Archive for the ‘Personagens’ Category
Um papo com Pedro Mirabete
Hoje, bati um papo com Pedro Mirabete, que conheci no final do ano passado quando ministrei uma palestra em que falei um pouco sobre veganismo na Escola Curitiba. Pedro usa o desenho como sua principal forma de expressão. Já foi premiado em dois concursos. Além da satisfação, a atividade o ajuda a lidar com a ansiedade.
A vida de Seu Zé
Publiquei hoje no YouTube um curta-metragem bem simples intitulado “Seu Zé”. Gravado com o celular, conta a história do idoso José Rodrigues que divide uma casa em situação extremamente precária com a esposa na Vila Alta, na periferia de Paranavaí. Morador da Rua E, a última rua do bairro, Seu Zé tem alguns problemas de saúde, como a visão comprometida e a dificuldade para andar, consequência de um acidente que sofreu há alguns anos. Ainda assim, se esforça para tentar levar uma vida mais digna.
“Seu Zé” mostra a difícil realidade do casal, que é obrigado a se alimentar muito mal em decorrência da falta de recursos, já que a única renda deles são os R$ 630 recebidos por Seu Zé. Na residência de três cômodos, há furos por todo o telhado, tornando a casa um alvo fácil em dia de chuva. Quem assiste ao vídeo de um minuto e meio logo percebe que todo o cenário destaca a difícil e degradante situação do ex-boia-fria.
Como não há rede de esgoto, na entrada da casa há uma fossa aberta há quatro anos que já está cedendo. No geral, o idoso não tem uma boa perspectiva do futuro, mas gostaria que a sua realidade presente não fosse tão amarga. É um pequeno vídeo bem cru, inclusive não interferi no ambiente. Mostra a vida de Seu Zé em seu estado natural, sem qualquer artificialismo. Ele é o narrador da sua própria história.
A vida de Frei Jerônimo na Segunda Guerra Mundial e no pós-guerra
Georg Karl Brodka: “Amarraram minha mãe com cordas em cima de um jipe e percorreram a cidade, expondo-a para quem quisesse ver”
Por volta das 8h, chego ao Seminário Imaculada Conceição, em Graciosa, distrito de Paranavaí, e pergunto onde posso encontrar o alemão Georg Karl Brodka, mais conhecido como Frei Jerônimo. Um rapaz aponta a escadaria e sugere que eu vá até a cozinha. Lá em cima, através de uma porta aberta, observo à minha esquerda um senhor de estatura mediana em silêncio, diante de uma mesa, aguardando o café da manhã.
Com expressão serena, ele me observa de longe, nos cumprimentamos e, com um forte sotaque alemão, pede que eu o aguarde. Sem demora, Frei Jerônimo se aproxima vagarosamente, apontando uma mesa com duas cadeiras no fundo do corredor. Assim que sentamos, comento que acho incrível como o clima naquele lugar é fresco e aprazível. “Estamos no meio da ‘naturreza’”, comenta.
Brodka veio para esta região na juventude, e poucos sabem da sua história antes de se comprometer com o sacerdócio. Ele testemunhou a Segunda Guerra Mundial na infância e também sofreu no pós-guerra nas mãos dos tchecoslovacos – simplesmente por ser alemão. A sua insigne trajetória começou em Neisse, onde nasceu em 31 de dezembro de 1935, ano em que Adolf Hitler apresentou as Leis de Nuremberg ao Reichstag, legalizando suas equivocadas teorias raciais que respaldavam a ideologia nazista.
À época, fazia três anos que seu pai tinha ingressado no Exército alemão porque não havia emprego no país, a não ser na Wehrmacht, as forças armadas. “Ele casou em 1934 e nasci em 1935. Eram tempos difíceis, mas pelo menos ele podia ficar mais perto da família. Sim, ganhava bem, tinha caderneta de poupança, mas não havia comida para comprar. Por causa da subnutrição durante a Segunda Guerra Mundial, tive problemas de desenvolvimento ósseo. Inclusive quem nasceu entre 1934 e 1937 foi dispensado do serviço militar na Alemanha. Todos os meus seis irmãos tiveram o mesmo problema. Sofremos por causa disso”, conta.
No decorrer da guerra, Georg Karl perdeu as contas de quantas vezes o alarme ressoou e tiveram de correr até o porão, onde costumavam guardar alguns alimentos. O ambiente não havia sido projetado para suportar bombardeios, mas era o único local disponível para a família sentir-se menos vulnerável aos ataques aéreos. Um dia, uma forte investida dos aliados – União Soviética, Estados Unidos e Inglaterra, resultou na destruição de quatro quartéis. “Andamos em cima dos cadáveres para, imagine, retirar distintivos dos corpos. Hoje eu teria nojo, mas naquele tempo as crianças pisavam nos mortos para pegar e colecionar distintivos. Não entra na minha cabeça como eu pude fazer uma coisa dessas. Muitos faziam isso”, narra.
Embora seu pai fosse um oficial do Exército alemão, era muito difícil encontrar alimentos em 1944, quando a Alemanha estava mais próxima de ser derrotada na Segunda Guerra Mundial. “Aquele medo e fome, você nunca passou fome quando criança, né? E vendo a mãe chorando e sabendo que não tem comida. Isso foi pesado”, relata o frei emocionado.
Quando a situação piorou, a família encontrou refúgio em uma paróquia que tinha uma casa para crianças. No período da manhã e da tarde, os pequenos, incluindo Georg Karl Brodka, participavam de inúmeras atividades. “Mas o medo do bombardeio nunca desaparecia, porque os aviões atacavam de dia e de noite. Não havia energia elétrica, e tinha semana que a gente dormia no escuro, no porão”, lembra.
Em 1945, quando os soviéticos entraram em Neisse por terra, a família Brodka conseguiu deixar a cidade com o apoio do que restou do Exército em sua cidade natal. Foram levados até a fronteira com a Tchecoslováquia, que se livrou do domínio alemão em maio do mesmo ano. Em Marienbad, Georg Karl, que tinha nove anos, encontrou um soldado alemão e falou que seu pai tinha uma insígnia igual a dele. O homem perguntou quem era seu pai. Quando o menino respondeu, ele explicou que aquele oficial era o seu superior.
“Ele conversou com minha mãe e ela começou a chorar. Duas ou três horas depois, meu pai se apresentou para nos encontrar. Não sei como, foi uma grande surpresa. Quando os americanos saíram da Tchecoslováquia, perdemos o alojamento, o apartamento que meu pai conseguiu para nós, e fomos enviados para o campo de refugiados de Flaschenhütte, em Marienbad. Não havia outra alternativa”, enfatiza.
Um dia, os soldados tchecoslovacos permitiram que a família Brodka percorresse a floresta para procurar frutas. No local, colheram folhas de agrião perto de uma mina de água. “Enchemos os bolsos e levamos para o campo. De manhã, quando ganhamos uma fatia de pão seco, colocamos o agrião e comemos. O gosto era muito bom, porque o agrião já vem temperado da natureza”, assinala Frei Jerônimo sorrindo.
Ele se recorda das orientações que ele e seus irmãos recebiam da mãe Gertrud, um exemplo de paciência. Com ela, aprenderam muitas canções folclóricas alemãs enquanto viveram no campo de Marienbad: “Eu tinha nove anos e cantávamos todos juntos. Crianças de outras famílias também participavam. Mais tarde, quando começaram a derrubar outras árvores da mata que ficava ao redor do campo, peguei as cascas para fazer brinquedos.”
Entre algumas lembranças bucólicas, o alemão jamais esqueceu do infeliz episódio em que soldados tchecoslovacos amarraram sua mãe com cordas em cima de um jipe e percorreram a cidade, expondo-a para quem quisesse ver. Em Marienbad, também quebraram os dentes do seu pai com um cassetete.
“As crianças [alemãs] tinham que sair com faixa amarela no braço para pedir comida, e sabe que comida eles ofereciam para nós? A borra de café. Davam risada quando nossa boca ficava suja, e faziam isso de brincadeira, para nos chatear”, revela. Os tchecoslovacos não gostavam de alemães porque as tropas do exército de Adolf Hitler invadiram e ocuparam o país em 15 de março de 1939, acabando com a soberania da Tchecoslováquia.Em 1948, depois de dois anos vivendo no campo de refugiados, uma equipe do governo canadense chegou a Marienbad e fez uma proposta ao governo da Tchecoslováquia. “Eles queriam comprar famílias com pelo menos quatro crianças. A intenção deles era aumentar a população do país e estimular o desenvolvimento. Meu pai não aceitou porque uma das minhas irmãs estava com cólera. As famílias não ganhariam nada, só o governo. Tive alguns amigos que se mudaram para lá”, confidencia Frei Jerônimo.
Mais tarde, a família Brodka foi enviada para Bernburg, na Alemanha Oriental. Em casa, Georg Karl não conversava com os pais sobre o que ensinavam na escola: “Meu pai teve outra formação. E minha mãe dizia: ‘Não me fale, não me fale. Melhor eu não saber de nada.’ A situação na Alemanha Oriental entre os anos de 1948 e 1950 era muito tensa. Acabei simpatizando com o regime comunista porque me garantia bastante tempo para me dedicar à música. Na escola, ganhei dois instrumentos; uma flauta soprano de madeira e um bandolim. Mas o problema na Alemanha Oriental é que tiravam a educação dos pais e repassavam a autoridade ao governo.”
Na oitava série, Georg foi obrigado a preencher um papel explicando o que gostaria de ser no futuro. “Escrevi que queria ser padre, sacerdote da Igreja Católica. No outro dia, o professor deu uma gargalhada e falou: ‘Aqui tem um que quer ser padre.’ Aí começou aquele bullying, como dizem hoje”, pontua.
Em 1950, Karl Brodka, pai de Georg, reconhecendo que o filho não teria futuro vivendo naquela parte da Alemanha, articulou a fuga do garoto e, para não levantar suspeitas, o declarou como fugitivo. “Eu tinha 14 anos. Para um pai fazer isso, tinha que ter muita confiança no filho. Fui até a fronteira de trem e percorri uma floresta. Acabei sendo detido”, pontua.
A polícia da fronteira levou Brodka até um pequeno quartel, onde ele recebeu um bom jantar e passou a noite em um quarto com beliche. Na manhã seguinte, dois policiais o levaram de volta à ferroviária e o colocaram em um trem de retorno à Alemanha Oriental. Assim que o trem começou a se mover, Georg Karl saltou sobre o vagão de um trem que transportava gado.
Mesmo sem saber o que aconteceria, não hesitou em se arriscar. Depois soube que aquele trem iria para a Alemanha Federal: “Quando o trem parou, passei meus dedos nas fendas onde o gado estava preso. Bem perto tinha um policial uniformizado. Ele levou um susto: ‘O que você está fazendo aqui?’, perguntou. Eu disse que iria para Bamberg [no Sul da Alemanha]. Me levou para tomar café da manhã e me arrumou uma carona de caminhão. Foram mais ou menos 350 quilômetros.”
Em julho de 1950, Brodka chegou ao Seminário dos Carmelitas em Bamberg, mas não imaginava que lá também seria vítima de preconceito. “Como vim da Alemanha Oriental, meu apelido era comunista. Uma vez conversei com um carmelita, estudante de teologia da Tchecoslováquia, e contei a ele tudo que passamos em Marienbad. Falei que não tinha nada contra ele, mas que seu pai e seu avô provavelmente sabiam do tratamento dado aos refugiados alemães”, frisa.
Em 1954, ele descobriu sua vocação para o escotismo quando ingressou no grupo de escoteiros Guy de Larigaudie, onde sentiu-se parte de uma nova família. Durante a guerra, Georg Karl perdeu um padrinho de batismo, que foi morto na União Soviética. E ao final da guerra, um de seus tios foi enforcado na Polônia porque era religioso e andava com uma Bíblia. “Na Alemanha Oriental, tivemos gerações sem ensino religioso. Muita gente nem conhecia a Bíblia porque a venda era proibida. Um dia, fui punido na escola porque fui à igreja em um domingo”, garante.
O pai de Brodka visitou Neisse, sua cidade natal, duas vezes quando passou a pertencer à Polônia, e nunca mais retornou porque foram muito mal recebidos pelos poloneses. “Parte dos meus parentes continuou lá. Mesmo tendo nascido alemães, se consideravam mais poloneses. Uma vez participamos de um encontro de antigos militares, tinha 15 homens mais ou menos. Meu pai chorou ao dizer que jamais matou ou ordenou que alguém matasse um soldado na guerra. Outro colega falou a mesma coisa. Se ele tivesse falado isso durante a guerra, teria sido punido com pena de morte, até porque era mais fácil matar do que não matar”, assegura.
Georg Karl Brodka se tornou sacerdote em março de 1963
Em março de 1963, Georg Karl Brodka foi ordenado sacerdote, e no dia 16 de junho do mesmo ano desembarcou no Porto de Santos. A viagem com duração de 21 dias não foi nada fácil. Recepcionado por frei Alberto Foerst, ele trouxe três caixas pesadas e muitos materiais a serem destinados ao Hospital Santa Margarida. A chegada a Paranavaí foi marcada por um fato inusitado. “O Frei Ulrico [Goevert] disse que o prefeito, o doutor [Antonio José] Messias, não poderia me receber porque ele estava preso. Os vereadores o botaram na cadeia. Então já tive uma primeira impressão”, diz rindo.
Georg Karl sempre se apresentou em Paranavaí como Fei Jerônimo, aportuguesamento do nome religioso Hieronymus que recebeu no convento de Bamberg. No seu quarto, na paróquia em Paranavaí, teve outra surpresa. Ele notou uma lona preta que cobria uma cama completamente molhada. “Frei Alberto disse que se esforçaram, mas não conseguiram fechar as goteiras. Durante o almoço no convento, Frei Ulrico preparou caipirinha, uma das primeiras tentações. No geral, fui muito bem recebido pelos patrícios – Frei Matias [Warnek], Frei Bruno [Doepgen] e Frei Alberto. Eu era o quinto no convento”, explica.
Naquele tempo, o Frei Bonaventura Einberger, que foi enfermeiro da Wehrmacht na Segunda Guerra Mundial, já morava em Graciosa, mas quem comandava o Seminário Imaculada Conceição era o Frei Matias. O que chamou a atenção de Frei Jerônimo é que o objetivo do seminário não era apenas a formação de sacerdotes: “Não foi criado só para atender uma necessidade vocacional. Em Graciosa, não havia escola para estudantes de quinta a oitava série, então o seminário supriu essa necessidade.”
Sem saber falar português, e tendo como referência apenas um dicionário de alemão-português, Georg Karl Brodka teve muitas dificuldades para se comunicar. “No começo era difícil. Não entendia o que diziam nas emissoras de rádio nem no Diário do Noroeste. Mas o Frei Matias sempre me ajudou a aprender a falar mais algumas palavras em português”, informa.
Como o Seminário Imaculada Conceição era aberto às crianças, mais especificamente garotos, o frei se tornou a grande atração de Graciosa por um bom tempo. Ao saber que havia um padre novo, os estudantes corriam até o convento ao final das aulas. “Era uma curiosidade. Uma coisa bonita para mim é que criança tem coragem de corrigir a gente. O adulto não. Eles diziam assim: ‘Não, frei! Não é assim que fala.’ Então eu repetia mais quatro ou cinco vezes até acertar. Para falar maçã foi difícil, porque não existe esse ã na língua alemã”, argumenta.
Os seminaristas, que se encarregaram de ensinar formalmente a língua portuguesa ao Frei Jerônimo também foram muito pacientes. Depois de um ano no seminário, já se comunicando em português, ele foi enviado a Paranavaí. Com seu jipe DKW-Vemag Candango, com tração nas quatro rodas, o alemão viveu muitas aventuras na região. “Meu carro nunca ficou na estrada, e olhe que para Guairaçá a estrada era terrível. Difícil também era o trecho de Paranavaí até o Povoado de Cristo Rei, e de lá até a Fazenda Aurora e Fazenda São Joaquim. Quantos quilômetros fiz com aquele jipe. Sempre levei gente de Paranavaí comigo”, declara em tom nostálgico.
Frei Jerônimo se recorda com carinho de Maria Mallmann, uma senhora que atuava como lavadeira, faxineira e cozinheira no convento em Paranavaí. Foi ela que disse ao alemão para não se preocupar que logo ele se acostumaria a comer arroz e feijão todos os dias ao meio-dia. No início, o trabalho de Georg Karl Brodka era benzer os falecidos. “O povo chegava com o caixão na igreja e a missa era feita em latim. Mais tarde, comecei a realizar os batismos na Paróquia São Sebastião. Era a única paróquia em toda a região, e para cá vinham caminhões carregados de gente de cidades como Guairaçá e Nova Londrina”, lembra.
Um dia, na ausência dos pais que não puderam comparecer, Frei Jerônimo realizou o batismo de uma criança chamada Ivani. Confuso, ele questionou: “É menino ou menina?” Então os padrinhos falaram que não sabiam, e deram uma olhada na criança para tirar a dúvida: “Era tudo improvisado. Não tinha preparação para o batismo, nem para os pais e padrinhos.”
Frei Jerônimo fundou o Grupo Escoteiro Guy de Larigaudie em 1966
Em novembro de 1966, durante uma viagem para Guairaçá, Frei Matias, ciente de que Frei Jerônimo tinha sido escoteiro na Alemanha, sugeriu que ele fundasse um grupo de escoteiros. Recordando-se de sua experiência como escoteiro em 1954, quando ingressou no grupo alemão Guy de Larigaudie, que homenageava o escoteiro e escritor francês, Georg Karl Brodka decidiu criar um grupo com o mesmo nome em Paranavaí.
“Fiz isso porque eu já gostava da literatura dele, um escritor que exaltava a natureza e falava sobre a importância de viver em harmonia com o meio ambiente. Comecei com oito meninos de 11 e 12 anos. Depois de três meses de preparação, eles fizeram a promessa, e cada um trouxe mais um integrante para o grupo”, narra.
Em 1967, Frei Jerônimo fez um curso de escotismo em São Paulo e voltou a Paranavaí com novas metas, como a organização da Alcateia de Lobinhos e da Tropa de Escoteiros. A partir de 1972, o grupo que funcionava de forma independente passou a ter como sede o Campo dos Escoteiros, ao lado do Ginásio Noroestão, onde manteve suas atividades por quase 26 anos.
“Aquele terreno já era da comunidade carmelitana. A sede foi construída com a madeira de duas casas que ganhei da Fazenda São Joaquim. O grupo cresceu bastante e completou 50 anos em 2016. Participamos de atividades escoteiras em Curitiba, Londrina e Maringá. Naquele tempo, tinha muito trabalho. Eu dava aulas de estudos bíblicos no Colégio Paroquial Nossa Senhora do Carmo e atendia 22 capelas fora de Paranavaí. Era obrigado a andar sempre de hábito”, destaca.
Nos anos 1980, Frei Jerônimo se tornou um dos administradores do Seminário Imaculada Conceição, chegando a se responsabilizar por quase 50 adolescentes. Atuando sozinho a maior parte do tempo, desabafa que foi duramente criticado algumas vezes. O seu trabalho era mais social do que vocacional, porque quando um menino chegava com os pais para se matricular, ele nunca perguntava se o garoto queria ser padre ou carmelita. “Eu fazia isso somente um ou dois anos depois, quando já era possível notar se havia interesse ou não. Se tivesse, continuava aqui, senão poderia voltar para casa”, enfatiza.
“Fui para Paranavaí em 1988 quando o seminário foi fechado”
Entre os alunos do frei estavam o padre Reginaldo Manzotti, que estudou no seminário por três anos, e o frei Ivani Pinheiro. “Troco cartas com vários ex-alunos. Fui para Paranavaí em 1988 quando o seminário foi fechado. Em 1990, me transferiram para Dourados [no Mato Grosso do Sul]. O Frei Joaquim [Knoblauch] era pároco da Paróquia Bom Jesus. Passou a paróquia para mim e fiquei um ano sozinho cuidando de tudo. Lá, fundei o Grupo Escoteiro São Jorge, o sétimo do Mato Grosso do Sul”, relata.
Em Dourados, também participou de um grupo de flautistas da Igreja Batista. O convite surgiu porque não havia ninguém na cidade que tocasse flauta baixo tão bem quanto Frei Jerônimo. “Toquei por dez anos com eles. Era muito gostoso. Nos escoteiros, tínhamos 12 instrumentos de percussão, e formei 12 seminaristas para tocar pífaro. Eu trouxe os pífaros da Alemanha, os mesmos usados pelo Exército alemão”, revela.
O frei diz com orgulho que quatro músicos que fizeram parte da Orquestra de Sopros Paranavaí foram seus alunos na infância. Uma vez, durante uma missa, eles se aproximaram e o lembraram das boas lições de flauta. “Tenho todos os tipos de flautas – sopranino, soprano, tenor, contralto e baixo. É uma pena que não tenhamos a cultura da música instrumental no Brasil. Na Alemanha, valorizamos isso desde cedo. Essa desvalorização atrapalha porque também deixa os instrumentos mais caros”, avalia.
O retorno à Alemanha em 2003
Em 2003, Frei Jerônimo pediu autorização do seu superior na Ordem dos Carmelitas para retornar à Alemanha. Um dia, caminhando pela floresta, encontrou um cão da raça são-bernardo, que sobe montanhas para ajudar a procurar pessoas perdidas na neve. Quando ele se aproximou, Brodka apenas colocou as mãos nas costas, abaixou a cabeça e falou com o animal. Em seguida, chegou o tutor do cachorro, correndo e ofegando, pedindo para ele se afastar porque o animal era bravo.
“Eu disse que não, que ele não era bravo. Falei para o cachorro que eu não iria bater nele e ele não poderia me morder. O homem ficou me olhando e dizendo: ‘Como? Como pode falar com ele?’ Falei que sim, converso com ele. Me entendo com cachorro, e tudo acabou bem. Foi uma experiência bonita”, lembra sorrindo. Por outro lado, nos quase três anos que trabalhou como vigário paroquial da Diocese Trier, em Springiersbach, Frei Jerônimo percebeu que tudo estava diferente, e não conseguiu se acostumar com aquele estilo de vida na igreja.
“Aqui o trabalho pastoral é mais popular. Estamos mais próximos do povo. Lá, fiquei a maior parte do tempo em meu quarto, com rádio e telefone, sem muito o que fazer, até que um dia o meu superior me deu o conselho para retornar. Cheguei ao Brasil em 31 de dezembro de 2005, no dia do meu aniversário. Gosto daqui porque é o único convento que está na natureza. Todas as outras casas estão na cidade”, explica.
Sem velar a empolgação, Georg Karl Brodka conta que tem três alunos de flauta no Jardim São Cristovão, em Paranavaí, e uma menina do Colégio Paroquial que é sua parceira musical há quatro anos. “A procura não é grande, mas quem tem interesse, se esforça. Isso é bom. Eu trouxe muita literatura para flauta da Alemanha”, comenta.
Enquanto conversamos, uma cachorrinha brincalhona salta sobre mim inúmeras vezes. Com expressão séria, Georg Karl Brodka pede apenas uma vez que ela se comporte, e ela o atende. A cadelinha o motiva a sair todos os dias para passear pelo bosque. “Se não fosse por ela, eu ficaria mais tempo no quarto, mas ela me chama sempre. Nos entendemos. Não gosto de gente que bate em cachorro. Na realidade, não gosto de gente que não aceita cachorro. Dá para desconfiar. Tinha um gato aqui também, e os dois se davam muito bem, mas mataram ele”, lamenta.
O pai Karl Brodka ficou doente após a guerra
Nascido em 3 de setembro de 1906 em Glogau, atual Glogów, na Polônia, Karl Brodka, pai de Georg Karl Brodka, mais conhecido como Frei Jerônimo, ficou doente após a Segunda Guerra Mundial. A vida conturbada teve sérias consequências.
“A guerra é uma barbaridade. Meu pai adoeceu porque bebeu e comeu tantas coisas para não morrer de fome que teve um sério problema no fígado. Depois foi operado em Köln [no oeste da Alemanha]. Ele tinha apenas 5% de chance de sobrevivência. Quando completou 11 anos desde a realização da cirurgia, preparou um café da tarde para agradecer ao médico que o atendeu. Meu pai, que se aposentou com 62 anos, escreveu uma carta disponibilizando seu corpo para estudos após a sua morte. O médico não quis aceitar, mas acabou concordando em respeito ao desejo dele.”
Karl Brodka viveu até os 72 anos, enquanto que a mãe Gertrud Baginski Brodka, nascida em 20 de março de 1910 em Allenstein, atual Olstzyn, na Polônia, faleceu aos 89 anos em decorrência de um infarto. “De manhã, ela caiu da cadeira morta. Minha irmã a estava visitando em seu apartamento naquele dia. Ainda bem que ela não estava sozinha”, enfatiza. Os pais de Frei Jerônimo nunca vieram ao Brasil, mas os seus seis irmãos estiveram aqui duas vezes. “Seis dos meus irmãos estão vivos e trabalharam como educadores e médicos. Em Neisse [Nysa], onde meus pais se casaram, nasceram Marianne, Brigitte, Renate, Eberhard e eu. Em Marienbad, nasceu Karl Heinz, e por último Michael em Bernburg”, revelou.
“Ele estava com medo, e com certeza temia ser denunciado por algum alemão”
Durante a entrevista com Georg Karl Brodka, mais conhecido como, Frei Jerônimo o questionei se ele nunca teve interesse em ser bispo. Me explicou que partilha da mesma opinião do falecido bispo alemão Alberto Foerst, um dos fundadores do Seminário Imaculada Conceição. “Ele disse que rejeitou duas vezes o convite para ser bispo, até que foi obrigado a aceitar. ‘Ser bispo afastou-me do povo e me deu trabalho só com os padres’”, citou rindo. O frei também declarou que não tem sonhos; que sempre preferiu viver o presente.
No entanto, desde os 12 anos cultiva o amor pela música. Com essa idade, aprendeu a tocar flauta: “Gosto de música clássica e folclórica. Na Alemanha, quem sabia cantar 25 canções de folclore alemão ganhava o distintivo de prata. Fiquei muito feliz quando ganhei o meu. Uma pena que não consegui o de ouro. Só recebia quem cantasse 50 canções. Eu tinha uma boa voz, mas começou a mudar depois dos 12 anos. Cantei no Teatro Municipal, em um coral de meninos e participei de duas peças teatrais.”
Sobre literatura alemã, Frei Jerônimo relata que nos tempos do colégio lia os clássicos de Friedrich Schiller e Joseph Freiherr von Eickendorff. “Ainda hoje quando algum colega traz algum livro de literatura alemã, eu pego para ler. Comprei no ano passado uma Bíblia que saiu em alemão. Tem outra linguagem, diferente daquela de 50 anos atrás”, informa. Sorrindo e bem à vontade, conta que na sua última estadia de três meses na Alemanha, não comeu arroz nenhum dia.
“Lá, comi mais lentilhas e ervilhas. De comida, gosto muito de batatinha. Também gosto de pão, mas pão de centeio, integral ou de milho. São pães que você pode conservar por dias. Não gosto de pão francês, porque no outro dia já vira borracha”, reclama. Entre as bebidas preferidas, cita a cerveja.
Ao longo da conversa, o frei me perguntou por que os brasileiros mudam o nome das cidades alemãs. Ou seja, os traduzem. “Os alemães não fazem isso”, queixa-se. Me recordei que há alguns anos fiz um trabalho de pesquisa sobre a história do médico nazista Josef Mengele, que supostamente viveu em Graciosa em 1954. Sobre isso, Frei Jerônimo declarou que é realmente possível que ele tenha vivido no distrito de Paranavaí. “Não sei de nada, mas tenho uma explicação. Ele estava com medo, e com certeza temia ser denunciado por algum alemão”, comenta.
Saiba Mais
Georg Karl Brodka retornou duas vezes à Alemanha Oriental quando seus pais ainda moravam lá.
Como a cidade natal de Frei Jerônimo, atual Nysa, foi anexada à Polônia, ele também tem os mesmos direitos de um polonês.
O emblema da Família Brodka foi criado na Alemanha em 1440.
O frei percebeu que em Graciosa, que é uma colônia germânica, muitos dos moradores não pronunciam o sobrenome corretamente. Segundo ele, isso é uma herança dos tempos da Segunda Guerra Mundial, quando o preconceito contra alemães cresceu exponencialmente no Brasil, durante a perseguição aos nazistas: “Falo que hoje é permitido pronunciar certo, mas eles ainda preferem do outro jeito.”
Em 1999, Frei Jerônimo recebeu a “Medalha de Bons Serviços”, e em 2003 a “Medalha de Gratidão”, concedidas pela União dos Escoteiros do Brasil.
Em 26 de fevereiro de 2003, foi homenageado pela Câmara de Vereadores de Dourados, onde recebeu o “Título de Cidadão Douradense”.
Em 2006, ganhou a Medalha de Mérito do Trabalho e Reconhecimento Administrativo “Dr. José Vaz de Carvalho”, concedida pela Câmara Municipal de Paranavaí. Pela mesma Câmara, recebeu o título de “Cidadão Honorário de Paranavaí” em 18 de março de 2013.
Em 2016, outra importante premiação foi a “Medalha Velho Lobo”, concedida somente aos associados da União dos Escoteiros do Brasil que completam 50 anos de atividades escoteiras comprovadas. Georg Karl Brodka é uma das duas pessoas que a receberam na história do escotismo no Paraná.
A Segunda Guerra Mundial começou em 1º de setembro de 1939 e terminou no dia 8 de maio de 1945.
A República Democrática Alemã (Alemanha Oriental) foi proclamada em Berlim Oriental no dia 7 de outubro de 1949. Chegou ao fim em 3 de outubro de 1990, com a reunificação da Alemanha.
Um bate-papo com o alemão Georg Karl Brodka
O alemão Georg Karl Brodka (Frei Jerônimo) lendo o rascunho da maior reportagem que escrevi até hoje (mais de 30 páginas), sobre a sua vida durante a Segunda Guerra Mundial, no campo de refugiados da Tchecoslováquia e mais tarde tentando entrar na Alemanha Federal. Conversamos novamente no sábado e ele me relatou mais fatos interessantes de sua vida, e que farão parte da grande reportagem que pretendo publicar até a semana que vem:
“A primeira vez em que fui preso eu era só um menino, a polícia da fronteira me levou ao pequeno quartel, recebi uma janta boa, um quarto com beliche. No dia seguinte, dois policiais me levaram de novo na ferroviária e me colocaram num trem para voltar à minha cidade, na Alemanha Comunista. Quando o trem entrou em movimento, pulei do outro lado e entrei no outro trem de gado. Não sabia o que iria acontecer, mas aquele outro trem foi na outra direção.
Então, fora da Alemanha Comunista, para a Alemanha Federal. Lá cheguei e o trem parou. Passei meus dedos nas fendas onde o gado estava preso. Bem perto tinha um policial com outro uniforme. Esse policial levou um susto, viu meus dedos e gritou. Ele entrou no vagão e perguntou: ‘O que você está fazendo aqui?’ Então eu disse que iria para Bamberg. Recebi o café de manhã e ele arrumou um caminhão que iria justamente para Bamberg. Foram mais ou menos 350 quilômetros de carona. O caminhão me deixou na frente do Convento dos Carmelitas, onde me tornaria seminarista.
Na oitava série era obrigado a preencher um papel para dizer o que você queria ser no futuro. E eu escrevi que queria ser padre, sacerdote da Igreja Católica. E no outro dia o professor da nossa sala começou a zombar. Aí começaram a rir, aquela gargalhada e o professor falou: “Aqui tem um que quer ser padre. Aí começou aquele bullying, como dizem hoje, na sala de aula.”
O triste fim da liberdade de Matias Ziatriko
Fiquei sabendo agora que o malabarista uruguaio Matias Ziatriko, de 29 anos, foi assassinado com dez tiros em Ji-Paraná, Rondônia, no último dia 8, no pátio de um posto de combustíveis. Matias se envolveu em uma discussão com um rapaz que começou a ofendê-lo, chamá-lo de vagabundo, por causa do seu trabalho como artista de rua. Matias ficou um bom tempo em Paranavaí em 2016, e até onde sei, jamais foi agredido ou agrediu alguém. Lamentável saber que há lugares onde a vida vale menos ainda.
Triste como a liberdade de algumas pessoas, que não têm os objetivos comuns e tradicionalistas de tanta gente, é vista como uma afronta existencial. Desde criança, me identifico com os marginalizados, e acho tão ridículo quando as pessoas veem como sucesso apenas aquilo que lhes parece socialmente aceitável. E muitos adoecem cedo porque compram tal ideia; mesmo que isso signifique suprimir os próprios sonhos. O que vale nesta vida é ser fiel àquilo que faz a existência valer a pena. O resto o tempo arrasta sem clemência.
No dia 31 de agosto de 2016, escrevi algo sobre o Matias Ziatriko em meu blog, quando eu ainda não sabia o seu nome:
“Passei ontem à noite por um semáforo da Avenida Paraná e tinha uma fila imensa de carros. Sob chuva, um rapaz com a roupa toda molhada fazia malabarismo sobre um monociclo. Entendo que ele ame o que faz, mas provavelmente ele não estaria ali naquele momento se não precisasse.
O que me surpreendeu foi que só eu e outro cara demos alguns trocados pra ele. Será que todas aquelas pessoas não tinham pelo menos algumas moedas para darem ao artista de rua?
Sinceramente, minha situação nem sempre é das melhores, mas também não é tão ruim a ponto de eu perder completamente o ímpeto de ajudar alguém ou reconhecer o esforço dos outros.”
Ajuda
A família agora precisa de ajuda para enviar o corpo de Matias para o Uruguai. Quem puder contribuir, os dados para depósito ou transferência estão logo abaixo:
Banco Itaú
Titular: Samira Santos Lemes
CPF: 060.234.039-05
Agência: 1538
Conta Corrente: 56996-1
Frei Jerônimo e a dura realidade do pós-guerra
“Eu era criança e vivíamos em um campo de refugiados na Tchecoslováquia. Lá, tinha uma floresta, e um dia a mãe foi junto conosco procurar frutas para comer. Tinha uma mina de água, colhemos folhas de agrião, escondemos nos bolsos e levamos para o campo. De manhã, quando ganhamos uma fatia de pão seco, colocamos o agrião e comemos. E o gosto era muito bom, porque o agrião já vem temperado da natureza.
Lá, eles amarraram minha mãe mal vestida em cima de um jipe com cordas e passaram pela cidade. Quebraram todos os dentes do meu pai com cassetete. As crianças tinham que sair com faixa amarela para pedir comida, e sabe que comida eles ofereciam pra nós? A borra de café. E eles davam risada quando nossa boca ficava suja, e faziam isso de brincadeira, para nos chatear.
Quando voltei em 2003, um dia saí do meu quarto para andar pela floresta, e aí aconteceu uma coisa bonita, veio um são-bernardo, um cachorrão que sobe montanhas para ajudar a procurar pessoas perdidas na neve. Quando ele estava perto de mim, coloquei as mãos nas costas, abaixei a cabeça e conversei com o cachorro. E depois veio o tutor, correndo e ofegando, falando que o cachorro era bravo. E eu disse que não, que ele não era bravo. Falei para o cachorro que eu não iria bater nele e ele não poderia me morder. O homem ficou me olhando e dizendo: ‘Como? Como pode falar?’ Falei que sim, converso com ele. Me entendo com cachorro.
Essa cachorrinha que está aqui com a gente aqui agora, nós nos entendemos. Eu não gosto de gente que bate em cachorro. Não gosto de gente que não aceita cachorro. Dá pra desconfiar. O cachorro quer sair, então por causa do cachorro eu vou todos os dias ao bosque. Se não fosse por ele, eu ficaria no meu quarto. O cachorro me chama. Tinha um gato aqui também. O gato e o cachorro se davam muito bem, mas um funcionário do convento matou ele. Falei pra ele que eu sei o que ele fez. Escutei dois cliques do gato. E naquele dia éramos os únicos em casa.”
Excertos de uma entrevista que fiz com o alemão George Karl Brodka (Frei Jerônimo). Conversamos principalmente sobre o que ele e sua família viveram após o fim da Segunda Guerra Mundial, quando foram enviados para um campo de refugiados na então Tchecoslováquia.
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Henrique Moura e o mundo caótico de Predo Bandeira
Artista de Paranavaí se dedica a produzir clipes e vídeos independentes de animação 2D
Aos 11 anos, Henrique Moura, idealizador da Oficina Raspa Língua, que trabalha com cinema independente de animação 2D, criou um personagem para entreter seus irmãos enquanto seus pais trabalhavam. A partir de micagens transformadas em encenações, nasceu Predo Bandeira, que virou personagem principal de uma história em quadrinhos e depois protagonizou muitos quadros, animações e clipes musicais. “Meus irmãos curtiam muito. Davam muitas risadas. Minha família sempre me incentivou a desenhar. Meu pai me deu muita cartolina, lápis de cor, essas paradas. Gostava de desenhar personagens de Dragon Ball, e o Predo acabava ficando mais oculto. Mas ele já era meu personagem, então eu seguia rabiscando”, conta.
Alter ego de Henrique Moura, Predo é definido pelo artista como a sua própria fuga. Porém, como na adolescência ele não tinha condições de lucrar com o personagem, começou a trabalhar com pintura em tela, criando paisagens, flores, casarios e “coisas depressivas”. “Eu odiava isso. Sempre odiei, mas era o que vendia. Como eu já participava de salões de arte contemporânea, eu fazia o Predo. Sempre gostei do anti-herói, o Predo é o anti-herói, um cara bem feio, peludão”, diz.
A ideia do nome é uma referência à palavra pedra, que tem relação com o fato do personagem ser um sujeito “casca dura”. E ele tem muita história. Morando no lixão, em um lugar chamado Casa do Caralho, Predo vive com um bode chamado Bregnight, um animal bem feio e “acabado” que fuma o tempo todo. “O Predo tem um filho, o Bandeirinha, que ele ama muito, assim como ama o seu bode. No mundo de Predo, não existe Diabo, Deus e Jesus, pelo menos não na concepção religiosa. O inferno é um bairro e o céu também. Eles vivem na Cidade de Saramago.
Enquanto observo um quadro grande em que Predo aparece sentado em uma poltrona, noto que sobre sua cabeça há quadros de Henry Ford e Frederick Taylor. Moura me explica que não é porque Predo vive afastado da cidade que ele é contra o capitalismo. “Ele achou esses quadros no chão. O Predo é um gorila domesticado, um proletário que ao mesmo tempo é proprietário, já que o lixão onde ele vive foi herdado de seus pais”, enfatiza.
Por fora, a casa de Predo se assemelha a um barraco, porém, do lado de dentro é tudo diferente. Ele tem uma área subterrânea onde se situa o seu paraíso, com direito à sala de ferramentas. “Tem um fuscão todo equipado com armas, amortecedores, tudo de melhor para suas aventuras. Também tem um puta computador. Ele é ‘ferrado’ de roupas, mas investe em outras coisas. O Predo é tanto herói quanto vilão. Pra você ter uma ideia, ele sofre de rinite e, quando acorda ‘atacado’, é capaz de matar alguém com uma bazucada. E rinite é uma coisa que eu tenho, então transferi isso para o Predo”, justifica.
Predo é divorciado de Padra desde que Henrique Moura tinha 12 anos. O artista argumenta que o personagem nunca quis viver com uma mulher, precisar de uma companheira ao seu lado. “A não ser para ter o filho. Ele tem amigos e tudo o mais, mas é um cara que vive no mundo dele. Ele gosta de cachaça e adora cigarro. Acabei criando ele como fumante porque não posso fumar, ‘pipoca’ toda a minha garganta. Pelo menos isso é bom pra minha saúde”, avalia rindo e balançando os braços.
A turma de Predo Bandeira inclui também o confuso Jesus, o contrabandista de armas Osama e Imétrio, um personagem que herdou o inferno do avô e fundou as Indústrias Fogo no Kiba, responsável por comercializar mármores no inferno. Por causa disso, Moura define ironicamente o sistema econômico do seu universo fictício e caótico como capetalismo. “Estou aqui falando contigo e o Predo também está aqui. Ele está em tudo que faço”, garante.
A história de Predo Bandeira e seus amigos compõe a série de animação “O Dia a Dia Pedreira de Predo Bandeira”, que já tem seis episódios prontos, com duração de dois a três minutos. “Predo é o livro da minha vida. Estou sempre escrevendo o roteiro dos episódios em um caderno. Só sigo devagar com a série porque atualmente a minha principal fonte de renda é a criação de clipes em animação para bandas e DJs. Mesmo assim, nunca deixo de incluir ele em todos os meus vídeos”, informa.
O primeiro clipe produzido por Henrique Moura foi “Plantando Ganja”, da banda de reggae Cidade Verde Sounds, de São Paulo. O vídeo tem mais de meio milhão de visualizações no YouTube. “Isso chamou a atenção para o meu trabalho, porque a partir daí surgiram novos convites. Hoje, atendemos clientes de todas as regiões do Brasil. Estou feliz porque era isso que eu queria, ser visto também fora de Paranavaí [no Noroeste do Paraná]. Cheguei num patamar em que posso trabalhar tatuado, cabeludo e barbudo. O que importa é o seu trabalho, isso fala por você. Isso é massa!”, comenta sorrindo.
Henrique comemora o fato de que seus clientes ficam felizes em divulgar o nome da Oficina Raspa Língua. Em 2015, outro motivo de celebração foi a produção do clipe “No Mato”, criado para a banda de samba-rock paraibana Seu Pereira e Coletivo 401. No mesmo ano, o vídeo se classificou na categoria “De Olho Neles”, no Anima Mundi, no Rio de Janeiro, um dos maiores eventos de animação do mundo. “Cara, é um festival tão importante que de lá sai até indicação para o Oscar. Fiquei quatro anos tentando ser selecionado. Foi surreal ver o Predo aparecendo assim pra gente do mundo todo. Foram exibidos 1,6 mil filmes de 45 países. Dentre os 373 escolhidos, fui um dos 102 brasileiros selecionados, uma conquista gigante pro Raspa Língua e até pra Paranavaí”, declara.
Enquanto conversamos, Moura me mostra alguns de seus clipes. Seus vídeos são recheados de informações e referências àqueles que o inspiraram como artista e empreendedor. Quem assiste cada vídeo só uma vez, acaba por não entender muito bem o objetivo do artista. É preciso estar atento aos detalhes. “Tem gente que acha que meus vídeos são feitos sob o efeito de algum tipo de droga. O Raspa Língua é a maior prova de que não é preciso nenhum alucinógeno para fazer um trabalho intenso e bem viajado”, pontua.
Nos últimos três anos, desde que a oficina se tornou uma empresa, o artista não para de trabalhar, nem nos finais de semana e feriados. Com uma rotina atribulada, Henrique produz pelo menos um clipe por mês. “Além disso, fiz games em parceria com um grande amigo de São Paulo, o Erick Yamato. Criamos o ‘Predonauta’ que está disponível na appstore da Apple. Eu assino a arte e a direção, e ele a codificação. No futuro, vamos lançar também games para Android. Por enquanto, nosso foco são animações 2D, clipes, ilustrações, games e vestuários. Temos uma grife com estampas exclusivas, além de canecas, adesivos. Mas vem muito mais novidades por aí”, promete.
E assim surgiu o Raspa Língua…
Na adolescência, Henrique Moura ficou extasiado quando viu o clipe “Clint Eastwood”, da banda virtual de trip-rock Gorillaz, lançado em 2001. “Gritei que queria fazer aquilo. Como em Paranavaí não havia cursos da área, anos depois decidi fazer cursos com profissionais de fora. Eu não precisava aprender a desenhar, mas sim a usar as ferramentas. Então descobri que alguns softwares fariam toda a diferença. Desde o início, minha intenção era jogar a minha pintura. Cara, pinto desde os sete anos, pintei a vida toda. Meu sonho era ver meu trabalho se transformando em animação”, confidencia.
A sua primeira escola, segundo ele, onde teve a oportunidade de começar a colocar seus projetos autorais em prática, tanto com desenho e pintura quanto com animação, foi o Centro de Atendimento Especial à Criança e ao Adolescente (Cecap), onde Henrique coordenava uma oficina de arte. “A diretora Líria Balestieri foi um anjo na minha vida, uma pessoa incrível a quem devo muito. Daquela oficina saiu o Gabriel Araújo que foi meu ajudante”, relata.
A ideia do nome Raspa Língua surgiu em Santa Catarina, quando Moura estava viajando com dois amigos. “A gente estava numa serra e ele falou pra eu tomar cuidado com o raspa-língua, uma planta que gruda na pele e esfola. Pedi pra ele me mostrar que planta era aquela. Aí pensei: ‘Que nome interessante! Pode ser algo que tira a sujeira de um lugar para colocar em outro. É isso que costuma acontecer com a sujeira, ela acaba indo pra outro lugar, não desaparece.’ Associei isso com a ideia do meu personagem Predo Bandeira, alguém que raspa a língua de tanto falar, alguém que solta sujeira quando fala, mas uma sujeira limpa”, revela.
Com o Raspa Língua e seus personagens peculiares, Henrique Moura busca enaltecer a diversidade humana e ao mesmo tempo a sinceridade de Predo em um mundo cada vez mais despersonalizado. “Hoje em dia, as pessoas se apagam muito por causa dos outros. Isso é triste. Já passei por isso e posso dizer que consegui redescobrir minha identidade com o Raspa Língua”, assegura o artista que também conta com a parceria de Luciana Moraes e da contabilista Andrea Marques.
Frases de Henrique Moura
“Predo é um cara sem papas na língua, contra o politicamente correto. É um cara que não suporta a hipocrisia. Tem dia que acordo e penso: ‘Hoje tô meio Predo.’ Creio que muita gente se identifica com isso.”
“As pessoas não sabem do Predo hoje, mas elas vão saber. Pode ser que isso aconteça quando eu estiver com 40 anos, mas ela farão uma ligação se eu continuar nesse ritmo intenso de trabalho. Elas vão viajar pra longe e lá vai ter alguma coisa que as faça lembrar de Predo Bandeira.”
“É legal ir num lugar, tirar foto com um cara que atrai mais clientes, o cara com sua camiseta, com boné do Raspa Língua. Que legal, tá em movimento o bagulho!”
“Lembro quando minhas charges do Predo saíam em uma coluna no Jornal do Bairro. Hoje, ele é meu carro-chefe, está nas camisetas do Raspa Língua, em tudo.”
Saiba Mais
Para assistir aos vídeos da Oficina Raspa Língua, acesse: http://raspalingua.com
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Uma manhã com Frei Jerônimo
Fiquei muito feliz de conhecer o alemão George Karl Brodka (Frei Jerônimo), que sobreviveu à Segunda Guerra Mundial e à dominação soviética. A conversa rendeu algumas horas e agora já penso em transformar isso não apenas em uma reportagem, mas algo muito maior. Inclusive me comprometi em retornar mais vezes. Logo abaixo, segue uma prévia do bate-papo com Frei Jerônimo que vive no Seminário Imaculada Conceição desde o início da década de 1960. (Na foto, ele está segurando o primeiro dicionário de alemão/português que comprou antes de se mudar para o Brasil)
Suas impressões da Segunda Guerra Mundial são narradas sob a ótica de uma criança, já que na época ele não tinha mais que dez anos. Brodka se emociona ao contar que seu pai, assim como muitos outros alemães, entraram para o exército porque suas famílias estavam passando fome, e era o único tipo de trabalho disponível na Alemanha nazista. “Participei de um encontro de oficiais da Alemanha na década de 1950, e meu pai chorou ao dizer que nunca matou ninguém e jamais deu alguma ordem de assassinato.”
Brodka diz se envergonhar e não entender como na infância ele e muitas outras crianças tiveram coragem de andar sobre os cadáveres dos soldados mortos, retirando distintivos para compor suas coleções. Crente de que o filho de 14 anos não teria futuro na Alemanha Oriental, o pai de George Karl forjou documentos para que ele pudesse atravessar a fronteira. “Tive que percorrer uma grande selva, e depois acabei preso. Fui preso duas vezes na minha vida”, narra.
Outro relato surpreendente é o do dia em que os tchecos amarraram sua mãe com uma corda no capô de um jipe e percorreram toda a cidade fazendo piadas e a exibindo como um troféu. “Eles também nos obrigavam a comer borra de café e depois faziam piadas dos nossos dentes pretos. Eles odiavam os alemães”, declara. Seu tio, um pregador, foi capturado pelos poloneses e enforcado em uma árvore diante de uma plateia porque transportava uma bíblia. “Em algumas regiões a circulação da bíblia era proibida”, enfatiza.
Brodka conta que pelo fato de ter vivido muitos anos na Alemanha Oriental, quando ele decidiu se tornar carmelita sofreu muito preconceito. “Na Alemanha Ocidental, na própria Ordem do Carmo, não me chamavam pelo nome, mas apenas de comunista. Até mesmo quando cheguei em Paranavaí, e os outros padres ficavam sabendo que vivi na Alemanha Oriental, sempre se referiam a mim como ‘o comunista’. Era muito triste”, lamenta.
Algumas frases ditas por Frei Jerônimo e que ainda continuam ecoando na minha mente:
“Um dia, na Alemanha, um Bernardino, um cachorro que ajuda a encontrar pessoas perdidas nas montanhas, escapou do seu tutor e correu em minha direção. Quando ele se aproximou de mim, coloquei as mãos nas costas, abaixei a cabeça e conversei com ele. Depois veio o tutor dele correndo e disse que o cachorro era bravo. Eu falei que não, que ele não era bravo. Então olhei pro cachorro e expliquei: ‘Não vou bater em você e você não vai me morder.” O homem achou que eu estava louco: ‘Como?’ Expliquei que falei com o cachorro e ele entendeu. Sempre me entendi muito bem com cachorros.”
“Não gosto de gente que bate em cachorro. Não gosto de gente que não aceita cachorro. Dá pra desconfiar de gente assim…”
“Uma coisa que acho estranha em brasileiro é que brasileiro gosta de dizer que é descendente de italiano, alemão, português…que é descendente disso ou daquilo. Por que não apenas gostar de ser brasileiro?”
Frei Jerônimo é o fundador do Grupo Escoteiro Guy de Larigaudie, de Paranavaí, que este ano completou 50 anos.
Um bate-papo com Chicão Soares
Passei a primeira hora da minha manhã de trabalho batendo um papo sobre jornalismo histórico com o jornalista Chicão Soares. Uma figura ímpar que já entrou para a história do jornalismo paranaense – são 61 anos dedicados à profissão. “Já pensei em parar de escrever, mas não consigo. Além disso, na minha família a tradição é não morrer antes dos 100. Então tenho muito o que fazer”, enfatizou sorrindo.
A professora que enfrentou sozinha o Estado Islâmico
“Quando protestei em frente ao quartel-general do EI, ninguém teve coragem de tirar foto”
Há anos, a professora síria Souad Nawfal protesta contra o Estado Islâmico e contra o regime ditatorial do presidente sírio Bashar al-Assad, que segundo ela é o maior responsável pela expansão terrorista na Síria. As ações de Souad tiveram início em 15 de março de 2012, após a morte de Ali Babinsky, de 17 anos, o primeiro sírio a ser assassinado pelo regime de Assad.
Naquele dia, um grupo se reuniu para realizar o funeral do garoto seguido por um protesto clamando por justiça. Mas o que ninguém imaginava era que Assad mandaria matar quem ousasse “afrontá-lo”. “Eles atiraram em nós e mataram 16 pessoas que estavam com a gente”, conta a professora. A popularidade de Souad, que sempre se recusou a seguir o código de vestimenta feminina, cresceu quando um vídeo dela intitulado “A Mulher de Calças” foi publicado na internet. Ao longo de quatro minutos, a professora aparece criticando o Estado Islâmico e o qualificando como um governo ilegítimo fundamentado no obscurantismo religioso.
“Comecei a protestar contra o Estado Islâmico quando eles levaram o Pai Paolo [jesuíta italiano que apoiou a revolução síria e tinha uma paróquia ao norte de Damasco], meu hóspede. Eles o raptaram e desde então nunca mais tivemos notícias”, relata. O padre foi visto como uma ameaça porque ele tinha planos de acabar com o sigilo envolvendo os crimes cometidos em Raqqa, no centro-norte da Síria.
Baixinha, Souad Nawfal, que tem como hábito usar apenas o hijab, e por tradição identitária, não por obrigação, chegou a passar meses protestando contra a imposição de uma nova ideologia que segundo ela é totalitarista e contrária ao verdadeiro islã. “O Estado Islâmico trata todos muito mal. São exatamente como o regime de Assad. Assustam e subjugam as pessoas”, reclama. Durante os protestos de 2012, o EI impediu que os manifestantes fotografassem ou filmassem as mobilizações. Quem os desafiasse, era surrado e preso.
“Ao longo dos 45 dias que protestei em frente ao quartel-general do Estado Islâmico, ninguém teve coragem de tirar foto de mim, nem de longe”, lembra. Ainda assim, ela prosseguiu sozinha, tentando chamar a atenção para a realidade do povo sírio que já morria aos milhares. Muitas vezes a professora foi alvo de xingamentos, cusparadas e até atropelamentos. “Um dia um homem de barba longa e branca, que fazia parte do Estado Islâmico, quis estacionar bem onde eu estava. Eu disse que não sairia e ele me bateu algumas vezes com o carro, querendo me intimidar”, enfatiza.
De acordo com Souad, o EI nunca teve dificuldade em conquistar adeptos porque a tática deles é baseada na desinformação. Para as linhas de frente, eles sempre procuram recrutar jovens pobres e ignorantes, que pouco acesso tiveram à educação formal. “Uma tática eficaz é a lavagem cerebral das crianças de Raqqa. Eles prometem alimento e dinheiro à família e em troca exigem que seus filhos se tornem soldados. Essas crianças se sentem poderosas porque ganham armas e são chamadas de ‘xeiques’”, pontua.
Não foram poucas as vezes que Souad teve uma kalashnikov apontada para sua cabeça. E as ameaças eram diárias. Acostumada, ela simplesmente respondia: “Vamos! Se vocês me matarem primeiro, não esqueçam que a segunda bala tem que ser para Bashar.” Esse comentário irritava os soldados do Estado Islâmico porque provava que a professora sabia do relacionamento de conveniência deles com o presidente sírio.
Nem mesmo Souad Nawfal consegue explicar como ela conseguiu ir tão longe sem ser assassinada. Embora seja vista como heroína por tantos ativistas sírios, é possível crer que o fato dela não integrar nenhum grupo ou movimento fizesse com que o Estado Islâmico não a encarasse como uma real ameaça, permitindo que ela vivesse.
Porém, de acordo com o jornalista estadunidense Michael Weiss e o analista sírio Hassan Hassan, Souad ficou bem próxima da morte em setembro de 2012, quando o Estado Islâmico atacou e queimou duas igrejas cristãs, removendo as cruzes e colocando a bandeira negra da jihad. “No dia 25 de setembro, eles fizeram isso na igreja católica Sayidat al-Bishara e então 24 pessoas apareceram para protestar”, narram.
Ciente de que não adiantaria se queixar diante dos escombros. Souad sugeriu que todos a acompanhassem até o quartel-general do EI. Porém, antes de chegar lá, os manifestantes se dispersaram e a deixaram sozinha. Irritados, os soldados do Estado Islâmico lançaram uma bomba que explodiu ao lado da professora. Por sorte, ela saiu ilesa. “Antes escrevi uma mensagem à minha família me desculpando. Eu achava que aquele seria meu fim”, confidencia.
E para piorar, um garoto de 16 anos se aproximou, a chamou de infiel e perguntou aos outros soldados porque eles não matavam Souad. Não houve resposta. Ordenaram apenas que o menino se afastasse. “Depois um sujeito armado desceu de um carro, me pegou pelo braço e bateu em meu ombro”, assinala. A professora também recebeu cusparadas de outro homem.
Antes de ser liberada, ela fez questão de se queixar da apatia da população síria: “Vocês estão felizes, sírios? Olhem o que eles estão fazendo comigo. Olhem para suas mulheres, como elas estão sendo estupradas, como estão sendo atacadas e vocês só aí, olhando.”
Prêmio Homo Homini
Em 2015, Souad Nawfal foi premiada em Praga, na República Tcheca, com o prêmio Homo Homini, destinado a quem luta pela defesa dos direitos humanos. Até hoje a professora atua como ativista, denunciando as mazelas do Estado Islâmico e do governo sírio.
Ela também critica a apatia da comunidade internacional, que ignora o fato de que mais de 470 mil pessoas já morreram na Síria ao longo de cinco anos de Guerra Civil, segundo dados do Centro Sírio para Pesquisa Política.
De acordo com Souad, o único jeito de acabar com o terrorismo na Síria é derrubando o regime de Bashar al-Assad, a quem ela culpa por oferecer condições para a expansão do Estado Islâmico no Oriente Médio.
Referências
Weiss, Michael. Hassan, Hassan. Isis: inside the Army of Terror. Regan Arts (2015).
If Assad falls the terrorists will fall too – Souad Nawfal accepts the Homo Homini Award (2015). Disponível em http://oneworld.cz.
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