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Balsas em extinção

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A balsa já foi um importante meio de ligação entre a região Sul e o Centro-Oeste 

A balsa, solitária, ainda percorre as águas do Rio Paraná (Foto: Reprodução)

A balsa, solitária, ainda percorre as águas do Rio Paraná (Foto: Reprodução)

No extremo Noroeste do Paraná, na divisa com o Mato Grosso do Sul, balsas que atravessam o Rio Paraná já tiveram fluxo diário de centenas de veículos. Nos últimos dez anos, isso mudou em função das pontes interestaduais. Hoje é comum ver no horizonte o solitário balseiro transportando apenas um automóvel, tendo como companhia o sol escaldante – referência do início e fim da jornada de trabalho.

Em meados de 1960, o grande número de pessoas que precisavam ir para o Mato Grosso do Sul ou vir ao Paraná estimulou a construção de dezenas de balsas. Um emblemático exemplo é a de Porto Caiuá/Felício, localizada a 33 km de Querência do Norte, inaugurada em 1963.  “Foi uma necessidade da época. O fluxo até Naviraí, no Mato Grosso do Sul, era muito grande”, conta o empresário Veigui Bérgamo.

Os ribeirinhos foram os primeiros a se engajar na atividade. Viajavam até Guaíra, no Oeste do Paraná, onde recebiam, por parte da Marinha, qualificação profissional. Todas as despesas eram custeadas pelos donos de balsas. “Sempre demos oportunidade para gente daqui, nunca alguém de fora. É desse jeito há mais de 40 anos”, destaca o empresário.

Na década de 1960, a balsa já garantia o intercâmbio entre o Sul e o Centro-Oeste (Foto: Reprodução)

Na década de 1960, a balsa já garantia o intercâmbio entre o Sul e o Centro-Oeste (Foto: Reprodução)

No princípio, investia-se muito no transporte fluvial, e tudo era proporcional aos lucros, tanto que durante décadas os donos de balsas foram responsáveis pela manutenção das principais vias de acesso aos portos. “Se a estrada estivesse ruim, a pessoa desistiria, então mantê-la em bom estado era o único meio de garantirmos a freguesia”, revela Bérgamo.

Há 10 anos, havia duas balsas em funcionamento no Porto Caiuá/Felício, tempo em que pelo menos 200 veículos por dia usavam o transporte fluvial. “Quando tinha uma no Mato Grosso do Sul, a outra estava deste lado, aqui no Paraná”, lembra Bérgamo, se referindo a um período em que os funcionários da balsa se revezavam ao longo de 24 horas. O serviço nunca parava, em respeito à demanda.

Hoje em dia, o trabalho começa às 6h e termina às 22h. “Quem chega aqui de madrugada encontra a balsa desativada”, conta o marinheiro de convés Robson Mendes Barbosa. A justificativa é que muitos motoristas preferem usar a Ponte Ayrton Senna, em Guaíra, e as cinco pontes do complexo de Porto Camargo.

Grande fluxo de veículos no final da década de 1990 (Foto: Reprodução)

Grande fluxo de veículos no final da década de 1990 (Foto: Reprodução)

“É difícil acreditar que já passou tanta gente por aqui. Como balseiro, conheci viajantes de Paranavaí, Umuarama, Maringá, Campo Mourão, Londrina, Cascavel, Curitiba, Presidente Prudente, Araçatuba, São Paulo, Campo Grande, Cuiabá e muitas outras cidades”, reitera o contra-mestre Cirço Sedano Silva.

Na atualidade, o transporte fluvial normalmente é usado apenas por pessoas da região noroeste. Entretanto, o contra-mestre percebe uma pequena mudança durante os feriados. “No mais, é normal atravessar apenas um veículo. Ainda estamos aqui por causa da fé. Restam poucas balsas na ativa. Acho que é o fim da profissão”, avalia.

Entre os poucos que ainda preferem a balsa, a justificativa é uma só – a praticidade do serviço. De acordo com Veigui Bérgamo, há proprietários de terras na região que se não fosse pelo transporte fluvial teriam de dirigir por mais de 200 quilômetros. “Com a balsa, percorremos 2,5 quilômetros em 15 minutos e o problema está resolvido”, finaliza.

Empresário ainda tem esperanças

As despesas com o transporte fluvial, que não são poucas, segundo o empresário Veigui Bérgamo, deveriam ser subsidiadas com a rentabilidade obtida nas travessias da balsa. “Na prática, isso não acontece. Se não fosse pelas minhas outras atividades econômicas, teria parado faz tempo. Gastamos aproximadamente dois mil litros de óleo diesel por mês. Além disso, temos despesas com funcionários e manutenção”, destaca.

Entretanto, Bérgamo diz ter esperança de que no futuro a situação melhore e o transporte fluvial não precise ser desativado. Faz um apelo para que o governo do Paraná contribua, se responsabilizando pela manutenção de uma rodovia. “A Jorge Baggio é a única estrada paranaense que liga Querência do Norte ao porto. Se for bem cuidada, acredito que poderemos atrair mais viajantes”, pondera.

Origem ribeirinha é trunfo na profissão de balseiro

Na infância, Cirço Sedano Silva brincava sobre um bote, fazendo de conta que era piloto de balsa. A criatividade era estimulada pelas experiências relatadas por três tios balseiros. Aos 19 anos, conseguiu o primeiro emprego com transporte fluvial, um cargo de cobrador na balsa do Porto Caiuá/Felício.

“A gente se divertia muito. Havia pelo menos quinze pessoas trabalhando em cada balsa”, relembra o contra-mestre sorrindo. Com o passar do tempo, o número de empregados caiu para 12 e depois para nove. “Hoje, são cinco, mas nos dividimos em três turnos. Agora é normal trabalhar sozinho”, afirma.

O fato de Cirço ser um ribeirinho é um trunfo na profissão de contra-mestre. Ninguém conhece melhor o Rio Paraná do que alguém criado diante de sua imensidão. “Sei onde estão todos os bancos de areia. Sendo assim, tenho o compromisso de desviar deles. Já o marinheiro de convés tem que ficar esperto e controlar o peso da balsa, distribuindo bem os veículos”, revela. Sedano sente falta de quanto trabalhava à noite. Antes de completar a travessia, via do outro lado um sem número de faróis piscando – um sinal de que o aguardavam.

Saiba Mais

Em caso de acidente, o contra-mestre entra em contato com o rebocador que chega ao local em 15 minutos.

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