David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

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Sobre pessoas preocupadas demais com suas próprias vidas

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(Arte: Art and Design Inspiration)

Pessoas costumam dizer que estão preocupadas ou ocupadas demais com suas próprias vidas para dedicarem atenção a mais do que isso, e o problema subsiste exatamente nessa consideração. Quero dizer, que tipo de mudança eu realmente promovo quando o que interessa, em um sentido prático, é somente a mim e o que considero prioritário e que não envolve interesses mais abrangentes e coletivos por assim dizer?

Se o que importa é meu universo particular de interesses, e não tenho tempo para olhar do outro lado, acho que não posso reclamar que não haja uma mudança, de fato, estrutural em relação a alguma coisa. Não tenho como mudar nada se me dedico a inclinar sobre mim mesmo – como se eu fosse meu único objeto de realização.

E se ajudo a perpetuar o que já existe, sou apenas alguém com uma contribuição mecânica diante de uma realidade tão rica, diversa e com um potencial inimaginável e mormente subestimado. Reclamar ocasionalmente ou mais do que isso, mas não se dedicar nem mesmo a mudar o coração e a mente de algumas pessoas não traz mudanças.

Muitos ainda não percebem também que quando eles vão além de si mesmos, se colocam em posição não apenas de ajudar a semear luz do outro lado, mas de abrir uma fenda que pode crescer e se tornar uma passagem que, por extensão, ilumina até mesmo nossas vidas mais do que poderíamos imaginar; porque toda mudança que considera muito mais do que nós mesmos tem o potencial para transformar realidades, situações, crenças e valores.

Então será realmente que quando dizemos que não temos tempo para pensar em mais do que aquilo que definimos como “nossas próprias vidas”, não estamos perdendo uma boa oportunidade? Além disso, o conceito da “minha vida” parte de uma acepção equivocada, já que vidas, por mais que neguemos, estão interligadas, ainda que numa releitura, por ora, fragmentada e superficial que gira em torno da ideia de que a maior parte das nossas ações enquanto seres viventes traz impactos positivos ou negativos.

E os negativos, naturalmente, crescem em proporção às nossas displicências, já que outros se equilibram, sapateiam e se regozijam sob nossas letargias. Somos seres que, mesmo quando imersos na individualidade, carregam em algum nível uma consciência diversa, ainda que adormecida, e naturalmente impactos compartilhados, semelhantes e dissemelhantes na sua própria essência ou metamorfose. Os impactos negativos são evidentes, se quisermos enxergá-los e confrontá-los; e podemos sempre ampliar os positivos para que possamos semear alguma coisa mais tenra do que o bem-estar real ou falseado de nossos corações.

Ademais, “nossas vidas” são vividas muitas vezes não à livre maneira que ansiamos, ainda que nos consideremos “livres” de uma ou diversas formas, mas à maneira que nos é permitido viver sob o arcabouço social, valores e prerrogativas em que estamos inseridos. E se isso não satisfaz, devemos aceitar sob às raias nervosas do fatalismo? Acredito que é sempre tempo de amadurecer a ideia de que nossas vidas são plurais, e que por isso demandam uma consciência menos rarefeita e limitada; mas o que fazemos com isso depende francamente de nossas vontades.

Nós, enquanto matéria, somos pouco ou nada

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Assisto filmes antigos desde criança, e o que sempre me intrigou em muitos dos filmes que assisti é reconhecer que todas aquelas pessoas já faleceram. Se pensarmos a respeito, é intrigante, não? Em um filme com dezenas, até centenas de pessoas, que estão ali “exalando vida”, a certeza de que todos partiram.

Revendo “Fausto”, de 1926, esses dias, esse pensamento voltou a exercer algum tipo de curioso fascínio sobre mim, como quando eu era moleque. Elas continuam ali, eternizadas em um filme – suas vozes, movimentos, expressões, vontades – ainda que materializadas na efemeridade por personagens.

Isso sempre me leva a refletir sobre o fato de que nós enquanto matéria somos pouco ou nada; e talvez o que sobreviva ao tempo indeterminado seja o que fizemos ou fazemos, o que isso despertou nos outros. Por isso nossas ações podem repercutir ao passo que nossa matéria deixa de existir.

E isso pode até mesmo independer da nossa vontade, já que muito do que fazemos é motivado por emoções, sentimentos e desejos evocados por uma época, normalmente o período em que vivemos. Afinal, até mesmo quem pensa na eternização de alguma coisa se pauta primariamente no tempo presente.