meu trabalho de pintor exige que eu saiba pelo menos enviar e-mails e mexer com programas como o Word. Ainda bem que temos um professor calmo e que explica muito bem”, pondera Edilson Lino de Oliveira, de 33 anos, sem velar a satisfação.

A autônoma Janete Rodrigues de Almeida, de 46 anos, assim como a dona de casa Sandra Portela de Oliveira, de 53 anos, e a costureira Rita de Cássia Schuelter Silva, de 47 anos, quis aprender informática principalmente para usar mídias sociais e manter contato com amigos e familiares. “Minhas duas filhas moram fora e assim posso falar com elas com mais facilidade. Temos dificuldades de aprendizado, mas vamos indo. O curso é muito bom”, revela Sandra.

O que também ratifica o êxito do projeto é o baixo nível de desistência. A cada turma, no máximo um ou dois alunos deixam a escola. As causas normalmente são problemas sérios de saúde ou falta de tempo. “Fazemos o possível para evitar que desistam, tanto que oferecemos alternativas de horário”, confidencia Jáder Ragazzi.

Em Graciosa, onde a economia é essencialmente agrícola, a inclusão digital trouxe uma grande transformação social e cultural. Não é difícil ver homens e mulheres trocando a enxada no final da tarde pelo computador, o que é encarado com naturalidade, já que 50% dos participantes atendidos pelo projeto são trabalhadores do campo. “Também recebemos pessoas da área de comércio e indústria querendo aprender a entrar em contato com fornecedor pela internet”, assinala o professor.

No local, o clima que envolve professor e alunos com idade de 33 a 58 anos é de muita camaradagem (Foto: David Arioch)

No local, o clima que envolve professor e alunos com idade de 33 a 58 anos é de muita camaradagem (Foto: David Arioch)

Acostumado a trabalhar com pessoas experientes em informática, Jáder Ragazzi relata que se surpreendeu quando se dispôs a encarar o desafio de lecionar para adultos que nunca usaram um computador. “É um aprendizado bacana, tanto pra eles quanto pra mim. No geral, são curiosos e pacientes. É bonito ver o interesse de um em ajudar o outro. Aprendo inclusive valores com eles. Afinal, muitos são maduros, pessoas com mais experiência de vida do que eu”, avalia.

Quando não estão em sala de aula, os alunos se comunicam pelas redes sociais, onde trocam piadinhas e planejam reuniões esporádicas. “Sempre chamam para dar um pulo na casa deles ou no sítio. Então a gente vai lá e faz uma confraternização. É um pessoal muito bacana, com quem vale muito a pena trabalhar”, afirma Ragazzi.

Curso de informática tem lista de espera para 2016

Ao ingressarem no curso de informática oferecido pela cooperativa Sicredi em parceria com a Fatecie, os participantes passam por um processo de nivelamento para que o professor possa trabalhar adequadamente com todos os alunos ao mesmo tempo.

“Aqui eles aprendem a mexer com a internet e com o pacote Office, da Microsoft, que inclui Word, Excel e PowerPoint. Todo o material didático é entregue a eles em um pendrive. E nesse mesmo dispositivo eles armazenam as atividades”, detalha o professor Jáder Ragazzi, acrescentando que a apostila foi desenvolvida pelo professor André Dias Martins, coordenador do curso de sistemas para a internet da Fatecie.

Para não ficar datado, o material digital é constantemente atualizado. Com o Word, os alunos aprendem a editar texto e melhorar a digitação. Já o PowerPoint é usado mais como recurso preparatório para a inserção de imagens em mídias sociais. “Daí quando chega na internet, eles estão tinindo”, comemora Ragazzi, lembrando que deu aulas em Graciosa até para alunos de 80 anos, com quem mantém contato quase diário pelo Facebook.

Após os quatro meses de curso, os participantes recebem os certificados. Para 2016, a procura pelo projeto de inclusão digital deve crescer ainda mais. A maior prova disso é o fato de que existe uma grande lista de espera.

Saiba Mais

Em julho, a diretoria da Sicredi União embarcou para os Estados Unidos. Em Denver, no Colorado, o projeto de inclusão digital concorreu ao prêmio do Conselho Mundial das Cooperativas de Crédito (Woccu).

A cada quatro meses 30 novos alunos ingressam na Escola de Inclusão Digital do Sicredi União PR/SP

As aulas são realizadas às terças e quintas-feiras em três horários: 14h às 16h, 16h às 18h e 19h às 21.

Os participantes também podem participar de mais de 800 cursos online disponibilizados pelo Sicredi.

Contato

Para mais informações sobre o projeto, ligue para (44) 3428-1371