David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

A sina de Nenê, um ex-peão de boiadeiro

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Enquanto gesticula, coça a cabeça e sorri de forma acanhada, ele informa que é dia de música

Nenê:

Nenê: “Vô rum-a píi-a po radímm” (Foto: David Arioch)

Na Rua B da Vila Alta, enquanto eu converso com o artista plástico Tio Lú em frente a um terreno baldio, um homem se aproxima. Não entendo quase nada do que ele diz e suspeito que o sujeito esteja embriagado. Ele carrega um relógio muito bonito, que já não funciona mais. Tio Lú pede que eu aguarde um minuto, entra dentro de sua casa e traz um rádio pequeno. Nenê sorri efusivamente e pega o radinho com uma das mãos. Exibindo os poucos dentes que lhe restam na boca, parece uma criança quando ganha um doce.

Ele segura minha mão e diz algumas frases – entendo não mais do que meia dúzia de palavras e o observo se afastando. Então pergunto ao Tio Lú se ele pode chamar o Nenê novamente para responder uma ou duas perguntas. Em menos de 30 segundos, Nenê retorna e me diz com muita dificuldade que já foi peão de boiadeiro.

Conta que não sente falta dos tempos de boiadeiro, apenas da saúde. Anos atrás, antes de prometer a si mesmo que jamais montaria em um animal novamente, caiu de cima de um touro e bateu a cabeça com força no chão de terra, ficando em coma por vários dias. Quem o conhecia como boiadeiro, decidiu se afastar, julgando que o rapaz nada mais tinha a oferecer. A queda o deixou com graves sequelas, dificultando sua fala, dando a impressão de que está sempre embriagado.

Enquanto gesticula algumas vezes, coça a cabeça e sorri de forma acanhada, ele informa que hoje é dia de música. “Vô rum-a píi-a po radímm”, explica com dificuldade. Dias atrás, Nenê estava caminhando perto da estrada de terra da Farinheira Cassava quando alguns jovens começaram a importuná-lo. Como ele não gosta de briga, tentou se afastar, mas o jogaram no meio de uma roda, o empurraram e o estapearam até que as agressões se intensificaram.

Sem ter como fugir, Nenê derrubou quatro rapazes, distribuindo apenas quatro socos. “Ele é quieto, mas extremamente forte”, declara Tio Lú que toda semana separa algum objeto para entregar a Nenê que gosta de caminhar ladeado pelo Bosque Municipal, tratando cada presente como um motivo a mais para viver no seu universo de inocência e redescoberta tardia.

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