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O que aprendi frequentando a periferia
É um erro analisarmos ações que não são nossas a partir do nosso ideal de vida
Por meio de um amigo, o artista plástico Jesus Soares, comecei a conhecer melhor a periferia em 2009. Desde então, devo dizer que aprendi muito. Tem sido uma grande oportunidade de entendimento, sabedoria e desenvolvimento moral e ético. Gostei tanto da experiência que em 2014 produzi um documentário sobre a história da Vila Alta, um dos bairros mais pobres e marginalizados de Paranavaí, no Noroeste do Paraná.
Ao longo dos anos, conheci muitas crianças e adolescentes naquele lugar. E logo que comecei a observar seus hábitos e registrar suas experiências de vida, reconheci o balaio cultural que é a periferia. Na Vila Alta, os jovens têm linguagem própria, uma mistura curiosa de sotaques e gírias do Sul e do Sudeste do Brasil, além de neologismos tipicamente locais, o que renderia um bom trabalho de pesquisa em linguística.
Lá, os moradores buscam meios de se destacarem. Se não através da educação formal e do trabalho, pelo menos esteticamente. Crianças, adolescentes e jovens adultos pintam os cabelos com cores chamativas, fabricam brinquedos e maquininhas de tatuagem – se tatuam à sua maneira, personalizam os próprios tênis e roupas, e criam adereços jamais vistos em qualquer outro lugar, como anéis, pulseiras e colares baseados em matérias-primas inimagináveis. Também fazem arte com barbante para colocarem nos quadros das bicicletas e cantam músicas próprias sobre a realidade da periferia, só para citar alguns exemplos.
Interpreto tudo isso como consequência de um anseio. Eles não querem apenas viver, mas existir. Desejam respeito e reconhecimento, e acreditam que isso só pode ser alcançado se fizerem algo que a maioria não faz ou tiverem algo que a maioria não tem. Há muito tempo tenho notado adolescentes da periferia que sonham com roupas e calçados caros, mesmo que isso signifique gastar a maior parte do salário. E sem dúvida é uma meta normalmente depreciada por quem não faz parte daquele contexto.
Eu, por exemplo, venho de uma realidade diferente, onde roupas e calçados nunca significaram nada – cresci sem me importar com marcas. E só depois de adulto comecei a entender melhor porque jovens da periferia pagam tão caro em alguns bens. E quando penso nisso, sempre me recordo de uma situação que vivi na infância. Um dia, notei que um dos colaboradores da minha mãe, morador da periferia, usava um tênis recém-lançado que vi num comercial de TV, e aquilo me surpreendeu:
“Nossa! Que caro! Ele deve gostar muito de tênis”, pensei. Descobri mais tarde que o rapaz usava um caro par de tênis não apenas por gostar de tênis, mas porque era um meio de se destacar, de destoar da maioria. No universo dele, o tênis representava o mesmo que um carro para alguém de outro contexto social. E isso ajudava a elevar a sua autoestima.
Ponderando sobre o assunto, vejo como somos falhos ao julgar escolhas alheias, principalmente de quem vive na periferia. Afinal, todo mundo já ouviu uma pessoa criticando alguém por ter pagado tão “caro” em algo. Acho que se de algum modo aquilo proporciona algum bem-estar, que assim seja, é isso que importa, até porque não sabemos o que representa para o outro. É um erro analisarmos ações que não são nossas a partir do nosso ideal de vida. O mundo é diverso, e parece-me que temos dificuldade em aceitar o fato de que ele não se resume à universalização de nossas crenças e inclinações.
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