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A beleza invisível aos olhos

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David Lynch mostra que um corpo deformado não anula as qualidades de um homem

Apesar da condição física, John Merrick é inteligente, sensível e gentil (Foto: Reprodução)

O Homem Elefante, do cineasta estadunidense David Lynch, é um filme de 1980 sobre a história de John Merrick (John Hurt), um jovem inglês com 90% do corpo deformado que mesmo vivendo sob a condição de aberração preserva grandes qualidades. Merrick vive sob a tutela do senhor Bytes (Freddie Jones) que explora a degradação física do personagem em um show de horrores. Constantemente violentado pelo tutor, só começa a reconhecer a própria existência como ser humano quando conhece o médico Frederick Treves (Anthony Hopkins). Sensibilizado com a situação, Treves consegue tirar Merrick do circo.

A degradação física de John representa muito mais do que o seu definhamento existencial. É um espelho da própria sociedade; como se cada pessoa que se assustasse com a feiura do rapaz confrontasse a si mesmo, seus defeitos e preconceitos. O cineasta David Lynch desmitifica também a ideia de que apenas pessoas de classes baixas se interessam pelo grotesco, o que é provado se compararmos duas cenas. Em uma, John Merrick é atração para um grupo de bêbados. Já em outra, é o novo entretenimento da aristocracia.

David Lynch mostra que a decadência humana independe de classe (Foto: Reprodução)

Os burgueses camuflam a curiosidade pelo mórbido agindo como se tivessem real interesse pela saúde do rapaz. Dessa maneira, independente de classe social, todos compõem o espectro da decadência humana. No início do filme, é possível crer que o cineasta apresenta uma história maniqueísta, com pessoas boas e más. Porém, aos poucos tal ideia desvanece e Lynch mostra que no fundo todos são seres humanos, guiados por interesses, seguros e inseguros, e conscientes e inconscientes de suas intenções. O momento em que o médico questiona a própria conduta, comparando-se ao cruel senhor Bytes, é um exemplo de como a culpa surge a partir de critérios subjetivos.

Se nas primeiras cenas é perceptível a influência do cinema expressionista alemão, principalmente nos momentos em que há distorções envolvendo cenários e personagens, em uma tentativa de ressaltar o caótico e aberrante, tudo parece mudar quando o cineasta David Lynch propõe uma viagem pelo interior de John Merrick. Gradativamente o espectador sente empatia pelo horripilante protagonista. Merrick é dotado de uma beleza interior que se contrapõe à aparência: é inteligente, sensível e gentil.