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O empacotador que virou ícone do rádio

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Armando Trindade se apaixonou pelo rádio na mocidade, um casamento que durou 47 anos

Armando Trindade começou a trajetória no rádio em 1957 (Foto: Acervo Familiar)

Armando Trindade começou a trajetória no rádio em 1957 (Foto: Acervo Familiar)

No limiar da adolescência, Armando Trindade Fonseca descobriu o amor pelo rádio. Foi discotecário, sonoplasta, apresentador de programas de auditório e jornalista esportivo e investigativo – a grande paixão do homem que dedicou 47 anos ao rádio. Em 2005, apenas a morte conseguiu interromper a trajetória do radialista que parecia carregar o coração no topo do microfone.

A história de Armando Trindade Fonseca com o rádio começou há mais de 50 anos, quando sua mãe era faxineira da Rádio Paranavaí. “Era julho de 1957, e eu tinha perdido o emprego como empacotador. Minha sorte foi que me convidaram para ser discotecário. Pouco tempo depois, me tornei sonoplasta. Era um trabalho difícil. Eu tinha 14 anos e precisava ficar atento ao locutor o tempo todo”, relatou emocionado.

Em três meses, Armando Trindade se tornou referência em sonoplastia. A facilidade em aprender e o amor precoce pela profissão o estimulava a chegar às 5h30 na Rádio Paranavaí. “Saia de lá só meia-noite. Isso porque exigiam pouco de mim. Curioso como eu era, quis aprender tudo, principalmente a trabalhar com programa de auditório. Ainda assim, continuava na discoteca e na sonoplastia, meu forte”, afirmou.

A primeira oportunidade de entrar no ar surgiu pouco tempo depois, em uma segunda-feira. Encarregado da sonoplastia de uma peça teatral radiofônica do autor Jackson Frazzoni, Fonseca foi convocado a substituir um ator que na última hora desistiu de participar. “O rapaz ficou com medo porque o papel dele era de uma bichinha. Então me chamaram e eu aceitei. Depois que acabou a peça começaram a me chamar de bichinha”, lembrou, às gargalhadas.

Em 1962, Fonseca foi chamado para substituir o apresentador Neideval Oliveira Guimarães que comandava um programa infantil. “Fiz isso durante 12 anos, sempre me espelhando em outros programas, como do César Alencar, da Rádio Nacional. Na época, eu gostava mais de trabalhar com as crianças. Com o tempo, adquiri gosto pelas notícias, independente do tema ou do assunto”, justificou.

Armando, que acompanhava a transmissão das rádios de São Paulo e do Rio de Janeiro, sempre ouvia reportagens policiais, mas tinha receio de trilhar tal caminho. “Um dia, em 1963, decidi pegar o gravador e fui atrás da notícia. Gostei do negócio, tanto que de 10 minutos para reportagens locais, aumentamos para 15. Com o tempo, consegui 25 minutos em produção local, deixando só 15 para notícias estaduais e nacionais. Virou um radiojornal diário, de segunda a sábado”, explicou.

Radialista entrevistando o atual senador Álvaro Dias

Fonseca entrevistando o ex-governador Álvaro Dias (Foto: Acervo Pessoal)

No auge da profissão, o radialista trabalhava em torno de 14 horas por dia. Não havia horário específico de entrada e saída na emissora. Sempre levantava às 5h e era questionado pela mãe. “Queria saber pra onde eu ia. Sempre respondia que quando quisesse me encontrar era só ligar na emissora. Comecei, aprendi e me estabeleci no rádio. É o que faço há 47 anos”, revelou com olhos marejados.

Mesmo com graves problemas renais, no último ano de vida, Armando Trindade Fonseca travava uma luta diária consigo mesmo para não se distanciar do rádio. Fazia hemodiálise às 4h30, três vezes por semana e, com dedicação e esforço inigualáveis, procurava notícias, lia jornais e ia para a emissora às 12h, encerrando o expediente às 14h. O radialista faleceu no dia 12 de julho de 2005 e marcou para sempre a história do rádio em Paranavaí, com um exemplo de perseverança tão raro que hoje em dia é mais fácil ser encontrado no cinema do que na realidade.

Radialista era ameaçado

O radialista Armando Trindade Fonseca foi ameaçado muitas vezes. Em 1980, Fonseca estava em uma reunião da Câmara de Vereadores, trabalhando para a Rádio Cultura, quando lhe disseram que havia uma pessoa lá fora, com um fuzil, o esperando para matá-lo. “Um rapaz da rádio disse que eu estava na Câmara. O indivíduo achou que ele estava mentindo e chutou a porta que acabou quebrando. Aí o sujeito passou pela minha casa e não tinha ninguém. Minha mulher estava no hospital porque tinha ganhado bebê”, lembrou.

Mesmo ciente da situação, Armando Trindade continuou agindo com naturalidade. “Saí na rua de peito aberto. Cheguei ao trabalho e coloquei a reportagem esportiva no ar. Em seguida, o telefone tocou. Quando atendi, era o indivíduo falando que iria me matar. Falei pra ele que quem quer matar não fala. Vem quietinho, mata e depois vai embora”, declarou. O radialista desligou o telefone e nunca mais foi perturbado pelo homem. “Houve muitas outras ameaças, de políticos mesmo, só que ninguém me intimidava não”, garantiu.

Auge das reportagens esportivas

Sem pestanejar, o radialista Armando Trindade Fonseca afirmou que o auge das reportagens esportivas em Paranavaí foi na década de 1970, quando a cidade tinha um grande time de futebol e os melhores jogos. “O Estádio Natal Francisco lotava. Lembro das arquibancadas de madeira como se fosse hoje. Eu corria pra lá e pra cá naquele sol quente para fazer a cobertura”, frisou.

Quando os jogos ocorriam em outras cidades, Armando Trindade sempre se apressava. Ia para Curitiba, Cambará, Jacarezinho, Santo Antônio da Platina, Londrina, Paranaguá e muitos outros municípios. “As cidades do Oeste do Paraná ainda não tinham times. Os clubes de Toledo, Cascavel, Pato Branco e Clevelândia surgiram bem mais tarde. Eu sempre viajava aos domingos quando os jogos eram fora. Saía de madrugada e voltava no dia seguinte por volta das quatro, cinco horas da manhã”, exemplifica. As transmissões eram feitas ao vivo, um trabalho complicado porque ainda não existiam as micro-ondas. “Era tudo linha física, o que fazia a transmissão atrasar alguns segundos, atrapalhando o locutor”, revelou o radialista.

Frases do radialista Armando Trindade Fonseca

Já fui ameaçado sim, mas quem ameaça não faz. Cão que ladra não morde.”

“Me recordo quando eu ficava atrás da casa brincando, pegava uma latinha e fazia de conta que era o microfone e que havia um auditório.”

“A gente sempre acha alguém que gosta de trabalhar com rádio. Na Rádio Cultura mesmo sempre teve uns três, quatro que trabalhavam porque gostavam. Mas é claro que tem aqueles que fazem porque querem aparecer.”

“Para alguns, o rádio é como se fosse uma obrigação. Para outros, o motivo são as meninas, principalmente porque no rádio dá mulher pra arrebentar. O cara começou a aparecer um pouquinho as mulheres invadem.”

“Programa de auditório era gostoso. Antigamente o público fazia muito barulho. O locutor pedia para fazer silêncio e gritavam mesmo assim. Daí havia essa briga, no bom sentido. Eu falava “silêncio” e o público gritava. Às vezes, vaiava. Era bem diferente do que eu queria, eles faziam exatamente o contrário, mas mesmo assim era muito agradável.”

“O jornalismo representa muito na minha vida. Tenho três filhas e nenhuma quis seguir o rádio, nem fazer jornalismo. Eu queria que pelo menos uma delas seguisse isso, mas nem a caçula quis. Ela escolheu fazer educação física, a do meio preferiu direito e a mais velha optou por biologia.”

Considerações

Em 2004, tive a oportunidade de entrevistar o radialista Armando Trindade Fonseca que, mesmo combalido por problemas de saúde, me relatou toda a sua trajetória em prol da cultura radiofônica local. A entrevista lapidada resultou no material acima que figura como uma homenagem póstuma.