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No mundo dos canibais da internet
Um universo desconhecido pela maioria dos internautas, onde pessoas procuram carne humana
No dia 10 de março de 2001, o técnico em informática alemão Armin Meiwes matou e comeu o engenheiro Bernd Jürgen Brandes em sua fazenda em Rotemburgo, na Alemanha. À época, o crime teve repercussão internacional e Meiwes chegou a ser comparado a famosos assassinos em série como o estadunidense Jeffrey Dahmer – o canibal de Milwaukee. No entanto, para surpresa de todos que acompanharam o caso e participaram do julgamento do alemão, apelidado de Der Metzgermeister (O Açougueiro-Mestre), as investigações apontaram que o ato de canibalismo de Meiwes teve o consentimento da vítima que antes de falecer se alimentou de uma pequena parte do próprio corpo.
Para suportar a dor, Brandes engoliu 20 comprimidos para dormir e meia garrafa de aguardente antes de ter o pênis amputado por Meiwes. Mais tarde, os dois se alimentaram do pênis flambado da vítima que provavelmente sofria de distúrbios psicológicos e emocionais. Após o falecimento do engenheiro, o técnico continuou se alimentando de Brandes, chegando a consumir um total de 20 quilos de carne humana. Durante o julgamento, o canibal de Rotemburgo confidenciou que a carne era muito parecida com a suína, com a exceção de que era mais forte.
Contudo, Meiwes alegou que jamais teria matado ou se alimentado da vítima de forma não consentida, embora desejasse consumir carne humana desde a infância. O episódio desafiou a justiça alemã que não possuía legislação específica para lidar com casos de antropofagia envolvendo vítimas voluntárias. Apesar disso, Meiwes foi condenado a oito anos de prisão por homicídio.
Em 2006, após passar por nova análise psicológica, foi constatado que o Açougueiro-Mestre ainda tencionava se alimentar de carne, principalmente de jovens. Com a possibilidade de reincidência, um tribunal de Frankfurt o condenou à prisão perpétua. Mesmo com o veredicto, Meiwes se declarou como vegetariano em 2007 e foi eleito líder de um grupo de conscientização ambiental formado por pedófilos, traficantes e assassinos.
A história de Armin Meiwes chamou a atenção para uma realidade macabra e desconhecida da maior parte dos usuários da internet. O técnico em informática conheceu Bernd Jürgen Brandes no Cannibal Cafe, um fórum da Undernet que mantinha o seu conteúdo oculto, fora dos mecanismos de busca, e que só poderia ser acessado por pessoas com conhecimentos bem específicos.
Há alguns anos, eu tive acesso aos arquivos do fórum e entendi o que Meiwes quis dizer quando falou que ele não seria o primeiro nem o último a conhecer pessoas na internet com a intenção de praticar canibalismo. Segundo o Açougueiro-Mestre, há milhares de pessoas na internet dispostas a comerem carne humana e serem comidas. E uma prova disso era o Cannibal Cafe.
Fundado por um estadunidense de meia-idade conhecido como Perro Loco, o fórum exibia um alerta para pessoas que não gostam de fantasias politicamente incorretas. “Se você não tem esse tipo de fantasia, provavelmente você vai achar o nosso conteúdo chocante e ofensivo, o que significa que nosso site não é para você. Por favor, vá embora. O material que produzimos é fantasioso em muitos aspectos. Não há nada realista sobre o assunto. Nossos espectadores sabem disso. Longe de normalizar a violência, nós a relegamos ao reino da fantasia. Não é a presença de tais fantasias que levam pessoas a atos de violência, mas sim a ausência de uma consciência”, defendia Perro Loco na página de abertura.
O fórum era administrado por mais três operadores, pessoas da confiança do idealizador. Dois foram identificados pelos pseudônimos Fenestrated e Squeeze Toy. Na rede Undernet, acessada através do programa mIRC, o Cannibal Cafe também mantinha um canal chamado #snuffsex, onde eram compartilhadas imagens, informações e bizarras aspirações.
Na guia Livestock Application do Cannibal Cafe, os usuários podiam preencher uma ficha informando dados pessoais, experiências, habilidades sexuais e o tipo de morte desejada – ser assado vivo, decapitado, desmembrado e empalado, entre outras opções. As mulheres oferecidas no site, mediante pagamento ou não, eram classificadas como cows (vacas). Nathalia, uma jovem de 27 anos, apresentada como uma gótica bissexual neerlandesa, foi qualificada como em ótimo estado, com carne firme, magra e com bom tônus muscular. De acordo com as recomendações de Perro Loco, ela poderia ser colocada em suspensão, asfixiada e progressivamente desmembrada. Ao completar 30 anos, Nathalia deveria ser assada viva.
Chelsea, de 19 anos, anunciada como filha de Perro Loco, participava do fórum e dizia que queria se tornar uma atriz pornô de filmes extremos. Mas somente por curto período, até que eventualmente pudesse ser morta e eternizada no vídeo da sua própria execução, um snuff film. O Cannibal Cafe também disponibilizava uma seção sobre empalamento em que Perro Loco falava sobre as suas próprias experiências.
“Há homens e mulheres emocionalmente vulneráveis o suficiente para serem seduzidos e permitirem que outras pessoas os matem por prazeres sexuais. São os verdadeiros masoquistas. Eu não vou entrar em detalhes, mas há sete anos fui atraído por uma jovem perturbada que vivia na área rural da Flórida. E sim, ela era suicida, submissa e masoquista. Um dia, ela abandonou os pais e fugiu de casa em busca da sua emoção final”, escreveu Perro Loco em 2001, na seção de perguntas mais frequentes do fórum.
E ele continuou: “Desde então, tenho a sorte de encontrar meninas e mulheres dispostas a realizarem essas fantasias. Comecei divulgando anúncios discretos na revista Fangoria e em um tabloide nacional que circula principalmente em supermercados. Fiz o mesmo em grupos da Usenet [através de fóruns]. No geral, o retorno aos meus anúncios foi muito maior do que eu poderia esperar nos meus sonhos mais selvagens.”
Analisando o conteúdo do Cannibal Cafe, que se manteve na ativa entre os anos de 1994 e 2002, não é difícil perceber que muitos dos usuários eram fãs de Dolcett, um tipo sinistro de desenhos fetichistas incluindo estupro, tortura, assassinato, canibalismo e incesto. Seus autores até hoje mantêm a identidade anônima. “Após a aceitação de uma nova ‘vaca’, ela recebe treinamento extensivo em todas as formas conhecidas de extrema escravidão e perversão. Ela passa por um processo de doutrinação psicológica completa, baseada em impulsos sexuais naturais, estimulando tendências submissas do subconsciente e eliminando as inibições sexuais e instintos de autopreservação”, escreveu Perro Loco na seção Cattle Training (Formação de Gado).
Os operadores e usuários do fórum davam a impressão de que a vida é um jogo e a morte um presente. Na seção Snuff Show Previews havia imagens reais de usuários e toscas montagens de rituais de tortura, empalamentos e antropofagia – algumas em forma de fichas pessoais. “Estamos treinando nossas ‘vacas’ para estrelarem nossos vídeos. Os shows ao vivo estão programados para saírem em breve. Acesse o nosso formulário de pedidos online para obter mais informações sobre nossos filmes snuff [com mortes e assassinatos reais]”, informou a administração do fórum.
No dia 28 de abril de 2001, a usuária Stephanie comentou que achou o trabalho de Perro Loco tão original quanto a chamada arte Dolcett. “Você fez um site como nenhum outro. É um mestre entre os mestres, um grande homem”, declarou. Dois dias depois, uma moça identificada como Cath criou um anúncio informando ter 1,75m, cabelos ruivos até o meio das costas e olhos azuis. “Posso render um bom presunto e uma boa alcatra. Como você gostaria de me cozinhar? E você poderia me marcar como um porco ou uma vaca?”, sugeriu.
Outro usuário, Franky, reconhecido como Armin Meiwes, o canibal de Rotemburgo, ingressou no fórum para conhecer homens com faixa etária de 18 a 30 anos. “Se você tiver um corpo normal, venha até mim. Eu vou lhe estripar e comer a sua carne. Me informe sua idade, altura, peso e encaminhe uma foto”, pediu.
As conversas no fórum quase sempre eram sobre pessoas querendo comer carne humana ou se oferecendo para serem comidas. Perro Loco justificava que não iam além da imaginação. Porém, o alemão Armin Meiwes é a maior prova de que fantasia e realidade se confundiam no Cannibal Cafe. Apesar da contestação, havia muitas outras publicações suspeitas.
“Sou um homem saudável de 27 anos e quero me submeter totalmente à sádica escravidão imposta por uma senhora ou um casal extremamente cruel. Quero desaparecer silenciosamente na total e permanente escuridão. Me sinto ansioso com a possibilidade de aparecer em um snuff movie para benefício comercial do meu dono. Posso me mudar de Nova York a qualquer hora. Desejo ser torturado, abatido e cozido para a sua total satisfação. Em particular, gostaria de ser mantido nu, acorrentado e enjaulado. Estou muito interessado em ser espetado como um porco. Isso é real e eu vou responder a todas as ofertas. Continuo aguardando o abate. Obrigado”, postou Alan em 28 de maio de 2001.
Para se ter uma ideia da abrangência do Cannibal Cafe, há publicações em outros idiomas. Em agosto de 2001, um brasileiro criou um tópico enfatizando seu desejo em praticar canibalismo. Não há dados tão precisos, mas acredita-se que milhares de pessoas de todos os continentes participaram do fórum entre 1994 e 2002. Nikolai, um dos usuários mais ativos no último ano do Cannibal Cafe, compartilhava receitas e arquivos sobre preparo de carne humana. Um deles, intitulado “Butchering the Human Carcass for Human Consumption”, foi escrito por um homem chamado Bob Arson.
“É um passo a passo sobre como quebrar o corpo humano de forma a garantir mais opções de corte. Como em qualquer campo, há uma série de métodos para a prática, e você pode ver isso como um conjunto de sugestões em vez de regras concretas”, explica a introdução do arquivo.
Quando o canibal Armin Meiwes confidenciou que frequentava o Cannibal Cafe, o fórum obteve popularidade assombrosa, o que não impediu que fosse desativado em 2001. Ainda assim, o fundador Perro Loco jamais foi responsabilizado por qualquer ação criminosa que tivesse como ponto de partida o seu fórum. Inclusive gozou de certo prestígio e fama junto aos fãs de pornografia extrema e subversão sexual.
Mais tarde, ainda morando na Califórnia em um regime de semi-aposentadoria, optou por uma vida mais pacata, trabalhando em uma loja de artigos de pesca. De fala mansa e ponderada, Perro Loco, que define a si mesmo como um homem privilegiado pelo bom nível cultural, jamais evitou entrevistas ou cogitou desaparecer. Muito pelo contrário, afirma que está sempre aberto ao diálogo.
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