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Uma situação que diz muito sobre a nossa política
Depois de ler uma matéria sobre o secretário estadual acusado de ter mantido dois funcionários fantasmas em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) em 2014, quando atuava como deputado estadual, lembrei de uma história que um amigo me contou há algum tempo.
A sua prima foi convidada para trabalhar como assessora de um deputado na Alep, só que o que ela não imaginava era que 50% do seu salário teria de ser entregue ao deputado, provavelmente para o “caixinha” da próxima campanha ou talvez para ajudar a financiar o partido.
Constrangida com a situação e também em ser conivente com tal improbidade, ela optou por pedir exoneração do cargo. Não tenho dúvida alguma de que a prática seja muito comum. O problema é que não há tantas notícias sobre o assunto porque muitos ainda são coniventes. Enfim, uma lástima que endossa o fato de que há muita gente capaz de abrir mão da honra e da dignidade por causa de dinheiro.
O Quarto Poder, ficção social sobre as mazelas da grande mídia
Controverso filme de Costa-Gravas continua tão atual quanto em 1997, quando foi lançado
Lançado em 1997, Mad City, que no Brasil recebeu o nome de O Quarto Poder, é um dos filmes de ficção social mais populares e controversos do cineasta grego Costa-Gravas. A obra aborda o poder que a mídia tem de manipular e sobrepujar o público, tendo como referencial um jornalista inescrupuloso que não mede esforços para recuperar o seu antigo espaço em uma grande rede de TV.
No filme, o repórter Max Brackett (Dustin Hoffman) é o exemplo de jornalista que recorre a todos os subterfúgios viáveis e inviáveis para garantir uma matéria “quente”. Ele usa como bode expiatório o ingênuo e desorientado Sam Baily (John Travolta) que num rompante, ao saber que foi demitido, ameaça com uma espingarda a diretora do museu onde trabalhava.
Após o disparo acidental com a arma, Baily é considerado um sequestrador, em um episódio nunca imaginado pelo próprio segurança. Encarando a situação como o deus ex machina de sua carreira, Brackett começa a influenciar as ações de Sam que jamais cometeu um crime. Preocupado com o desenrolar da ação, Max sugere que Baily crie uma lista de exigências. Do contrário, jamais será levado a sério pela polícia ou pela mídia.
Se até então seu objetivo era reaver o antigo emprego, a insistência de Max faz com que Sam mude o discurso sem perceber que está atuando como coadjuvante de um espetáculo em que o verdadeiro showman é o jornalista. A própria história de Sam é reescrita por Max. Ele se torna a ponte de comunicação de Baily com o mundo externo.
Quem são seus familiares e amigos, como ele vivia, o motivo do crime e as exigências – todas as respostas a essas perguntas são arquitetadas pelo repórter. Mestre na arte de manipular espectadores, na primeira parte do filme Max eleva Sam à condição de herói para depois transformá-lo em vilão – um terrorista desequilibrado.
Brinca com o poder ao induzir a opinião pública, mostrando que é capaz de fazer qualquer um amar ou odiar aquele homem que sob sua influência transforma crianças em reféns dentro de um museu. Max joga com todos, até mesmo com a diretora da instituição, dizendo que ela deveria agradecer a Sam pelo que ele fez, já que o sequestro está tornando o museu um espaço nacionalmente famoso, prestes a entrar para a história dos Estados Unidos.
Baily se torna tão dependente de Brackett que é o repórter quem define o que o segurança deve dizer ao chefe de polícia. Crente de que o jornalista é seu amigo, Sam não tem a mínima ideia de que Max usa a ilha de edição móvel para editar todos os depoimentos positivos coletados a seu respeito, preservando apenas os negativos. Para realçar ainda mais a vilania do personagem, Max veicula fragmentos desfavoráveis de entrevistados que nunca conheceram Sam Baily.
É axiomática a forma como Max é um perito na arte de persuadir pessoas a pensarem o que ele quer. Outro exemplo é a cena em que o repórter diz que o amigo de Sam baleado acidentalmente está ganhando muito dinheiro ao dar entrevistas sobre o suposto sequestrador. Se aproveitando do fato de que Baily está desempregado, Brackett já imaginava que o segurança ficaria sobressaltado com a notícia.
A verdade é que a vida de Sam pouco importa, tanto que dois jornalistas de uma mesma emissora digladiam pelo direito de ficarem ao lado do sequestrador quando a ação ganha repercussão nacional. A preocupação maior dos repórteres envolve estritamente promoções, bônus e status.
Outro ponto destacável é o momento em que o repórter se aproxima do chefe de polícia e pede autorização para a emissora entrar com o equipamento no museu para entrevistar Baily, oferecendo como compensação uma propaganda com viés político que pode tornar o chefe de polícia a autoridade de maior evidência nos Estados Unidos. Em síntese, Mad City prova que o quarto poder se confunde ao primeiro poder, já que a mídia pode ser mais poderosa que o governo e a própria polícia.