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O sofrimento dos macaquinhos no trabalho de Harry F. Harlow

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Foto: Revista Time

Há um artigo do psicólogo e professor Harry F. Harlow, mencionado por Peter Singer no livro “Animal Liberation”, de 1975, em que ele fala de experiências de isolamento social com macacos nos Estados Unidos. Eles tentaram fazer com que os animais desenvolvessem algum tipo de psicopatologia. Para tanto, enviavam animais logo após o nascimento para câmaras de aço inoxidável, sem contato com qualquer outro animal, e assim os mantinham por toda a vida.

Uma das técnicas usadas para forçar os macacos ainda bebês a desenvolverem depressão, ou até mesmo algum comportamento psicótico, se baseava em dar-lhes mães falsas de tecido. Os movimentos das falsas macacas eram baseados em ar comprimido de alta pressão. E a força do ar era tão grande que chegava a arrancar pedaços de pele dos macaquinhos. Muitos deles, apegados a ideia de ter uma mãe pela primeira vez, continuavam agarrados às bonecas mesmo diante do risco de dor e morte.

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Written by David Arioch

September 18th, 2017 at 6:02 pm

A incursão dos Chicos

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Macacos-prego deixam o bosque para garantir a sobrevivência na área urbana

O primeiro Chico avaliando o território antes da incursão (Foto:

O primeiro Chico avaliando o território antes da incursão (Foto: David Arioch)

Perto das 11h, não é difícil perceber uma movimentação tímida, curiosa e rasteira na Rua Benedito Brambila, na Vila Operária. O cheiro de comida na panela faz dezenas de macacos-prego, que desde os anos 1990 receberam o nome de Chico, migrarem da então infrutífera mata do Bosque Municipal de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, para as casas mais próximas.

Nem o asfalto quente, capaz de grelhar um pão em tempo recorde, intimida um bando liderado por um macaquinho experiente que passa as coordenadas aos menores. Eles parecem treinados para ocuparem posições estratégicas na incursão pela área urbana. Por segurança, a maioria atua somente em grupo. Mantendo certa distância para não atrapalhá-los, registrei as ações de um bando de cinco Chicos.

Enquanto o mais alto, de pelagem um pouco acinzentada e olhos arregalados, avaliava o movimento na Rua Benedito Brambila, com o corpo ligeiramente oculto sobre um gramado íngreme, os demais, e aparentemente mais jovens, observavam o entorno, escondidos atrás de alguns carros no estacionamento do bosque. A autorização para atravessar a rua foi um sinal sonoro acompanhado de gestos ligeiros. Mesmo com alguns vizinhos conversando em frente uma das casas, o líder dos macaquinhos não hesitou. Talvez porque sejam pessoas com as quais se acostumaram depois de tanto tempo de visitas diárias.

Um dos macaquinhos corre sobre o telhado da casa de dona Maria (Foto: David Arioch)

Um dos macaquinhos corre sobre o telhado da casa de dona Maria (Foto: David Arioch)

Tão logo o primeiro macaco-prego apressou o passo sobre o asfalto, saltou em cima de um muro, correu e lançou-se sobre o telhado, os demais repetiram o percurso, como se fossem ensinados a seguir sempre o mesmo trajeto. Juntos, logo desapareceram por entre as casas onde o aroma que vinha da cozinha era mais acentuado. Parecia que sabiam em quais residências a comida ficaria pronta mais rápido. Ou seja, em cinco anos de três incursões diárias, se tornaram especialistas na “hora do rango”.

A primeira visita ocorre sempre das 6h às 7h30, seguida pela segunda – das 11h às 12h30, e a terceira – das 17h às 18h30. “Moro aqui faz 20 anos e eles começaram a vir aqui em casa com frequência tem dez. Só que a situação se intensificou mesmo há cinco anos”, conta o empresário Gilberto Serafim Matos que mora em frente ao Bosque Municipal e relata as peripécias dos macacos com um grande sorriso.

Parte do bando com o espólio do almoço (Foto: David Arioch)

Parte do bando com o espólio do almoço (Foto: David Arioch)

Hoje, os Chicos são quase membros da família, tanto que a liberdade chega a ponto de passarem bons momentos diários na casa do seu Gilberto, onde conhecem todos os cômodos. Lá, fuçam na TV e em outros aparelhos eletrônicos, deitam no sofá e pulam sobre as camas. Até mesmo as mamães que transportam as suas macaquinhas nas costas frequentam a residência e se dão o direito de abrir o armário e pegar um pacote de biscoito recheado.

Só que a liberdade no local exige um certo controle, até porque alguns animais são mais geniosos. A dona de casa Maria de Fátima Santos cita o episódio em que um Chico pegou o tapete da cozinha e ficou rolando sobre ele em frente ao portão. Só parou com a algazarra quando foi recompensado com um pedaço de pão. “Se não desse, acho que ele teria sumido com o tapete”, comenta. No bairro, entre os alimentos levados pelos Chicos estão arroz, feijão, carnes, frutas, pães, bolos, ovos, biscoitos, bolachas, chips, rações de gato e cachorro, manteiga, margarina, óleo e azeite.

Os macacos furtam ou roubam qualquer alimento ao alcance das mãos. Se a fome for muito grande, eles consomem no local. Do contrário, levam para o bosque e comem em cima das árvores. Um dia, um dos Chicos foi iludido pela própria fome quando furtou uma fruteira com alimentos de plástico. Inconformado, passou horas batendo as “frutas” contra o tronco da árvore, na ilusão de extrair algo comestível. “Eles adoram pão caseiro. Teve um que abraçou um do tamanho dele e sumiu em direção ao bosque”, lembra a dona de casa Maria José Rodrigues Barros que em outra oportunidade teve de interromper o café da manhã por causa de uma saraivada de pedras.

Hora de ser rápido para não ficar sem "rango" (Foto: David Arioch)

Hora de ser rápido para não ficar sem “rango” (Foto: David Arioch)

O ataque só cessou quando dona Maria os convidou à mesa. Embora não sejam muito exigentes quanto a comida, há alimentos que os Chicos odeiam tanto que fazem questão de urinar em cima. Exemplo é a horta de salsinha e cebolinha da dona Maria, um dos alvos prediletos da macacada. Novas histórias surgem a cada dia. Entre as mais recentes está a de um garoto que andava em frente ao bosque e teve o pacote de chips roubado.

Outra vítima foi o vizinho de dona Fátima. O rapaz chegou em casa com dois quilos de bife e minutos depois se surpreendeu com um bando correndo e rindo bosque adentro com a sacola de carne. Inusitado também foi o episódio em que levaram um gatinho preto para o topo de uma árvore, pensando que o animalzinho era filho de uma das macaquinhas do bando. “Eles fazem maldade também de vez em quando. Tem uns 15 dias que um grupo pegou o meu galo e o enforcou até matar. O bichinho não teve chance nenhuma”, revela dona Fátima.

Se tiver comida dentro, nem panelas, recipientes plásticos e canecas passam despercebidos. Muitos utensílios domésticos foram encontrados presos em galhos de árvores. “Daqui de casa, levaram até fatura de energia elétrica e água. Só tivemos certeza quando vimos os papéis balançando lá no bosque”, confidencia seu Gilberto. Uma vez a família de dona Maria pensou que a casa tivesse sido invadida por ladrões porque encontrou praticamente tudo revirado. Só descobriram mais tarde que a bagunça foi provocada pelos Chicos.

Um se distancia do grupo para beber azeite de oliva (Foto: David Arioch

Um se distancia do grupo para beber azeite de oliva (Foto: David Arioch)

“Agora é engraçado, mas não vou negar que na hora a gente fica com raiva e até ódio. Acontece sim. Só que ninguém judia porque sabe que estão nessa situação por falta de comida”, pondera dona Fátima. Outros vizinhos endossam a opinião da dona de casa. É fácil notar o carinho dos moradores da Vila Operária pelas dezenas de macacos que vivem no Bosque Municipal de Paranavaí. Espertos e persuasivos, os primatas conquistaram até a simpatia de gatos e cães da Rua Benedito Brambila. Chegam até a montarem a sobre alguns cachorros. “Até pitbull se acostumou com eles”, enfatiza dona Maria.

Os moradores já passaram por situações em que os Chicos levaram embora compras de alimentos que deveriam durar mais de um mês. E mais, beberam todos os ovos de uma casa invadida e depois fizeram caretas e riram dos moradores. “Eles sabem o que fazem. Então tem situações que gostam de provocar mesmo”, avalia dona Fátima antes de cair na gargalhada.

Nem se sente intimidado pela câmera (Foto: David Arioch)

Nem se sente intimidado pela câmera (Foto: David Arioch)

Outra curiosidade é que nas casas situadas no entorno do bosque não se vê sacos ou sacolas de lixo. A explicação é uma só – evitar bagunça. Seu Gilberto, por exemplo, esconde o lixo dentro de uma kombi até a hora da coleta. A macacada não dá trégua nem aos domingos. Dona Maria não se recorda quando foi a última vez que dormiu bastante no final de semana. Por volta das 6h, é sempre surpreendida por cinco ou seis Chicos correndo sobre o telhado. “O barulho é tão intenso que parece uma boiada passando”, exagera a dona de casa enquanto ri.

Preocupados com a situação dos macacos-prego do Bosque Municipal, os moradores do bairro são unânimes em afirmar que os animais passam fome há anos. Um reflexo dessa realidade é a imagem que registrei de um Chico bebendo azeite de oliva extravirgem. Uma solução para o problema pode ser a criação de uma parceria entre a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, responsável pelos animais e também pela manutenção do local, com supermercados, hipermercados e frutarias de Paranavaí. Sabemos que qualquer empresa do ramo recebe uma parcela de alimentos com aspecto comprometido, fora de condições de comercialização. Em vez de descartarem, eles poderiam destiná-los aos macacos. Neste caso, o papel da secretaria seria disponibilizar um veículo para o transporte dos alimentos.