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As exigências da formiga-faraó
“Você é lerdo e cabuloso, hein? A gente quer açúcar cristal, cara!”
Acordei antes das seis horas ouvindo um som estranho no quarto. Como eu estava muito sonolento, não consegui identificar a origem. Eu só queria dormir mais um pouco. Mas o som persistiu, até que reconheci uma voz ecoando. Abri os olhos e não entendi de onde vinha aquela algazarra. Parecia tão próxima e ao mesmo tempo tão distante de mim. Pensei que estivesse imaginando coisa, até que alguém berrou:
— Acorda, lazarento! Acorda! Vamos! Acorde!
Virei o rosto para o outro lado e não vi nada.
— Aqui, trouxa! Pra onde você está olhando? Você é cego, otário?
Então vi uma formiga-faraó em cima da cômoda. Ela gesticulava e falava comigo enquanto movia suas antenas.
— Que isso? Que loucura! — falei esfregando as mãos contra os olhos e dando tapinhas na minha própria testa.
— Estou aqui sim, mané! Não adianta esfregar a mão na cara. Não vou desaparecer enquanto não conseguir o que quero, certo?
— Como assim? Você quer o quê? E como você está falando? Como isso é possível?
— Olhe, cara! Vamos parar com essa lorota porque não tenho tempo a perder. Como falo ou deixo de falar não interessa. A real é que você tem sido um desgraçado, cara. E isso não pode continuar assim.
— Desgraçado? Eu? Como? Nunca fiz nada contra formigas.
— Eu sei, cara! Você é vegano e todo aquele blá blá blá. Mas o negócio é o seguinte: Sei que você não come açúcar, mas e nós, seu egoísta? Você pensou na gente quando parou de comprar açúcar? Outra coisa, você acha que a gente gosta de açúcar de coco, açúcar demerara… Mano, a gente gosta de açúcar cristal. O mascavo ainda vai, mas não venha mais com esse açúcar de coco, cara. A gente gosta do branco reluzente.
— E onde eu entro nessa história?
— Você é lerdo e cabuloso, hein? A gente quer açúcar cristal, cara! Você vai ter que comprar, e se não atender nosso pedido, pode se preparar. Estamos espalhadas por todos os cômodos da sua casa. Você não tem noção, mano, do estrago que a gente consegue fazer em um dia. Estamos atrás dos rodapés, no forro, em todas as frestas da casa, nos armários, nas dobras das roupas. Não tem pra onde fugir.
— Mas por que tanta maldade?
— Maldade? Tem maldade nenhuma, irmão. É a lei da sobrevivência.
— Entendi. Vou dar um jeito nisso. Mas posso saber de onde vocês vieram?
— Viemos daqui, cara! Meus ancestrais já moravam aqui antes de você e dos seus.
— É? Sério?
— Não! Mentira! Claro que sim.
— Hum…Por que esse mau humor?
— Por causa da abstinência. Tem nada doce por aqui e a gente precisa de açúcar, cara. Já viu alguém feliz com fome? Você fica feliz com fome?
— Não…
— Então, pergunta respondida!
— Posso fazer outra pergunta?
— Caramba, mano! Mais uma? Tá! Manda lá!
— Por que chamam vocês de formiga-faraó?
— Ah! É isso? Beleza!
A formiga saltou em cima da cama, escalou o meu braço, subiu em meu ombro esquerdo e me observou por um instante.
— Louco demais! Essa barba dá um ninho da hora! A gente pode morar aí?
— Claro que não!
— Por que não, cara? Um ajuda o outro. A gente até estica ela pra você, dá mais volume; e ainda come as sobras de comida e alinha seu bigode. Fora que com a nossa presença ela ganha um tom de luzes do tipo caramelo.
— Sai fora!
— Beleza! Mas a permuta é boa e o azar é seu. Perdeu a chance de veganizar umas formigas.
— Me diga por que realmente chamam vocês de formiga-faraó.
— Ah! De novo isso? Ok!
— Meus ancestrais diziam que um dia um grande faraó decidiu banir as formigas do Egito. Ele começou proibindo a fabricação de açúcar e a importação de açúcar da Índia por um longo período. Uma de nós apareceu pra ele, assim como estou fazendo agora, e tentou dialogar. Ele não aceitou o acordo. Então elas comeram o faraó.
— Nossa! Sério isso?
— Sim…talvez…Claro que não, né?
Com a visão ligeiramente turva, cocei os olhos mais uma vez. Quando olhei para o meu ombro, a formiga tinha desaparecido. Minutos depois, meu celular tocou.
— Você estava dormindo? Estou te ligando há mais de dez minutos e você não atende — reclamou meu irmão.
— É…acho que sim.
Por via das dúvidas, esperei o mercado abrir, comprei cinco quilos de açúcar cristal e guardei no armário.
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