David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Por que não precisamos e não devemos consumir leite

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Walter Willett: “Seres humanos não têm nenhuma necessidade de consumir leite de origem animal”

Leite de outros animais não é um alimento essencial para os seres humanos

Leite é um alimento produzido por mamíferos para alimentar seus bebês. Realmente seres humanos dependem do leite, mas somente até o momento em que seu sistema digestivo se adapte a uma alimentação sólida. Nesse período, não é necessário mais do que o leite materno. Depois que passam a se alimentar de sólidos, os animais não têm necessidade de consumir leite. Porém, como esse consumo há muito tempo se tornou um hábito, e muitas vezes mais associado ao paladar do que à saúde, muitas pessoas não veem motivo para parar.

Quando você não consome leite, não é raro alguém em estranhar e perguntar quais são suas fontes de cálcio, vitamina D, riboflavina e outros nutrientes. Isso é uma reação cultural, porque vivemos imersos em uma realidade onde o consumo de laticínios é tão apregoado como essencial que é difícil para tanta gente assimilar o fato de que não precisamos de leite para obter esses nutrientes.

A verdade é que há muitas opções saudáveis para se obter, por exemplo, o cálcio. Podemos citar couve, acelga, chicória, espinafre, mostarda, folha de brócolis, rúcula, agrião, alface, salsa, aveia, feijão-branco, brócolis, laranja, gergelim, linhaça, lentilha, agrião, batata-doce, amêndoas, beterraba e mamão, entre outras frutas, verduras, oleaginosas, sementes e grãos. Além disso, banana e laranja são melhores fontes de potássio do que o leite, caso alguém o apresente como importante fonte desse micronutriente. Como fontes de fósforo, também há alimentos mais saudáveis –  como aveia, feijão, sementes de abóbora, e amendoim. Ou seja, tudo isso endossa o fato de que o leite não é essencial.

É importante considerar que para o cálcio chegar aos ossos, é necessário manter uma boa ingestão de vitamina C, vitamina K, vitamina D3, potássio e magnésio. Em síntese, uma boa combinação de vegetais supre facilmente essa necessidade, segundo a médica e pesquisadora Rosane Oliveira, professora do Departamento de Saúde Pública da Escola de Medicina da Universidade da Califórnia. Fato que também merece atenção é que o excesso de cálcio consumido a partir do leite pode contribuir para a baixa absorção de ferro. Isso se aplica também à caseína e à proteína do soro do leite. Outro problema é que o excesso de sódio, proteína animal, álcool e cafeína favorecem o roubo de cálcio dos ossos.

Rosane Oliveira observou que quando consumimos 415 miligramas de cálcio por dia, nossos intestinos se tornam mais eficientes na absorção do cálcio. Assim, nossos rins são preservados por mais tempo. Caso o excesso de cálcio não seja eliminado do nosso organismo, ele é depositado no coração, rins, músculos e pele, nos tornando vulneráveis às doenças; e isso pode ser desencadeado pelo consumo de leite.

“Uma dieta rica em proteína animal tem uma alta taxa de excreção de cálcio, o que significa que você é forçado a consumir mais cálcio para compensar essa excreção. Ao seguir uma dieta baseada em vegetais, que também é baixa em sódio e cafeína, as taxas de excreção de cálcio diminuem. Sendo assim, a ingestão de cálcio baseada em plantas pode ser muito menor”, escreveu Rosane, que é doutora em nutrição, no artigo “Getting clarity about calcium”, publicado em maio de 2015 no site Forks Over Knives.

É importante entender também que, assim como o ferro, o magnésio e o cobre, o cálcio é um mineral que pode ser encontrado no solo, onde é absorvido pelas raízes das plantas. Isso significa que os animais, por exemplo o gado, obtêm cálcio consumindo essas plantas ricas em cálcio. Mesmo que tenhamos sido condicionados a crer que o cálcio provém naturalmente do leite e de seus derivados, isso não é verdade, já que os animais são fontes intermediárias. Ou seja, as fontes originais de cálcio são as plantas.

De acordo com o médico e pesquisador estadunidense Neal Barnard, fundador do Comitê Para a Medicina Responsável (PCRM), não há motivo para que os seres humanos consumam leite de vaca. “Há muitas razões para evitá-lo. […] Um elevado risco de incidência de câncer de próstata e mortalidade tem sido associado ao consumo de leite e pode desencadear câncer de ovário. Cálcio é um nutriente necessário, mas podemos facilmente obter o suficiente a partir de alimentos vegetais. Em vez de prejudicar nossa saúde com o leite de vaca, esses alimentos vegetais fortalecem o nosso sistema imunológico e nos ajudam a evitar graves doenças”, escreveu no artigo “Cow’s milk is unnecessary and even harmful”, publicado em janeiro de 2013.

Os Estados Unidos são um dos maiores consumidores de laticínios do mundo, e ainda assim um dos países com maiores índices de fraturas de ossos. Ou seja, o consumo de leite não garante que ninguém sofra de problemas ósseos. Por outro lado, fraturas ósseas são menos comuns em países que não têm uma cultura de alto consumo de laticínios. Nos Estados Unidos, de acordo com a International Osteoporosis Foundation (IOF), osteoporose e diminuição da massa óssea atingem 44 milhões homens e mulheres com idade igual ou superior a 50 anos. No Brasil, onde o consumo per capita é de 156 litros por ano, 10 milhões de pessoas, aproximadamente uma pessoa a cada 17, tem osteoporose.

O estudo “Milk intake and risk of mortality and fractures in women and men: cohort studies”, publicado pelo British Medical Journal em outubro de 2014, mostrou que pessoas que consumiram grandes quantidades de cálcio através do leite não tiveram redução em fraturas ósseas nem evitaram osteoporose. Na verdade, aqueles que consumiram altas quantidades de cálcio (mais de 1,1 mil miligramas por dia) apresentaram os maiores índices de fraturas de quadril e osteoporose em comparação a quem consumiu bem menos cálcio.

As pesquisas foram realizadas com mais de 61 mil mulheres e mais de 45 mil homens suecos ao longo de mais de 20 anos. A conclusão foi a de que não há nenhum benefício em consumir mais do que 700 miligramas de cálcio por dia para a saúde óssea. Também é importante ponderar que as populações do Norte da Europa são consideradas as que melhor se adaptaram ao consumo de laticínios no decorrer da história da humanidade.

Porém, o que reforça a defesa de que o leite não é um alimento realmente tão benéfico mesmo para a saúde dessas populações, que aparentemente têm menos dificuldade em digeri-lo, é o fato de que, no decorrer da pesquisa, mais de 17 mil mulheres suecas e mais de 5 mil homens que consumiam leite diariamente tiveram graves problemas de fraturas ósseas. Além disso, das pessoas que participaram da pesquisa, mais de 15 mil mulheres e mais de 10 mil homens já falecidos tiveram suas mortes associadas ao consumo de laticínios.

“Seres humanos não têm nenhuma necessidade de consumir leite de origem animal, uma evolutiva e recente adição à dieta”, escreveu Walter Willett e David Ludwig, do Boston Children’s Hospital, no artigo “Three Daily Servings of Reduced-Fat Milk – An Evidence-Based Recommendation?”, publicado no jornal JAMA Pediatrics em setembro de 2013, que refuta a necessidade de seres humanos consumirem leite e ainda aponta as consequências do excesso de laticínios.

Willett, que é médico e tem doutorado em saúde pública, é professor de nutrição e epidemiologia da Harvard T.H. Chan School of Public Health, professor de medicina da Harvard Medical School e chairman do Departamento de Nutrição da Universidade Harvard. Por suas contribuições à área da nutrição, o jornal The Boston Globe afirmou que, considerando a importância do seu trabalho, ele é um dos nutricionistas mais influentes do mundo na atualidade.

Walter Willett também publicou um estudo em que relacionou o consumo de carne, principalmente a processada, ao risco de morte precoce, levando em conta a facilidade com que a gordura trans é capaz de obstruir artérias. Também respeitado e prestigiado, David Ludwig, o co-autor da pesquisa sobre laticínios, trabalha em um dos maiores e mais bem-sucedidos projetos de tratamento de crianças obesas dos Estados Unidos, realizado no Boston Children’s Hospital.

No periódico JAMA Pediatrics, Walter Willett e seus colegas da Universidade Harvard revelaram os resultados de uma pesquisa com 96 mil homens e mulheres ao longo de décadas. Intitulado “Milk consumption during teenage years and risk of hip fractures in older adults”, o estudo divulgado em janeiro de 2014 mostrou que o alto consumo de leite na adolescência não ajuda a prevenir fraturas quando as pessoas ficam mais velhas. “O alto consumo de lácteos também tem sido associado a um risco aumentado de câncer no final da vida, incluindo câncer de mama e câncer colorretal”, alertou.

Após as evidências dos estudos sobre o consumo de leite, Willett e Ludwig criticaram o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos e a Academia Americana de Pediatria por incentivarem o consumo de três xícaras de leite por dia. Eles reprovaram inclusive o consumo de leite desnatado. David Ludwig destacou que o fato do leite conter baixo teor de gordura não faz dele um alimento a ser recomendado como parte da dieta alimentar padrão.

“Seguimos a recomendação de beber leite por tanto tempo que poucos de nós param para considerar o quanto é pouco natural o consumo de leite”, enfatizou Joe Keon, doutor em nutrição e autor do livro “Whitewash”, no artigo “Do You Need Milk?”, de Catherine Guthrie, publicado na revista de saúde Experience Life em abril de 2014.

Michael Greger: “Leite é um alimento saudável para bezerros”

Para o médico Michael Greger, especialista em nutrição e fundador do site NutritionFacts.org, leite é um alimento saudável para bezerros, para filhotes de vaca. “Por que o leite é associado com o aumento de risco de câncer de próstata? Leite é um coquetel de hormônios do crescimento que faz com que um pequeno animal bovino ganhe algumas centenas de quilos em poucos meses. Então ele é desenvolvido como um alimento para o crescimento rápido, o que é ótimo se você é um bezerro, mas se você é um humano adulto esse excesso de hormônios do crescimento não é uma coisa boa”, declarou em entrevista registrada no documentário “Food Choices”, lançado em 2016 por Michal Siewierski.

Conforme informações do artigo “Hormones in Dairy Foods and Their Impact on Public Health – A Narrative Review Article”, publicado pelo Iranian Journal of Public Health e pela Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos em junho de 2015, os hormônios esteroides são compostos muito potentes em alimentos lácteos, e exercem profundos efeitos biológicos em animais e humanos. “A maioria dos conhecimentos anteriores sobre os esteroides está de acordo com suas concentrações fisiológicas, e às vezes supra-fisiológicas de esteroides, mas recentemente descobriu-se que esses compostos, mesmo em doses muito baixas, podem ter efeitos biológicos significativos. Deve ser dada atenção especial aos efeitos, que podem ocorrer durante determinados momentos sensíveis, como períodos perinatais e puberais”, ressalta a pesquisa.

No artigo “As doenças relacionadas ao consumo de leite de vaca”, publicado pela Food Med em 5 de agosto de 2015, a autora Pamela Blumer explica que, no final dos anos 1980, e visando o aumento da produção de leite, a multinacional Monsanto desenvolveu o hormônio somatropina bovina recombinante: “Nos adultos, isso pode promover o crescimento anormal das células e levar a alguns tipos de câncer, como de mama e gastrointestinal.” Para reforçar essa afirmação, ela cita o estudo sueco “Milk intake and risk of mortality and fractures in women and men: cohort studies”, mencionado anteriormente.

Outro ponto agravante, segundo Pamela Blumer, é que o uso de somatropina bovina recombinante causa sofrimento aos animais, já que tem como efeitos colaterais febre, falta de apetite, desenvolvimento anormal de membros, mastite (inflamação das glândulas mamárias), distúrbios reprodutivos, entre outras doenças que podem levar o animal à morte.

Leite de vaca traz pus em sua composição

Uma informação pouco divulgada também é que o leite de vaca, principalmente o industrializado, traz células somáticas, conhecidas como pus, em sua composição. Isso é uma consequência de inflamações e doenças que atingem o gado leiteiro, como a mastite. No Brasil, a oferta de leite com pus é regulamentada pelo governo por meio da Instrução Normativa nº51, de 2002, que permite que cada mililitro de leite contenha até 600 mil células somáticas (pus). Ou seja, os consumidores estão sempre sujeitos a consumirem secreções decorrentes de infecções bacterianas extracelulares. Enfim, algo proveniente do mal-estar ou de alguma doença que atinge esses animais.

Descrevo laticínios como carne líquida. Basicamente, como a carne vermelha, tem alto teor de gordura, colesterol e nada de fibras. Na verdade, pode ser pior do que a carne vermelha. A caseína que usam para dar liga no queijo é cheia de química. E são químicos tão viciantes que se assemelham à heroína [nesse aspecto], pois não temos quatro estômagos como os bezerros [para metabolizá-la corretamente]. E infelizmente o leite está em tudo”, lamentou a escritora de literatura wellness Karyn Calabrese em registro no documentário “Food Choices”, de 2016.

De acordo com a doutora em nutrição Pamela A. Popper, fundadora do Fórum Wellness, uma das coisas mais difíceis para as pessoas abandonarem são os laticínios, e exatamente porque estabelecem uma nociva relação de dependência com esses alimentos. “Tomar controle da sua saúde é olhar para as informações e fazer escolhas conscientes”, comentou.

O médico especialista em nutrição e autor do livro “The Starch Solution”, John McDougall e o bioquímico e doutor em nutrição T. Colin Campbell, que estudou as implicações do consumo de alimentos de origem animal por 20 anos e publicou o best-seller “The China Study” em 2005, defendem há muito tempo que existe um mito sobre a necessidade do consumo de leite, e esse tipo de consciência é o que motiva a indústria de laticínios. Afinal, se as pessoas não acreditarem que o consumo de leite é benéfico, elas deixarão de comprá-lo.

Saiba Mais

No estudo “Comparison of Nutritional Quality of the Vegan, Vegetarian, Semi-Vegetarian, Pesco-Vegetarian and Omnivorous Diet”, publicado em 2014 na Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos, foi avaliada a densidade mineral óssea de veganos e onívoros. Os resultados surpreenderam porque mostraram que mesmo veganos com uma ingestão bastante reduzida de cálcio e proteína apresentaram um bom nível de densidade óssea.

De acordo com o Comitê para Medicina Responsável dos Estados Unidos (PCRM), 75% da população mundial sofre de alguma disfunção no processo de digestão de laticínios. Ou seja, alactasia (não possui enzimas lactase), diminuição enzimática secundária ou diminuição gradativa de lactase. O que significa que esse é o percentual de pessoas do mundo todo que têm dificuldade de digerir corretamente e naturalmente, logo sem o uso de enzimas artificiais, o leite e outros produtos baseados em laticínios.

Referências

Getting Clarity About Calcium

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3967195/

http://thekindlife.com/blog/2013/01/why-milk-is-harmful-by-dr-neal-barnard/

http://www.bmj.com/content/349/bmj.g6015

http://jamanetwork.com/journals/jamapediatrics/article-abstract/1704826

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24247817

https://experiencelife.com/article/do-you-need-milk/

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4524299/

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-09352008000100003

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3967195/

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-204X2006000100021

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-35982007000200010

http://www.scielo.br/pdf/cab/v17n4/1809-6891-cab-17-04-0534.pdf

https://www.statista.com/statistics/263955/consumption-of-milk-worldwide-since-2001/

http://www.pcrm.org/health/diets/vegdiets/what-is-lactose-intolerance

Food Choices, Michal Siewierski (2016).

As doenças relacionadas ao consumo do leite de vaca

 

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Written by David Arioch

August 21st, 2017 at 4:38 pm

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