David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Uma vez punk, sempre punk

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João Henrique Andrade, das noitadas de anarquia em João Pessoa para a advocacia no Noroeste do Paraná

Quem vê o advogado não imagina o seu amor pela cultura punk (Foto: Acervo Pessoal)

Quem vê o advogado, não imagina o seu amor pela cultura punk (Foto: Acervo Pessoal)

Nos anos 1980, João Henrique Andrade percorria as ruas de João Pessoa, na Paraíba, usando calças jeans rasgadas, jaqueta de couro com patches, rebites e frases, além do tradicional tênis converse ou coturno. “Andar com calça rasgada em 1986 tinha dois significados para a maioria da pessoas: você estava pedindo dinheiro ou era maluco. Então era difícil”, admite.

Integrante do movimento punk de João Pessoa, João Henrique, que começou a trabalhar com 13 anos, sempre marcava presença no Gueto, um lugar conhecido como o submundo da noitada punk. No local eram realizados muitos shows, discussões e estudos sobre anarquismo e ações do Grupo de Ação Libertária (GAL), aliado da Confederação Operária Brasileira (COB). Participante das panfletagens, Andrade era o vocalista e guitarrista da banda Mercenários da Anarquia (M.E.R.D.A.) que chegou a compor mais de 30 músicas até o final da década de 1980.

Naquele tempo, os eventos de punk-rock também chegavam ao centro, levando uma legião de anarquistas para o Teatro Lima Penante. “O público sempre lotava as festas punks em que tocávamos, até porque era um estilo de vida. Só não chegamos a gravar nada porque na época era muito caro e não tínhamos acesso a nenhum estúdio, uma realidade bem diferente da atual”, explica João Henrique, lembrando que a tecnologia era precária e os instrumentos musicais de boa qualidade eram praticamente inacessíveis.

Antes de formar a primeira banda, Andrade começou a fazer aulas de violão clássico. Entediado, agitado e motivado pelos ideais de contestação que conquistavam os jovens da época, decidiu comprar uma guitarra. “Eu queria fazer barulho. Então montei a M.E.R.D.A. em 1986 e escrevemos as canções ‘Ônibus” e ‘A Balada do Vagabundo’. Entendíamos pouca coisa de música, mas o nosso estilo não exigia mais que três ou quatro notas e uma boa batida. Era coisa simples e que ajudava a dar voz para as insatisfações da época”, enfatiza.

Amigo de Williard Fragoso, realizador do programa Jardim Elétrico, transmitido pela Rádio Universitária de João Pessoa, João Henrique conta que a programação era baseada em muito rock e também na divulgação das atividades e eventos do movimento punk. “O Jardim Elétrico deu a oportunidade para que muita gente conhecesse os grandes clássicos do gênero. Também estimulava e ajudava as bandas locais”, garante.

Com a camiseta dos Ramones, uma das bandas preferidas desde os anos 1980 (Foto: Acervo Pessoal)

Com a camiseta dos Ramones, uma das bandas preferidas desde os anos 1980 (Foto: Acervo Pessoal)

Quem levava informações e novidades sobre o que acontecia no cenário punk mundial eram os membros da banda Restos Mortais que viajavam com frequência para São Paulo. Outro destaque da época era a banda Disunidos que realizou três edições do show “União de Forças”. “A cena não vingou muito porque era difícil articular o movimento. Só que tínhamos muitos fanzines [revistas pequenas feitas pelos próprios fãs] e aquela coisa boa da sujeira, do selvagem, do bruto. Isso era legal! Lembro até hoje de Urubus Leprosos, uma banda que o pessoal curtia muito em João Pessoa. Eram punks que faziam releituras de músicas de Reginaldo Rossi, Odair José, entre outros”, relata.

No mesmo período, Andrade conheceu a banda de rock carioca Hojerizah que emplacou sucessos como “Que Horror” e “Pros Que Estão em Casa” e tinha como vocalista o célebre Toni Platão. “Outro dia conversei com o Clemente, dos Inocentes. Um cara muito pra frente. Comentei com ele sobre as Mercenárias, um grupo pós-punk que o Edgard Escandurra [do Ira!] produziu no início dos anos 1980. Elas estão coroas e continuam na ativa, cantando”, revela, sem deixar de mencionar que a banda punk Cólera, fundada em 1979 em São Paulo foi uma grande referência para os Mercenários da Anarquia.

Influenciado pelo livro “As Cinco Lições de Psicanálise”, de Sigmund Freud, João Henrique compôs músicas norteadas pelo conteúdo introspectivo e sonoridade psicodélica. “A base eram os níveis da personalidade humana, o estado de consciência e inconsciência que Freud divide em id, ego e superego”, confessa.

Em 1988, escreveu “Quarta-Feira Cinzenta” na quarta-feira de cinzas, música que integrou o repertório da segunda banda, a ID. “Tinha lido muito o apocalipse da Bíblia. Então sentei na cama com a minha velha Gianini branca e assim saiu a letra e a música numa pancada só. Chegamos a nos apresentar depois no Espaço Cultural José Lins do Rego e na Praça do Povo em João Pessoa”, narra.

João Henrique começou a cantar, tocar e compor há quase 30 anos (Foto: Amauri Martineli)

João Henrique começou a cantar, tocar e compor há quase 30 anos (Foto: Amauri Martineli)

Quando se mudou para o Paraná em 1991, Andrade se afastou um pouco da cultura punk para tocar em barzinhos. Em Cruzeiro do Sul, a pouco mais de 60 quilômetros de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, ajudou a reorganizar a banda MDC, nome extraído da música “Tu És o MDC da Minha Vida”, de Raul Seixas. “Parei de cantar minhas composições nessa época. Só retomei quando vim pra Paranavaí em 1997. Voltei a compor em frequência menor e me aproximando mais do pop, de algo ainda mais simples”, diz.

Em Paranavaí, João Henrique retomou os estudos e se casou com Luzimar Ciríaco Andrade. Por incentivo de um tio, e contrariando todas as expectativas, ingressou no curso de direito. “Eu queria ser jornalista e isso era o que todo mundo da minha família costumava achar que eu seria. Acabei me formando na área e comecei a advogar”, confidencia.

Embora seja reconhecido como músico, Andrade prefere se definir apenas como punk, numa perspectiva bem pessoal. Justifica que carrega na essência o apego ao minimalismo e ao improviso, sem se preocupar muito com técnica. “Embora eu toque outros estilos hoje, ainda gosto muito do punk. Acho que é o som mais extravasante que existe. Não é difícil de tocar e alegra bastante. Tenho muitas coisas na cabeça, então acho que consigo fazer um disco numa tarde”, reitera sorrindo.

Em parceria com a esposa Luzimar, João Henrique realiza shows beneficentes para ajudar pessoas doentes ou que estão enfrentando grandes crises financeiras. “Também fazemos parte do grupo ‘Doutores da Tapioca’, formado por advogados e amigos. Tudo que arrecadamos é doado”, assinala. Como palestrante, ministra cursos de oratória com duração de 15 a 20 horas, além de oficinas de empregabilidade para jovens que estão em busca do primeiro emprego.

“É um trabalho que fazemos de graça e com muito prazer para entidades que não visam lucro”, afirma. Atual presidente da Associação Negritude de Promoção da Igualdade Racial de Paranavaí (Anpir), João Henrique está se empenhando em firmar parcerias para a realização de oficinas de percussão na periferia de Paranavaí. O objetivo é ensinar crianças e adolescentes a produzirem e a tocarem os instrumentos.

O retorno ao punk-rock

Atualmente João Henrique Andrade tem uma grande parceria com o poeta e letrista João Zaia, de Prudentópolis, no sudeste paranaense, com quem já produziu mais de dez composições. “Hoje o que mais me inspira são as coisas do coração e da vida. O ódio generalizado, o poder da grande mídia e a mudança de temperamento das pessoas na internet também me estimulam a escrever e fazer o bem”, admite.

Atualmente o músico se apresenta com amigos (Foto: Acervo Pessoal)

Atualmente o músico se apresenta com amigos (Foto: Acervo Pessoal)

Andrade começou a gostar de música ouvindo Secos & Molhados e os britânicos do Queen. Mais tarde, quando conheceu a banda inglesa The Smiths se redescobriu musicalmente, principalmente pela complexidade lírica do pós-punk. “Aquele estilo deprê do Morrissey logo chamou a minha atenção. Foi a minha banda preferida por muito tempo. Também curti bastante O Terço, uma banda carioca das antigas que chamam de lado B, alternativo”, frisa e ressalta que até hoje curte clássicos do punk-rock como Sex Pistols, Dead Kennedys, Ramones, The Clash, Misfits e Black Flag.

Relembrando os velhos tempos, recentemente João Henrique localizou o radialista Williard que produzia o programa Jardim Elétrico em João Pessoa, na Paraíba. “Aquele cara que deu tanta força pro movimento punk continua trabalhando com música e também se tornou filósofo. Conversamos muito sobre aquele período”, destaca.

Com a experiência de quem vive em Paranavaí há 18 anos, avalia o movimento musical local como maravilhoso. “Temos o grande Festival de Música e Poesia de Paranavaí [Femup], além de um movimento em ascensão capitaneado pelo Hugo Ubaldo da banda Sub-Versão e o Quintal Mágico, projeto do multiartista Sérgio Torrente que abre espaço para músicas autorais. Outro ponto alto é o Estúdio Garagem, dos irmãos Bellanda. Temos muita coisa coletiva e legal”, argumenta.

Andrade planeja retomar um antigo projeto que é a formação de uma banda de punk-rock voltada para a sonoridade dos anos 1980 e com letras que abordam temas atuais. “Vou voltar a falar um pouco de id, ego e superego, conceitos da psicanálise. Na realidade, já estou abrindo um pouco de espaço para a autoralidade, tanto que nos shows que faço atualmente em barzinhos já incluo alguma música minha. É uma forma de abrir caminho para que os outros também façam isso”, justifica.

Homenagens e premiações no Femup

A primeira vez que João Henrique Andrade se inscreveu em um festival foi em 2003. Sem pretensão, enviou uma música com produção caseira para o Festival de Música e Poesia de Paranavaí (Femup), mas não se classificou. “Era só voz e violão. Não desisti e continuei compondo. Só que optei por voltar a concorrer só em 2013, quando entrei em estúdio para gravar a música ‘Pra Sempre Vou Te Amar’ em homenagem ao meu filho Bruno. Daí veio a minha primeira premiação”, lembra.

No ano seguinte, o músico foi premiado no Femup pela autoria de “Mandela”, um reggae que escreveu quando ainda morava em João Pessoa e ficou sabendo da soltura do sul-africano Nelson Mandela em 11 de fevereiro de 1990. “Tenho escrito mais músicas em homenagens aos familiares e amigos de antigamente. Também estou resgatando canções antigas que não gravei, como é o caso de ‘Quasar’ que fala um pouco do que vivi na Paraíba até 1992”, pontua. Na região de Paranavaí, João Henrique também conquistou muita popularidade após fundar e se apresentar muitas vezes com a banda Tio João.

Saiba Mais

João Henrique Andrade também tem formação em teatro pela Fundação José Lins do Rego, de João Pessoa, na Paraíba.

Clemente, da banda Os Inocentes, com quem João Henrique teve um breve contato, é um dos expoentes da cultura punk no Brasil e um dos principais membros da banda brasiliense Plebe Rude.

One Response to 'Uma vez punk, sempre punk'

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  1. J H PESSOA QUERIDA E TALENTOSA QUE ADMIRO MUITOOOOOOO…..

    MARINA FONSECA

    18 Jul 15 at 12:43 am

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