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Sabrina, o nascimento de uma mulher

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Sorriu como nunca e notou no próprio olhar um brilho diferenciado, de alguém redescobrindo o mundo

“A Alana que tem a mesma idade que eu me ajudou muito. Ela que me batizou com o nome de Sabrina” (Foto: Arquivo Pessoal)

“A Alana que tem a mesma idade que eu me ajudou muito. Ela que me batizou com o nome de Sabrina” (Foto: Arquivo Pessoal)

Sabrina tinha 16 anos quando experimentou pela primeira vez um vestido. Se sentiu bonita e realizada diante de um espelho que mostrava não apenas o seu reflexo, mas quem ela realmente era no seu íntimo até então velado. Sorriu como nunca e notou no próprio olhar um brilho diferenciado, de alguém redescobrindo o mundo que lhe parecia negado pela possibilidade de viver uma das mais pungentes formas de preconceito – a homofobia.

Com a mesma idade, começou a fazer programas escondida da mãe. Muitos clientes procuravam sexo enquanto outros pagavam apenas pela companhia. Se aconchegavam em seus braços, conversavam, desabafavam, choravam ou simplesmente se extasiavam com um pouco de calor humano. Outros iam além nos pedidos mais inusitados. “Teve um cara uma vez que pediu pra eu penetrar um pepino na bunda dele”, conta rindo.

Quando Sabrina completou 18 anos, a mãe descobriu tudo. Então a jovem explicou que fazer programas é uma forma de trabalho, justificando que quer alcançar seus objetivos o mais rápido possível para futuramente ter uma vida normal. “Tive experiências muito boas com clientes, mas também algumas estranhas, como ser paga para assistir a pessoa ficar se drogando. Ofereciam pra mim, só que nunca gostei disso”, diz.

Com 1,80m, 60 quilos, pele oliva, cabelos longos e bem alinhados, um rosto fino cuidadosamente maquiado e expressivos olhos pretos, Sabrina chama atenção por onde passa e não nega as transformações que viveu nos últimos anos para ser quem é hoje. “Tenho três litros de silicone no bumbum e nas pernas. Sou uma garota em fase, com seios pequenos. Em breve vou colocar uma prótese de silicone”, garante sem esconder a empolgação seguida por um riso fácil.

Em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, Sabrina integra uma irmandade de 15 jovens que fazem programas. Sempre que necessário, uma protege a outra, principalmente quando aguardam clientes em algumas das esquinas mais movimentadas da cidade. “Tenho amigas que ainda continuam na rua, mas eu já não faço isso com frequência”, informa a jovem que tinha como ponto um dos cruzamentos da Avenida Distrito Federal.

Com clientes fixos, que atende ocasionalmente, e perfis em mídias sociais como Tinder e Badoo, Sabrina não vê necessidade de tanta exposição nas ruas para conseguir dinheiro. “Estou há quatro anos nesta vida. Também fiz programas ao longo de quatro meses em Ponta Grossa [no Centro Oriental do Paraná] por indicação de amigas que me falaram muito bem de lá. Foi ótimo! Conheci várias meninas”, narra com tom de voz vibrante.

Quando não está trabalhando, Sabrina leva uma vida bem tranquila e caseira. Desinteressada em festas e baladas, prefere assistir TV, limpar a casa da mãe, conversar com familiares ou bater papo pelo Whatsapp. “Sim, penso em casar e ter filhos depois que estiver totalmente feita”, confidencia Sabrina que nasceu homem, porém nunca se sentiu como um.

Desde criança já gostava de “coisas de mulher”, só que por receio de sofrer com a homofobia se obrigava a reprimir seus anseios para atender convenções sociais. “Nunca me vi como homem e nunca gostei de nada de homem. Resolvi me assumir pra todo mundo no ano passado, com 19 anos. Estou lutando para ter o que não tenho, o que quero. Odeio a minha parte masculina”, desabafa.

O reconhecimento da identidade feminina veio acompanhado de uma cerimônia realizada pelas amigas da jovem. “A Alana que tem a mesma idade que eu me ajudou muito. Ela que me batizou com o nome de Sabrina. O batismo foi uma forma de simbolizar o carinho dela por mim, de dizer que sempre posso contar com ela”, enfatiza.

Se assumindo como transexual, a jovem começou na mesma época a pesquisar sobre terapia de reposição hormonal e cirurgia de redesignação sexual (CRS). “Nunca me vi como travesti e meu desejo é ser tratada como mulher. Para alcançar meu objetivo, comecei consumindo hormônios como Climene, Mesigyna e Perlutan. Ah! Estou feliz porque em fevereiro vou pra outra cidade aumentar meus seios”, comemora.

Sabrina também tem planos de fazer cirurgia plástica no nariz, com a intenção de afiná-lo e diminuí-lo, e concluir a cirurgia de mudança de sexo antes dos 25 anos. “Quem é trans não é feliz do jeito que nasceu e corre atrás do que quer. Eu mesma tenho certeza do que quero. Ainda não me sinto bem do jeito que sou. Não estou satisfeita”, confessa.

“Olha o veado! Olha o veado!”, grita ocasionalmente algum encrenqueiro em tom de deboche quando vê Sabrina. Ela simplesmente ignora – continua em silêncio e desvia o olhar. Sem se importar com a opinião alheia, desconsidera qualquer piada ou ofensa. “Até hoje o máximo que fizeram foi provocar, xingar e caçoar. Graças a Deus, ninguém foi além disso”, garante.

Por outro lado, na contramão da homofobia, a jovem passou por muitas situações que fazem da sua vida uma gratificante jornada, principalmente quando circula por algum lugar e as pessoas observam com bons olhos a sua transformação.

“Tem gente que faz você se sentir bonita só com o olhar. Recebo muitos elogios, e assim vou me sentindo uma garota mais realizada. Passei a maior parte da minha vida sem saber o que é ser desejada e isso mudou. Você se sente bem consigo mesma quando começa um relacionamento e vê que um cara gosta de você pelo que você é”, afirma sorrindo.

“Não sinto desejo por mulher”

Sabrina sempre teve o apoio da mãe que lidou muito bem com a situação quando soube da homossexualidade do filho – antes de se tornar transexual. “Ela só ficou muito preocupada com a parte de transgênero. Tinha medo da reação do povo, sabe? Como a sociedade iria reagir. Fui sincera e falei que era assim que me sentia bem e iria ser feliz. Então ela acabou entendendo. Hoje minha família me aceita como sou”, conta a jovem de Paranavaí, onde vive desde que nasceu.

O que endossa a identidade sexual de Sabrina é o fato de que ela nunca se interessou por mulheres. “Nunca aconteceu. Não sinto tesão, desejo ou atração. Não sinto nada por mulher. Sempre gostei de homem. Só que pra gente namorar é complicado. Não é fácil pra pessoa assumir isso e tive várias decepções, desentendimentos, mas a gente consegue levar”, pondera.

A jovem que se define como simpática, extrovertida e ao mesmo tempo estressada e casca grossa admite que hoje é mais reservada porque foi muito magoada. “Sou fácil de se lidar. Só não gosto mais de mostrar demais meus sentimentos. Me dou bem com todo mundo, nunca fui de briga. Não gosto disso. E não nego que às vezes me acho um pouquinho. Isso acontece porque gosto de me sentir bonita”, revela com uma voz bem feminina e descontraída, seguida por um riso efusivo.

Sobre homens, Sabrina diz que o mais importante é o jeito do cara. Ser educado, simpático e carinhoso está entre os predicados de maior relevância. “Não ligo muito pra sexo. A maioria dos homens liga. Acho que legal mesmo é o cara saber tratar uma pessoa. E claro que se ele te trata bem, ele vai ser bem tratado”, argumenta, numa referência incidental da ética da reciprocidade, também conhecida como regra de ouro.

Depois de abandonar o colégio no ensino médio, Sabrina pretende voltar a estudar em 2017. No entanto, reclama que os colégios de Paranavaí não estão preparados para receber jovens na mesma situação que ela. “Eles evitam falar disso nas escolas. O preconceito sempre existe. Nunca tive problemas porque sempre ignorei quem tentava me ofender. Seria bom ter algum tipo de orientação nesse sentido. Ser homossexual não é opção, não é nenhum bicho de sete cabeças. Você nasce assim e não pede mais do que compreensão e respeito”, defende.

Frases de Sabrina

“Há jovens de Paranavaí se prostituindo em muitas cidades e estados do Brasil”

“Para quem é travesti ou trans, a parte de apoio é muito difícil. Seria bom se isso mudasse”

“Acho que temos uma boa união entre transgêneros em Paranavaí. Nos vemos como iguais. Isso faz a gente se sentir mais segura”

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Written by David Arioch

December 27th, 2015 at 12:36 pm