David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

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Respeito?

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Pintura: Fighting Without a Cause, de Evgeniy Monahov

Não deveria, mas respeito é sempre uma questão abstrusa. Isto porque na prática as pessoas tendem a considerar muitas vezes o respeito como uma característica, virtude ou mesmo sentimento associado à conveniência, não contrariedade e até mesmo sujeição. O clássico te respeito à medida em que concordamos, ou te respeito à medida em que você não toque em tal assunto.

Creio que isso seja extremamente comum hoje em dia em todos os aspectos. Basta se posicionar em um espectro ideológico diferente de alguém. Isso já é o suficiente para “existir desrespeitosamente”, ou talvez colher elogios nada amigáveis por “existir desrespeitosamente”. Claro, mesmo que você não esteja desrespeitando ninguém, mas apenas conversando ou articulando opinião, partilhando alguma informação.

Na realidade, e presumo que não seja novidade para ninguém, que isso não raramente acontece até mesmo dentro de um mesmo espectro ideológico quando nossas inclinações e interpretações pessoais, que nem sempre são uma perspectiva expressa da realidade, nos contaminam ou endossam um tipo peculiar de avessa unilateralidade que emerge diante da mais sutil oposição. Pode não haver manifestação de desrespeito por parte do emissor, mas o receptor pode entender que sim e agir, de fato, com desrespeito; e vice-versa.

Acredito que isso acontece porque temos uma tendência a justificar nossas ações, até mesmo aquelas que não são exemplares ou egrégias, com um manto de conspicuidade ou virtude – um falseamento de transigências. Então a crença no desrespeito, mesmo quando inexistente, é uma forma de nos esquivarmos e justificarmos ações ou reações com as quais não queremos lidar, ou não estamos preparados para lidar porque implicam em repensar. Assim o “desrespeito” pode receber uma couraça de elemento “sui generis”, um remendo constante em involução, em um universo de supositícias virtudes e verdades (in)questionáveis.





Written by David Arioch

April 13th, 2018 at 1:20 am

Intolerância e política provinciana

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Escultura Karma, do artista sul-coreano Do-Ho-Suh (Foto: Divulgação)

Karma, escultura do artista sul-coreano Do-Ho-Suh (Foto: Divulgação)

Uma vez, um prefeito de Paranavaí, que não é o atual, estava percorrendo a pé as ruas de um bairro acompanhado de um secretário municipal. Quando se aproximaram da residência de um servidor público da mesma secretaria, eles ficaram muito incomodados ao verem que o homem mantinha na varanda um banner com a imagem de um candidato que não era o então prefeito. Em vez de compreenderem que esse é um direito do sujeito, afinal ele era concursado e não devia nada ao administrador público, interpretaram aquilo como uma afronta.

Quando se afastaram da casa do homem, o prefeito disse que algo precisava ser feito, que não seria possível tolerar tanto “desrespeito” e “insubordinação”. “Pode deixar comigo. Vou inventar uma desculpa qualquer, tirar ele da função dele e colocá-lo pra passar a semana toda varrendo num lugar bem sujo e desconfortável”, prometeu o secretário, como o mais equivocado dos justiceiros, conquistando um sorriso de mórbida gratidão do tal prefeito. E pode acreditar que atitudes assim são mais comuns do que imaginamos.

Written by David Arioch

May 18th, 2016 at 1:47 pm

A contradição de clamar por democracia sendo antidemocrático

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Vejo muita passionalidade envolvida, e muitas vezes me parecem armadilhas do ego e da vaidade

Discurso de Péricles em Atenas, um dos símbolos da democracia (Pintura: Philipp Foltz)

Discurso de Péricles em Atenas, um dos símbolos da democracia (Pintura: Philipp Foltz)

Esses dias, testemunhei na internet um camarada sendo chamado de “comunista”, no sentido mais pejorativo do termo, aquele que hoje povoa o ideário comum, porque publicou um vídeo mostrando um general da época da ditadura militar impedindo um jornalista de exercer a própria função. Esse sujeito que o ofendeu com palavras baixas e declarou que o camarada deveria ser fuzilado por ser “comunista” é um exemplo de uma efervescência perigosa e sem precedentes que tenho visto na internet.

Primeiro porque o camarada não é “comunista”. Ainda assim, tentei entender o posicionamento do rapaz, mas foi impossível porque ele vive uma estoica contradição – uma pessoa que diz estar lutando pela democracia e ao mesmo tempo se coloca no direito de dizer que muitos brasileiros deveriam ser deportados ou fuzilados porque não pensam como ele. Me refiro a alguém que entra na internet para impor sua opinião de forma agressiva em páginas de pessoas com quem não partilha as mesmas ideias.

Penso que se não sou seu amigo e entro na sua página para comentar algo sem ser convidado, devo pelo menos ser educado e defender o meu posicionamento de forma ponderada e lúcida – o mínimo que se pode esperar de um ser humano que deveria respeitar o outro tanto quanto respeita a si mesmo. Não é correto invadir um perfil pessoal no Facebook para impor nada, até porque esse espaço pode, porém não precisa ser democrático. Ninguém tem o direito de fazer isso, independente de qualquer coisa.

Sinceramente, não há como negar que comportamentos como o do rapaz citado têm relação direta com a indigência cultural, já que generalizações e ofensas costumam ser usadas com mais frequência por pessoas que não são capazes de argumentar ou defender um ponto de vista sem apelar para clichês ou estereótipos. O sujeito que ofendeu esse meu camarada trabalha como instrutor em uma academia onde paro em frente quase todos os dias quando o sinal vermelho do semáforo está acionado.

Já o vi algumas vezes rindo e fazendo brincadeiras com alunos e colegas de trabalho, o que torna tudo mais chocante porque mostra como um ser humano aparentemente pacífico pode na realidade esconder uma faceta agressiva e tirânica, o que é interpretado por estudiosos do comportamento humano como sinais de sociopatia.

Acho válido citar também pessoas mais próximas que conheço há muito tempo e que presenciei e ainda presencio defendendo discursos de ódio em mídias sociais. Posso dizer que não é fácil olhar para a pessoa e não associá-la ao que li na internet. A vida segue, mas um resquício de fel na boca persiste.

Vejo muita passionalidade envolvida, e muitas vezes me parece armadilha do ego e da vaidade, aliada a uma visão canhestra do mundo; até um anseio jactante e quase totalitarista de redefinir o que é certo e errado. É incrível como nos deparamos todos os dias com pessoas hostilizando alguém. Tudo isso porque não foram preparadas para lidar com as diferenças, e acho que esse é um problema que surge na infância e adolescência.

Diariamente encontramos pessoas querendo moldar o mundo e as pessoas à sua maneira, o que não significa que seja algo basicamente ruim, já que no fundo todos fazemos isso de algum modo. E claro, muitas coisas nesse sentido podem ser realmente positivas. No entanto, a preocupação surge quando as negativas se sobrepõem, porque aí o respeito é relegado à farelagem e o ser humano deixa de ser humano.