Beijos ao acaso
Durante um espetáculo no Teatro Municipal, sentei sozinho nas últimas poltronas, como de costume. Gosto do silêncio da plateia e da ampla perspectiva do palco. Assim que me levantei, esbarrei em uma moça. Era muito bonita. Me desculpei e ela perguntou se poderia sentar ao meu lado.
— Sim, fique à vontade.
Trocamos alguns olhares que se encontravam e outros que se desencontravam.
— Quer sair daqui? — ela perguntou.
— Como?
— Dar uns beijos…
— Onde?
— Lá fora.
— Pode ser. Vamos aí.
Ela sorriu, deu um puxão na minha barba e saiu na minha frente. Fui atrás dela e nos encontramos lá fora. Não havia ninguém além de nós. A praça não estava tão clara, mas uma luz amarelecida e vacilante iluminava nossas cabeças. Nos beijamos por alguns minutos, espreitando a movimentação.
— Vamos lá pra casa – ela disse.
— Será que é uma boa? Não nos conhecemos direito…
— É sim. Você vai gostar. Relaxa…
— Ok…
Chegando lá, encontramos a família toda na sala. Provavelmente 10 a 12 pessoas. Ela perguntou meu nome na frente do pai e da mãe. Respondi naturalmente enquanto coçava a barba.
— Você não é brasileiro, é? — perguntou o homem.
— Não…
— Sabia! Com essa cara…
— Hum…
— Vamos lá pra varanda — ela sugeriu.
Nos beijamos um pouco mais, até que começamos a nos estranhar. Depois de meia hora, os olhos dela não eram mais os mesmos. Àquela altura, percebi que não tínhamos nada em comum, a não ser tempo ocioso. Ela me observou e disse:
— Você é muito barbudo. A gente podia cortar um pouco. Vou pegar a tesoura.
— Que isso? De jeito nenhum!
— Olhe, meu amor, se quiser namorar tem que ser do meu jeito…
— Como assim namorar? Quem aqui está falando em namoro?
— Como não, seu filho da puta? Você acha que é bom demais pra mim? É isso?
— De jeito nenhum. Você é incrível. Acho apenas que não estamos namorando…
— Como? Gostou de beijar, não gostou? Agora tem que seguir o riscado.
—Que isso, moça! Que riscado? – questionei com o coração palpitando.
— Você acha que é assim?
— Nos conhecemos, sei lá, acho que não tem mais de 40, 45 minutos…
— Não interessa. Você aceitou conhecer meus pais. Eles estão de prova.
Subitamente, ela gritou e o velho apareceu segurando um facão. O imaginei vindo para cima de mim arrastando a lâmina no piso e saltando com o facão apontado para a minha garganta.
— Quer um pedaço de cana? Estou rachando agora — perguntou o homem.
— Não, senhor, mas muito obrigado pela gentileza — respondi tentando esconder o suor das mãos que tremulavam.
O velho piscou e voltou para dentro da casa sem dizer nada. Ela continuou furiosa.
Falei que era melhor eu ir embora.
— Amanhã você vem que horas me ver?
— Não moro aqui.
— Mas você volta, né?
— Volto sim.
— Sendo assim, vou confiar na sua palavra.
Por garantia, passei três meses escondido dentro de casa.
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