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Confidências de um matador no centro de Loanda
“Senhora, tenho eu muito remorso no coração. Saiba que matei muita gente no garimpo”
Na manhã de anteontem, que bem poderia ser dia qualquer, uma mulher trabalhando no centro de Loanda foi abordada por um homem alcoolizado. O sujeito a interrompeu e disse que estava com dó de vê-la trabalhando agachada. “Olha, vejo você aí e só consigo pensar em ajudar”, declarou.
Entre uma baforada e outra com olência de cachaça, o homem se aproximava, envergando o corpo como se fosse uma vara de bambu para tentar roubar-lhe a atenção. Mas a mulher se afastava. Desviava os olhos e se esforçava para continuar a sua rotina de serviço, reformando o pavimento da entrada do Depósito XV de Novembro.
“Senhora, tenho eu muito remorso no coração. Saiba que matei muita gente no garimpo. Você não vê o sangue nas minhas mãos, só que ele continua aqui. Vejo o vermeião toda vez que encosto os dedos no rosto pra me lavar”, afirmou sem parcimônia. Em seguida se dispôs a ir até um banco a alguns quarteirões para resgatar um pouco de sua fortuna e dividir com ela.
“Né brincadeira não, senhora! Matar dá dinheiro sim e só quem é matadô no garimpo sabe disso. Você vicia nisso! Mas hoje tô triste porque nunca trabalhei e quem trabalhou morreu por minha causa”, afirmou com indolência, num misto de desabafo e desejo de aliviar a moléstia. Depois escorou em um poste, apontou novamente para a mulher e suplicou para que ela aceitasse seu dinheiro ou pelo menos algumas pepitas que ele guardou em um cofre no banco.
As insistências continuaram, assim como a total recusa da mulher. Vencido pelo cansaço e pelo calor, o sujeito enxugou o suor da testa com o dorso da mão esquerda anelada com tanto ouro que parecia cintilar um novo e singelo tipo de iluminação.
Após o homem partir arrastando as botas, a mulher comentou com uma passante a oferta descabida do sujeito. “Ele parece louco quando bebe, mas a verdade é que matou bastante gente no garimpo sim. Hoje não faz mais isso porque tem muito dinheiro. Então segue essa penitência de beber e se martirizar. Dizem que cada dose simboliza uma vida que ele tirou”, revelou.
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