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Entre saúde pública, privada e falta de empatia

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Quanto mais ela gritava, mais eu me sentia como se minha mente dilatasse

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“Falta de empatia, empatia, empatia…realmente…isso independe de classe social” (Arte: Reprodução)

Na quarta-feira, sentindo um estranho mal-estar, liguei para o médico. Ele estava de férias. Na dúvida, acabei indo ao Pronto Atendimento Municipal (PA). Na recepção, expliquei a minha situação. O recepcionista estranhou o fato de não existir meu nome no cadastro deles e perguntou de onde sou. Talvez a barba tenha ajudado a potencializar ainda mais a suspeita. Mas tudo bem. Informei que eu nunca tinha usado o SUS e que aquela era a primeira vez.

Enquanto eu aguardava atendimento, fiquei prestando atenção ao meu redor. Havia uma calmaria intrigante. Ao meu lado, um senhor que se esforçava para ajeitar os óculos agonizava, e, na minha análise superficial, ele parecia o que mais necessitava de ajuda. Ainda assim, sequer reclamava. Num ato de desassossego, uma garota logo atrás de mim, em companhia da mãe ou avó, começou a berrar que estava com dor, fazendo balbúrdia. Levantou-se, correu entre os assentos e apontou dedos.

A senhora que a acompanhava foi até a recepção e começou a ofender o recepcionista, exigindo atendimento imediato. Achei aquilo constrangedor, mas eu estava com um pouco de tontura e optei por não intervir. Posso estar fazendo um mau julgamento, mas considerei exagerada a atitude daquela jovem. A maioria continuava em silêncio, talvez inerte na própria dor, e o senhor prosseguia gemendo quase em sigilo.

Depois de passar pela enfermeira, ela sugeriu que eu retornasse para o meu assento e aguardasse atendimento médico. Acabei desistindo da segunda chamada, até porque mais pessoas chegavam e provavelmente precisavam de mais assistência do que eu. Então fui até a Santa Casa. Expliquei a minha situação na recepção, entreguei a carteirinha da Cassi e prestei atenção no ambiente.

Ar-condicionado, bons assentos, televisor de melhor qualidade, ambiente bem arejado com direito a banheiros impecavelmente limpos. Normal, a ordinária realidade de quem tem um bom plano de saúde ou condições de custear atendimento particular, sem necessidade de passar pelo PA. Enquanto eu aguardava a minha vez, uma mulher se aproximou e disse que queria se consultar com um clínico geral.

Após inúmeras reclamações, e muita paciência por parte da recepcionista, a mulher sentou ao meu lado. Falava incessantemente e não aguardou nem 20 minutos. Se levantou enraivecida. Gesticulou, balançando os braços adornados por belas joias, e gritou que não ficaria mais um segundo ali porque era um descaso muito grande ter que esperar tanto por atendimento. Assim como no PA, eu e outras pessoas ficamos em silêncio.

Quanto mais ela gritava, mais eu me sentia como se minha mente dilatasse e eu fosse submetido a um caleidoscópio de ressonâncias impessoais. Pelo que percebi por parte dela, o seu caso não era emergencial. Me recordei da moça e sua mãe ou avó que fizeram um pandemônio no PA. “Falta de empatia, empatia, empatia…realmente…isso independe de classe social”, concluí.

Written by David Arioch

January 8th, 2017 at 11:58 pm