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Memórias de um Paranagoano

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Dedé é um desses pioneiros esquecidos pela história oficial, mas que contribuiu para a construção de um patrimônio

Dedé ajudou a construir o Terminal Rodoviário de Paranavaí (Foto: Leonardo Brito)

Dedé ajudou a construir o Terminal Rodoviário de Paranavaí (Foto: Leonardo Brito)

O autônomo José Jovino da Silva, conhecido como Dedé, de origem alagoana, abandonou o Nordeste e se radicou em Paranavaí em 1957. Aqui desempenhou muitas atividades, inclusive a de pedreiro na construção do Terminal Rodoviária Urbano, criado há mais de cinco décadas.

Dedé mudou-se para Paranavaí com o mesmo sonho de todos os migrantes e imigrantes: a oportunidade de uma vida melhor. Infelizmente, o objetivo pelo qual tanto lutou não foi alcançado, ou melhor, não da forma idealizada.

Mesmo assim, José Jovino admite, com calma e parcimônia, que nunca teve saudades da sua terra natal. “Saí de Alagoas com quatro anos, e do nordeste na adolescência, então me considero paranaense. Além disso, aqui se vive de forma mais digna, mais humana”, declara o autônomo que viveu na prática as agruras da seca nordestina retratada na obra “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos.

O sabor e o aroma da farofa de mandioca com jabá, Dedé ainda preserva na memória, como um elemento cultural catártico que por um instante anula as experiências trazidas pela fome e miséria durante a infância.  “Lembro também da sede que sentia depois de comer”, diz o autônomo franzindo a testa e desviando o olhar. Tímido, José Jovino ri com as mãos tapando parte do rosto.

A iguaria tipicamente nordestina foi o principal alimento de José e mais 12 familiares durante sete dias de viagem, quando saiu da Bahia rumo a São Paulo. “Isso foi em 1955. Tinha 30 pessoas no caminhão pau-de-arara. Uma parte da carroceria estava ocupada por coco baiano e a outra parte por fumo arapiraca dos grossos. Viemos em cima de tudo isso. Embaixo tinha só uma lona”, afirma.

Durante a viagem mais longa de sua vida, deixando para trás amigos e familiares, Dedé teve a primeira experiência com uma fatalidade. Quando o caminhão estava chegando a Aparecida do Norte, em São Paulo, um senhor que sofria de distúrbios psicológicos saltou do caminhão, naquele momento, trafegando em alta velocidade. “Ele morreu na hora. Nem deu tempo de levar até um hospital. É uma cena que nunca saiu da minha memória”, informa em tom reflexivo.

Caminhão pau-de-arara trouxe José Jovino a Paranavaí (Foto: Roberto Faria)

Caminhão pau-de-arara trouxe José Jovino a Paranavaí (Foto: Roberto Faria)

Como se revivesse o passado, os olhos de José Jovino cintilam ao relembrar o primeiro contato com a malha viária. “Só conheci o asfalto em 1955. Também me emocionei no dia 7 de setembro daquele ano, quando vimos um desfile na Avenida Paulista, em São Paulo. Fiquei surpreso com um movimento tão bonito. Como fomos criados no mato, até babei de emoção”, frisa Dedé sorrindo e corando as maçãs do rosto.

De São Paulo, José Jovino veio ao Paraná. À época, com apenas 17 anos. Já estava acostumado ao trabalho braçal desempenhado desde os 14. Quando chegou a Paranavaí, Dedé conseguiu um serviço de colono, se responsabilizando pela produção de sete mil pés de café.

“Não deu certo porque houve uma crise financeira muito feia. Mas ainda bem que iam começar a construir o Terminal Rodoviário Urbano e me deram trabalho. Fiquei lá até o fim da obra. Lembro que tinha mais de 40 pessoas trabalhando”, reitera.

O autônomo José Jovino da Silva, 70, com fala mansa, disperso em um passado de satisfações e desventuras, diz que não sabe precisar quantas atividades desempenhou. “Já fui de tudo um pouco, mas nada me tomou mais tempo que a lavoura”, conta Dedé estendendo os braços e mostrando as mãos calejadas pelo trabalho braçal.

“Me sinto como se não existisse”

Na atualidade, o maior objetivo do autônomo é conseguir todos os documentos necessários para se aposentar. Sem qualquer registro de identificação, Jovino sofre por estar com a saúde debilitada e, mesmo assim, ter de trabalhar para se sustentar.

“Perdi tudo há 40 anos. Nem me recordo mais como é ter uma carteira de identidade. Durante muito tempo tive pelo menos o registro de nascimento, mas a casa em que morava tinha fiação elétrica muito velha e pegou fogo. Fiquei sem nada. Agora estou correndo atrás de novos documentos”, lamenta lacrimejando.

O desconhecido pioneiro sonha com a aposentadoria, para então tornar-se barbeiro, atividade que segundo ele não exige tanto esforço físico. “Antes tenho de voltar a existir legalmente. Me sinto como se não existisse”, comenta.

Saiba Mais

José Jovino da Silva nasceu em 1940.