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Médico e pesquisador discorda da afirmação de que o ser humano não teria evoluído sem o consumo de carne
“O problema da teoria da dieta paleo é que no passado não existiu especificamente uma dieta paleo”
Quando se fala em consumo de carne, os defensores sempre alegam que o ser humano jamais teria evoluído se não fosse pela ingestão de carne. Alguns dizem inclusive que nossas capacidades neurológicas não seriam as mesmas sem esse hábito de nossos antepassados. Porém, há quem discorde e se empenhe em provar como essa linha de raciocínio é equivocada.
Um exemplo é o médico estadunidense e pesquisador Shivam Joshi, doutor em nefrologia, que está escrevendo um livro sobre os efeitos do consumo de carne na saúde humana e sua associação com pressão alta, doenças cardíacas, câncer, diabetes e acidente vascular cerebral (AVC).
Na obra, ele aborda também importantes aspectos da evolução humana, entre os quais o possível equívoco de quem acredita que jamais teríamos evoluído sem o consumo de carne. “Durante a evolução, humanos e seus ancestrais comeram carne, e algumas pessoas têm usado esse precedente histórico como evidência para legitimar o consumo de carne. A ideia tem sido popularizada em muitas dietas baseadas em gorduras, incluindo a notável dieta paleo”, conta.
E defensores dessas dietas costumam alegar que como os nossos ancestrais paleolíticos tinham um estilo de vida natural, isso significa que deveríamos seguir seu exemplo, já que comer carne era uma prática usual no período paleolítico. “Desde que comemos carne, devemos comer carne, segundo eles”, declara Joshi.
Porém, há lacunas nesse tipo de teoria que tenta simplificar a realidade humana da época ao defender que estamos apenas fazendo algo lógico ao seguir os supostos passos de nossos ancestrais. Para o médico, o primeiro problema da teoria da dieta paleo é que no passado não existiu especificamente uma dieta paleo.
“Como nossos predecessores deixaram a África, eles provavelmente encontraram diferentes climas e terrenos, cada um oferecendo recursos diferentes para os homininos [subtribo de primatas que teve os humanos como únicos sobreviventes] durante a evolução”, enfatiza o médico.
Joshi se baseia no fato de que antropólogos descobriram que havia os mais diferentes tipos de dietas no período paleolítico, e a carne foi introduzida em parte dessas dietas, sem que fosse encarada como essencial ou mesmo um modelo a ser seguido.
“Alguns podem ter consumido carne, enquanto outros consumiram frutas, tubérculos. Os homininos mais evoluídos comiam o que estivesse disponível. Comer para sobreviver é diferente de jantar pensando em saúde em longo prazo. A diferença pode ser percebida quando arriscamos a saúde em longo prazo em benefício da saúde em curto prazo”, analisa.
Para ilustrar a ideia de que o ser humano não consumia carne por opção ou prazer, Joshi conta uma história hipotética em que alguém é mantido preso dentro de uma loja de doces, sem possibilidade de fuga. Nesse caso, a pessoa seria obrigada a aceitar suas reduzidas opções para sobreviver.
“Se a sua sobrevivência dependesse disso, e assumindo que não havia mais nada para comer, você comeria doces, apesar de todo o açúcar que pode aumentar o risco de diabetes. Qualquer um sacrificaria sua saúde em longo prazo para sobreviver em um cenário desse tipo”, pondera.
O ser humano foi obrigado a se adaptar à sua realidade, levando em conta mudanças nos padrões climáticos e biomas, especialmente quando deixou a África, observa Shivam Joshi. “Fontes de alimentos teriam mudado e forçado os homininos a comer o que encontravam pela frente. Em algumas situações, teria sido carne. Em outras, grãos ou tubérculos. Claro, nossos ancestrais não tinham ideia de quais efeitos essa alimentação teria em longo prazo”, frisa.
A única necessidade humana da época era a sobrevivência; fazer o que está ao seu alcance para evitar a fome – o que poderia se tornar um grande problema dependendo do surgimento de doenças, exploração indiscriminada de uma área e até mesmo mudança de clima.
“Encontrar alimentos não era fácil como agora. Se eles tivessem encontrado doces na savana, teriam consumido também. A falta de dependência de qualquer comida específica é provavelmente a razão pela qual não há adaptações específicas a nenhum desses alimentos, incluindo a carne”, pontua o pesquisador, lembrando que os seres humanos vêm de uma linhagem de 40 milhões de anos.
De acordo com Joshi, quando comparamos o nosso trato digestivo com o dos chimpanzés, encontramos similaridades que jamais teremos com animais naturalmente carnívoros, como tigres. A morfologia dental e intestinal dos seres humanos assemelha-se mais a dos primatas do que dos grandes felinos, o que é uma razão pela qual o médico crê que o consumo de carne pode não fazer bem aos seres humanos.
Uma questão preocupante hoje em dia, de acordo com Shivam Joshi, é que muitas dietas que preconizam o consumo de carne o colocam como uma tábua de salvação para pessoas que já sofrem de problemas de saúde ou buscam resultados estéticos. “Se um organismo faz algo fora do comum, podemos encontrar consequências perigosas desse comportamento”, comenta.
Referências
http://www.huffingtonpost.com/entry/evolved-to-eat-meat-maybe-not_us_58bc7e4be4b02eac8876d020