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Frei Jerônimo e a dura realidade do pós-guerra

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Foto: David Arioch

“Eu era criança e vivíamos em um campo de refugiados na Tchecoslováquia. Lá, tinha uma floresta, e um dia a mãe foi junto conosco procurar frutas para comer. Tinha uma mina de água, colhemos folhas de agrião, escondemos nos bolsos e levamos para o campo. De manhã, quando ganhamos uma fatia de pão seco, colocamos o agrião e comemos. E o gosto era muito bom, porque o agrião já vem temperado da natureza.

Lá, eles amarraram minha mãe mal vestida em cima de um jipe com cordas e passaram pela cidade. Quebraram todos os dentes do meu pai com cassetete. As crianças tinham que sair com faixa amarela para pedir comida, e sabe que comida eles ofereciam pra nós? A borra de café. E eles davam risada quando nossa boca ficava suja, e faziam isso de brincadeira, para nos chatear.

Quando voltei em 2003, um dia saí do meu quarto para andar pela floresta, e aí aconteceu uma coisa bonita, veio um são-bernardo, um cachorrão que sobe montanhas para ajudar a procurar pessoas perdidas na neve. Quando ele estava perto de mim, coloquei as mãos nas costas, abaixei a cabeça e conversei com o cachorro. E depois veio o tutor, correndo e ofegando, falando que o cachorro era bravo. E eu disse que não, que ele não era bravo. Falei para o cachorro que eu não iria bater nele e ele não poderia me morder. O homem ficou me olhando e dizendo: ‘Como? Como pode falar?’ Falei que sim, converso com ele. Me entendo com cachorro.

Essa cachorrinha que está aqui com a gente aqui agora, nós nos entendemos. Eu não gosto de gente que bate em cachorro. Não gosto de gente que não aceita cachorro. Dá pra desconfiar. O cachorro quer sair, então por causa do cachorro eu vou todos os dias ao bosque. Se não fosse por ele, eu ficaria no meu quarto. O cachorro me chama. Tinha um gato aqui também. O gato e o cachorro se davam muito bem, mas um funcionário do convento matou ele. Falei pra ele que eu sei o que ele fez. Escutei dois cliques do gato. E naquele dia éramos os únicos em casa.”

Excertos de uma entrevista que fiz com o alemão George Karl Brodka (Frei Jerônimo). Conversamos principalmente sobre o que ele e sua família viveram após o fim da Segunda Guerra Mundial, quando foram enviados para um campo de refugiados na então Tchecoslováquia.

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Written by David Arioch

February 15th, 2017 at 11:07 pm

5 Responses to 'Frei Jerônimo e a dura realidade do pós-guerra'

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  1. FUNCIONARIO DE CONVENTO QUE MATA GATO?BELO EXEMPLO.

    nena

    16 Feb 17 at 1:46 pm

  2. Nena, pois é. Triste fato.

    David Arioch

    16 Feb 17 at 5:01 pm

  3. Ele de fato é tudo isso! Atrás de uma infância sofrida, guarda um coração carinhoso, respeita muito os animais e a natureza como um bom escoteiro que é! Tive o prazer de viver com ele por um ano no Seminário Carmelitano em Graciosa, hoje consigo com mais clareza intender sua sabedoria!

    Emilio Ferraciolli

    17 Feb 17 at 9:39 pm

  4. Emilio, muito obrigado pelo comentário sensível. Ainda vou publicar uma grande reportagem sobre a vida dele. Abraço!

    David Arioch

    18 Feb 17 at 12:04 am

  5. […] – Saiba mais sobre Frei Jerônimo na nota publicada pelo grande e valoroso intelectual de nossa cidade, David Arioch. Clique AQUI […]

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