Archive for July, 2018
A memória é uma das mais belas armadilhas da natureza
A memória é uma das mais belas e intrigantes armadilhas da natureza. Você pode carregar alguém dentro dela por dias, meses e anos, mas o olvidamento não depende simplesmente da sua vontade. Você pode se apaixonar neste momento – ou amar alguém romanticamente neste momento. Seu coração pode rufar como um tambor, flores podem crescer dentro do seu estômago.
Ou você pode simplesmente se apaixonar ou alimentar esse amor com a idealização que sua fecundidade imaginativa permite – ou com a racionalização que sua razoabilidade anui. E isso te faz feliz no presente. Mas se tudo se dilui alheio ou não à sua vontade, o desmemoriamento não tem obrigação alguma de corresponder ao seu anelo, porque a sua memória é um ser que vive dentro de você, e que tem suas próprias vontades.
Sim, o ser humano pode aprender a condicionar a própria mente, mas nunca totalmente. E a memória que construímos, ou melhor, que nos constrói, não perpassa pela vontade (diferentemente do pensamento treinado ou condicionado), mas por critérios de relevância que não são definidos por mim nem por você. Por isso acredito que a memória é um ser que habita – um ser tão inaudito que se partir anula o construto da nossa própria existência.
Quando eu era criança…
Quando eu era criança, eu achava que os adultos tinham todas as respostas. Quanto mais velho, mais respostas. “Deve ser bom ser adulto, saber tantas coisas. Ter tanta confiança, segurança. Adultos são incríveis. Estão lá em cima e eu aqui embaixo, querendo crescer como feijão no algodão. Foram como nós, mas agora estão em um estágio bem avançado”, eu pensava.
Havia dois universos – o meu e o dos adultos. Como criança, eu só podia deambular por esse universo ocasionalmente, quando permitiam. Eu não queria exatamente ser adulto – tinha apenas curiosidade precoce sobre esse mundo ignoto. Puerilidade, penso hoje.
Não, você cresce e o que cresce com você são as dúvidas –
meu caso. Volatilidade, o conhecimento perpassa por isso comecei a crer. Quando conhecia algum ser alheio a esse universo eu dizia que ele, manietado às suas pequenas certezas, talvez fosse tão abençoado quanto amaldiçoado pela ignorância. Mas, em muitos casos, a maldição pode ser invisível. Que assim seja então.
Hoje, sem melindre, prefiro me definir apenas como um colecionador de dúvidas, pirronismo, ambiguidades, suspicácias. Uma vida ingerindo, digerindo e regurgitando palavras e ideias que podem renascer ou simplesmente desvanecer. Talvez seja isso que dê sentido à minha vida, porque sempre suspeito que imerso nas minhas asseverações e verdades ineludíveis talvez eu deixasse de deambular para escorar, e escorar me parece tão chato que sinto sono só de pensar – mas sem a possibilidade de sonhar.
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Não reconheço necessidade de ser agressivo ou ofensivo
Francamente não reconheço necessidade de ser agressivo ou ofensivo com qualquer pessoa que tenha uma opinião ou posicionamento diferente do meu. Mesmo quando me provocam ou me desrespeitam, não vejo sentido em retribuir da mesma forma. Não sou um cara iluminado por causa disso. Encaro apenas como uma questão simplista de ponderação. O que eu ganharia devolvendo o que me oferecem de negativo? Nada. Nem eu nem o outro. Não existe vitória nesse tipo de situação, mesmo quando alguém comemora.
Às vezes, vejo pessoas se exaltando por pouco, mesmo quando tentam transmitir uma mensagem positiva. Quem sabe, nem se deem conta de que a mensagem pode ser aparentemente boa, mas se o veículo estiver comprometido, talvez ela não chegue de forma satisfatória ao seu destino – ou nem chegue. Sou da opinião de que se temos uma boa oportunidade, é importante nos abrirmos para uma discussão, não nos fecharmos. Não acredito que exista tal coisa como “o outro não estar à altura” para uma conversa. De alguma forma, todo mundo tem algo a dizer se o respeito prevalecer.
Admito que encaro com estranheza esse costume de tentar reduzir a importância “do outro” simplesmente porque não concordamos em uma discussão. O mundo não é uniforme, homogêneo, unímodo. Afinal, reflete a própria diversidade de seus habitantes. Acho triste o fato de que, muitas vezes, nesse exercício de não ouvir “o outro”, é como se estivéssemos diante de um espelho – em que queremos enxergar apenas nós mesmos.
Isso me traz lembranças da minha infância, quando brincávamos em uma gangorra no quintal de casa – e o nome dela era Discussão, porque um tinha o direito de falar enquanto estava no alto – e o outro de silenciar. E era justamente o silencioso que elevava o interlocutor da vez, para entender que discutir não significa diminuir.
“A Streetcar Named Desire” e Elia Kazan
A Streetcar Named Desire”, de 1951, que no Brasil recebeu o nome de “Uma Rua Chamada Pecado”. É um dos filmes mais icônicos de Elia Kazan, se não o mais – marcado pela tríplice desejo, tragédia e morte. Kazan foi um genial e polêmico artista, que concebia suas obras sob a perspectiva do realismo socialista norte-americano. Foi acusado de entregar colegas de trabalho durante o macartismo. Quando morreu, aos 94 anos, já não gozava do prestígio do auge da carreira eternizada por películas inesquecíveis como “A Streetcar Named Desire”.
“Aprenda a ficar sozinho. Aprecie a solitude”
O que você gostaria de dizer aos jovens?
Tarkovsky – Eu não sei … Acho que eu gostaria apenas de dizer que eles [os jovens] deveriam aprender a ficar sozinhos e tentar passar o maior tempo possível sozinhos. Acho que uma das falhas dos jovens hoje é que eles tentam se reunir em torno de eventos que são barulhentos, quase agressivos às vezes. Esse desejo de estar junto para não me sentir sozinho é um sintoma infeliz, na minha opinião. Toda pessoa precisa aprender desde a infância como passar tempo consigo mesma. Isso não significa que ela deva ficar [sempre] sozinha, mas que ela não deveria ficar entediada consigo mesma, porque as pessoas que se aborrecem em sua própria companhia parecem estar em perigo, do ponto de vista da autoestima.
Essa reflexão compartilhada em um cenário bucólico e quiçá onírico, assim como é recorrente em seus filmes, talvez seja a mais icônica de Andrei Tarkovsky, que como poucos explorou temas como solitude, solidão, incomunicabilidade – sempre com um singular viés filosófico. Filho de poeta, desenvolveu o lirismo muito cedo.
Tarskovsky foi evidentemente um dos maiores cineastas russos da história, mas ouso dizer que ele foi um dos maiores do mundo. Ingmar Bergman o admirava e o respeitava profundamente. Vindo de Bergman não é difícil entender a dimensão disso, já que ele tinha admiração por poucos cineastas.
Não tenho necessidade de me alimentar de animais
Pratico musculação há anos e reconheço que não tenho necessidade de me alimentar de animais e também não tenho necessidade de usar esteroides. Conheço meus limites naturais e eles são satisfeitos com a riqueza do mundo vegetal. Além disso, a minha perspectiva de que o veganismo é um imperativo moral deixa clara que uma motivação estética não é mais importante do que a vida dos animais não humanos. Então por que eu deveria trilhar outro caminho? Por que eu deveria incentivar mortes? Por que tomar parte na exploração de seres vulneráveis? Por que a realização estética deve se sobressair à vida? Há algo mais importante que a vida? Não creio.