David Arioch – Jornalismo Cultural

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Imparcialidade é uma ilusão teórica sem respaldo filosófico

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Imparcialidade é uma ilusão teórica sem respaldo filosófico. Ainda criança, a partir do momento que você começa a enxergar o mundo, você se torna parcial, seja influenciado por suas razões, sentimentos, crenças, familiares, amigos, conhecidos ou até mesmo pela sua própria autoavaliação. Na faculdade de jornalismo um ou outro professor falava com certo romantismo da tal imparcialidade, mas essa imparcialidade também é parcial.

Quando alguém escolhe uma pauta, considerando importância e relevância, ou mesmo interesses particulares, editoriais ou empresariais, há parcialidade nisso; quando alguém constrói um texto, quando alguém abdica de um assunto ou suprime uma ideia e um parágrafo, isso é ser parcial. Quando alguém delimita uma abordagem…Até mesmo o uso e a escolha das palavras é ser parcial. Afinal porque escolhe-se esta e não aquela?

Escolhas são manifestações claras ou subjetivas de parcialidade. Então quando alguém diz que devo ser imparcial, acho que isso não faz o menor sentido. Viver é ser parcial, em menor ou maior proporção, mas muitas vezes chamamos de “parciais” somente aqueles com quem não concordamos, e obviamente que em crítica, consubstanciada ou vazia, de seu trabalho.

 

Written by David Arioch

October 9th, 2018 at 1:29 pm

“Aprenda a ficar sozinho. Aprecie a solitude”

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Tarkovsky: “As pessoas que se aborrecem em sua própria companhia parecem estar em perigo, do ponto de vista da autoestima”

O que você gostaria de dizer aos jovens?

Tarkovsky – Eu não sei … Acho que eu gostaria apenas de dizer que eles [os jovens] deveriam aprender a ficar sozinhos e tentar passar o maior tempo possível sozinhos. Acho que uma das falhas dos jovens hoje é que eles tentam se reunir em torno de eventos que são barulhentos, quase agressivos às vezes. Esse desejo de estar junto para não me sentir sozinho é um sintoma infeliz, na minha opinião. Toda pessoa precisa aprender desde a infância como passar tempo consigo mesma. Isso não significa que ela deva ficar [sempre] sozinha, mas que ela não deveria ficar entediada consigo mesma, porque as pessoas que se aborrecem em sua própria companhia parecem estar em perigo, do ponto de vista da autoestima.

Essa reflexão compartilhada em um cenário bucólico e quiçá onírico, assim como é recorrente em seus filmes, talvez seja a mais icônica de Andrei Tarkovsky, que como poucos explorou temas como solitude, solidão, incomunicabilidade – sempre com um singular viés filosófico. Filho de poeta, desenvolveu o lirismo muito cedo.

Tarskovsky foi evidentemente um dos maiores cineastas russos da história, mas ouso dizer que ele foi um dos maiores do mundo. Ingmar Bergman o admirava e o respeitava profundamente. Vindo de Bergman não é difícil entender a dimensão disso, já que ele tinha admiração por poucos cineastas.





Written by David Arioch

July 1st, 2018 at 5:53 pm

Podemos falar sobre os direitos dos animais?

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“Podemos começar reconhecendo que o fracasso moral do moderno consumo de carne não é o fim da história”

Gottlieb: “quando você pede uma deliciosa vitela à parmegiana em um chique restaurante italiano, você está consumindo a carne de um ser vivo que foi confinado em uma gaiola tão pequena que mal podia se mover” (Foto: Jo-Anne McArthur/We Animals)

Em 2014, o filósofo Roger S. Gottlieb, professor de filosofia do Instituto Politécnico de Worcester, em Massachusetts, e autor de 18 livros, incluindo obras sobre filosofia política e crise ambiental, publicou pelo Harvard Divinity Bulletin, um dos boletins da Universidade Harvard, um artigo intitulado “Can We Talk (about Animal Rights)?”.

No texto, Gottlieb apresenta assuntos bastante controversos que envolvem a discussão dos direitos dos animais, como o uso de animais para as mais diferentes finalidades – como consumo e experimentação animal, e defende que nenhuma mudança é possível se não estivermos dispostos a entender ou reconhecer as implicações de nossas ações para os animais não humanos.

O objetivo do filósofo claramente não é oferecer respostas, mas propor reflexões inclusive conflitantes sobre o nosso papel no mundo a despeito das nossas relações com seres não humanos – inclusive evidenciando argumentos de perspectivas contrárias aos direitos dos animais. No decorrer do artigo, Roger. S Gottlieb enfatiza que se uma pessoa age com indiferença em relação ao sofrimento dos animais, inclusive com escárnio, isso não significa que ela seja incapaz de compreender essa realidade ou mudar, mas que talvez agora a mudança não seja moralmente possível.

Na sua perspectiva, o entendimento da realidade da exploração animal depende de uma reflexão profunda e da aptidão para um diálogo horizontal, que deve partir tanto por parte de quem instiga a reflexão quanto de quem é convidado a toma parte nela: “Uma conversa verdadeiramente moral. Parece necessário nos abrimos para o que a outra pessoa está dizendo e tentar encontrar o máximo possível de verdade.” Segundo o autor, não importa o quão correta seja uma afirmação moral, se a humanidade não estiver pronta para aceitar a sua verdade, ela não terá consequências sociais:

Os animais sofrem por muitas razões: eles congelam até a morte em invernos rigorosos, são despedaçados por predadores, envelhecem e passam fome porque não conseguem mais caçar. Se você colocar uma música bem triste nesse cenário, enquanto testemunhamos esses momentos, sem dúvida, muitos olhos se encherão de lágrimas. Mas essas lágrimas são facilmente remediadas por um momento de reflexão sobre os intermináveis e necessários ciclos da vida e da morte.

Existem outras formas de sofrimento que não diminuem tão facilmente. As aves marinhas cobertas de óleo, a raposa presa na armadilha de um caçador – roendo a própria perna na tentativa de fugir; as longas e longas filas de bois e vacas esperando para serem espancados e terem suas gargantas cortadas; os milhões de camundongos a serem usados, sabe lá Deus para qual finalidade, incluindo aqueles que foram cientificamente e geneticamente modificados para desenvolverem câncer (chamados de onco-camundongos). Sem mencionar espécies inteiras, milhares delas, morrendo porque os humanos dominaram ou contaminaram o seu habitat, ou trouxeram espécies exóticas contra as quais eles não desenvolveram defesas, ou simplesmente foram comidos em grandes quantidades.

O que acontece quando olhamos para a dor deles? Muitas vezes, nada de mais, porque a maioria de nós não se preocupa em olhar. Ou, se o fizermos, o que vemos é uma abstração: x milhões de mortos em experimentos, x milhares de espécies perdidas. Se olharmos com cuidado, dispostos a aceitar quaisquer sentimentos que surjam, como por exemplo no caso dos ursos populares forçados a canibalizarem uns aos outros porque o aquecimento global derreteu tanto gelo que eles não podem mais caçar. Olhe para eles – magníficas criaturas com pelos espessos e brancos, incrivelmente adaptados a suportarem o gelo glacial e à neve, em casa e mesmo no mar. São mães que protegem seus filhos jovens e brincalhões dos poderosos caçadores de focas. Esses animais estão morrendo, não de velhice nem na luta contra predadores ou pela liderança de um rebanho, mas porque nós estamos matando eles através do aquecimento global e da imprudente caça esportiva. Há toxinas feitas pelo homem que se acumulam em suas carnes.

A questão é que não é apenas o sofrimento individual dos ursos polares que chegam até nós, ou mesmo a perda potencial dessa espécie majestosa. Tudo isso é sobre como é difícil olharmos para nós mesmos. Para salvar o urso polar, os grandes felinos e os bovinos nos matadouros, o quanto teríamos que mudar? Quanto da nossa economia, cultura e vida familiar? Quantas leis teríamos que aprovar? Quantos encontros de Ação de Graças seriam ou teriam um sabor diferente? Teríamos que desistir do nosso sonho de infindável expansão econômica a fim de deixar algum espaço para outras espécies? Teríamos que convencer todos os nossos camaradas que um tofu grelhado pode ser tão bom quanto um bife grelhado? Teríamos que dizer que todo o empreendimento humano dos últimos dez mil anos – buscando cada vez mais poder, riqueza, controle, conhecimento técnico e posses – deveria (profundamente, seriamente e essencialmente) ser contido?

Entre a intensidade da dor que sentimos, a culpa pela nossa própria cumplicidade, e a aparente impossibilidade de que todos nós teríamos que mudar, ficamos em uma posição moral difícil. Sentimos culpa por nós mesmos e raiva contra “os outros” que “não entendem isso”. A necessidade de por em prática algo que “fazer tudo parar” e a certeza de que não podemos. Uma vida que já parece suficientemente difícil, mas à qual esses “tipos dos direitos dos animais” querem acrescentar mais preocupações, problemas e coisas para nos incomodar.

Não há saída para esse conflito e confusão. Isto é, de maneira nenhuma isso levará a uma simples solução dos problemas, ou a uma maneira universalmente aceita de pessoas de lados opostos se unirem para terem uma conversa moral calma, racional e agradável. A verdade é que temos sentimentos extraordinariamente poderosos sobre esse assunto, e essas respostas podem se traduzir em intuições morais muito fortes. Essas instituições antagônicas podem ser resumidas da seguinte maneira:

Instituições de ativistas dos direitos animais. Os animais sofrem, como nós. Eles amam seus companheiros e filhos, brincam na grama e brigam entre si. Eles se deleitam em voar através do céu de madrugada, correr pela floresta, ruminar. E apesar do ocasional momento em que eles machucam as pessoas, eles são praticamente indefesos contra nós. E pense em quanto sofrimento lhes causamos: em laboratórios, em fazendas, nos frigoríficos. Se você realmente olhar para eles, ouvir seus gritos, tomar para si suas feridas, como poderá continuar fazendo isso com eles?

Instituições que priorizam o ser humano. Pessoas são mais importantes que os animais. Elas apenas são. Além disso, a vida já é bastante difícil – se eu quiser um bife ou um pedaço de frango frito, eu terei. Tem um gosto realmente bom. E a ideia de que algum rato ou pombo tem direitos é simplesmente ridícula. As pessoas precisam de alimentos. A ciência precisa de animais de laboratório. Pessoas do mundo todo estão famintas e doentes, e você quer que eu me preocupe com uma vaca ou um rato? Caia na real. Se você quiser enlouquecer com isso, tudo bem. Mas deixe o resto de nós em paz. A maioria das pessoas, a maior parte do tempo, vai usar os animais para qualquer coisa que elas queiram. Isso nunca vai mudar.

As coisas poderiam ser amenizadas se todos nós pudéssemos apenas “concordar em discordar”. Por que cada um de nós não pode se dar bem com pessoas que têm opiniões diferentes sobre comer carne, usar animais em experimentos ou sobre a quantidade de espaço que um bezerro deve ter em sua jaula antes de ser abatido? No entanto, isso não daria certo, porque, querendo ou não, se uma determinada e particular “diferença” é permitida, isso já é parte do problema em si. Como indivíduos, como sociedade, temos que desenhar linhas: entre diferenças que são uma questão de gosto (como um guarda-roupa realmente ruim) e diferenças que o colocarão na cadeia (como abusar de seus filhos). Embora a opção pela tolerância às diferenças seja certamente uma opção possível, os direitos animais e os cuidados com os animais podem não ser um problema de tolerância.

Ao mesmo tempo, ainda que pensemos que nossos pontos de vista são tão moralmente corretos que as pessoas do outro lado não nos pareçam apenas diferentes, mas erradas – e tão erradas que o que elas fazem deveria ser ilegal e considerado um ultraje antiético –  seja lá qual for o lado em que estamos, ainda devemos ponderar que há muitas pessoas do outro lado. Se vamos nos relacionar moralmente – pensar naqueles do outro lado como agentes morais que merecem respeito por suas escolhas, assim como nós fazemos, é importante pelo menos para tentarmos nos entender, Além do mais, tal entendimento pode nos levar a um pouco de terreno comum.

Quando os pontos de vista têm uma aceitação ampla e de longa data – como a superioridade humana, consumo de carne e a exploração científica de animais – temos de levá-los a sério em seus próprios termos. Similarmente, quando tantas pessoas são vegetarianas morais, ou se opõem ao uso de animais na ciência, não funciona descrevê-los como hippies excessivamente sentimentais. Se um dos lados for desconsiderado logo no começo, as tentativas de comunicação, ou mesmo de compreensão, dessas diferentes pessoas estarão condenadas desde o início. E onde isso nos deixaria? Uma conversa verdadeiramente moral. Parece necessário nos abrimos para o que a outra pessoa está dizendo e tentar encontrar o máximo possível de verdade.

Primeiro vamos reconhecer que nos relacionamos com os animais de muitas maneiras diferentes. Considere: usamos animais como alimento, para o trabalho e para experimentos científicos. Há animais de estimação, animais selvagens e animais de zoológico. Os animais são presas de caçadores, sacrifícios para algumas religiões e companheiros para os cegos. Como podemos entender todos esses diferentes contextos? Não vou oferecer uma regra simples e universal. No entanto, podemos comparar dois contextos muito diferentes e ver como as diferenças afetam nossas respostas.

Aqui está o primeiro cenário: quando você pede uma deliciosa vitela à parmegiana em um chique restaurante italiano, você está consumindo a carne de um ser vivo que foi confinado em uma gaiola tão pequena que mal podia se mover, e foi mantido por muito tempo no escuro para que sua carne empalidecesse, sem qualquer companhia (o que é necessário, sendo ele um animal social) e, para preservar a delicadeza do gosto de sua carne, nunca foi alimentado sequer com a comida sólida que seu organismo naturalmente requeria.

Claramente, existem todos os tipos de razões culturais para continuar comendo vitela à parmegiana – que tem sido uma iguaria por muito tempo. E tem um ótimo sabor. As pessoas ganham a vida criando, cozinhando e servindo vitela. No entanto, se você se inclinar na direção dos direitos animais, como eu faço, pode parecer muito fácil descartar todas essas defesas em relação à carne de vitela – apontando [inclusive] que a escravidão foi culturalmente apoiada e que as pessoas ganharam dinheiro com o Holocausto. Mas a grande maioria das pessoas simplesmente não equipara gaiolas para bezerros com campos de concentração, então, ao comparar o tratamento dado aos animais aos horrores que humanos infligiram uns aos outros pode ser moralmente válido, mas pode não parecer para muitas das pessoas que você precisa convencer disso.

Mas é muito difícil entender o modo como os bezerros são criados sem dizer que a dor dos animais é moralmente insignificante. Essa posição é uma espécie de antropocentrismo ortodoxo: as pessoas são o centro de todas as coisas e os seres na periferia disso tudo não contam muito. Curiosamente, até mesmo as pessoas que creem nesse tipo de coisa geralmente não acreditam nisso completamente; e é essa falta de completude que deixa uma abertura para a outra perspectiva. Por exemplo: um bom número de consumidores de vitela à parmegiana (ou servidores) sem dúvida têm seus próprios animais de estimação favoritos que não sonham em tratar da maneira como os bezerros são tratados: animais cujo bem-estar, felicidade e prazer contam para alguma coisa. Nisso há uma inconsistência fundamental que cria um profundo buraco lógico do qual é muito difícil sair.

Então, quando olhamos para a vitela – e, na verdade, para o consumo de carne em geral – o que temos é uma prática social profundamente arraigada que é, quando examinada, sem qualquer justificativa moral. O que o consumidor de vitela pode dizer em resposta? Não muito, e é por isso que sua resposta geralmente é o riso, o desprezo, o ato de ignorar a verdade, isso quando não assistem os filmes sobre as fazendas industriais e os matadouros e dizem: “Isso é apenas como as coisas são feitas aqui”, e repetem: “Isso tem um gosto bom”, como se isso fosse razão suficiente para continuar comendo. Geralmente, há muita atitude, mas pouca discussão. Se o feliz consumidor de carne não quiser se envolver seriamente com as alegações de um defensor dos direitos animais, o que devemos fazer?

Bem, podemos começar reconhecendo que o fracasso moral do moderno consumo de carne não é o fim da história. Há muitas coisas que fazemos que não se somam moralmente. Certamente tenho minhas próprias fraquezas éticas. De fato, todo ativista dos direitos animais vive de uma maneira que prejudica os animais. Esses ativistas dirigem seus carros [elétricos] que se ligam à rede elétrica, contribuindo com o aquecimento global que erradica inúmeras espécies. Até mesmo sua dieta totalmente vegana envolve agricultura em grande escala que promove o deslocamento de animais. E quando seus filhos estão doentes eles não rejeitam medicamentos “fora de princípio” que foram desenvolvidos por meio de testes em animais.

Uma das coisas que distingue a ética em uma época de aquecimento global é que não podemos deixar de ser parte do problema. Certamente seremos [problematicamente] menos importantes se deixarmos de comer produtos de origem animal e nos recusarmos a comprar produtos que foram testados em animais. Mas enquanto integrarmos essa sociedade, estaremos nesse limite.

E a triste verdade é que muitas pessoas que apreciam profundamente os animais podem, ao mesmo tempo, ser indiferentes a outras pessoas e a outras preocupações morais importantes. Elas podem pensar e falar com humanos que comem animais com ódio e violência verbal. Elas podem se refugiar em um senso reconfortante de superioridade, analisando incessantemente o inventário moral das falhas de todos os outros enquanto nunca examinam seriamente as suas próprias falhas.

Essa linha de pensamento não elimina as tensões entre os “dois lados”. No entanto, permite que o ativista dos direitos animais, crítico moralmente, se aproxime do seu adversário com uma postura menos arrogante e mais modesta. Poderíamos também ser capazes de ver que uma melhora parcial é melhor do que nenhuma melhora. Em alguns países, houve um acordo sobre restrições legais sobre como você pode criar carne de vitela e em outros assuntos relacionados a animais também. Se essas novas leis não são o suficiente para o vegetariano moral, entendo completamente. Mas a vida moral é, muitas vezes, talvez tipicamente, não um caso de “suficiência”. Geralmente é, na melhor das hipóteses, um caso de “buscar melhorias”.

Agora vamos considerar um segundo cenário: seu filho nasceu com fibrose cística (FC), uma condição genética geralmente fatal em que a ausência de uma enzima leva a problemas pulmonares e digestivos. Enquanto isso costumava significar uma morte prematura para todos os portadores, pesquisas recentes permitiram que muitos vivessem por seus 30 e 40 anos.

Se fosse seu filho, condenado a uma vida de infecções pulmonares frequentes, ciclos de tosses aparentemente intermináveis, e um tratamento contínuo de fisioterapia respiratória para limpar o muco de FC distintamente espesso e imutável, você se importaria com quantos animais de laboratório estão morrendo na busca pela cura? Ou mesmo na busca de um tratamento que permitirá ao seu filho ter uma vida um pouco mais longa e tolerável? Em 40 anos, a idade média de portadores de FC passou de dez para 37. É isso que você está contando, não o número de ratos que foram usados para desenvolver tratamentos e, potencialmente, uma cura para o seu filho.

Se comer carne, em especial vitela, é uma imoral autoindulgência, o uso de animais para pesquisas para curar doenças mortais é outra coisa. Aqui temos o que pelo menos parece ser uma escolha clara: permitir que uma criança sofra e morra jovem, ou faça o que precisa ser feito pelo humano às custas dos animais. Se você é esse pai – ou a própria criança – você acha que vai dar mais atenção aos relatos sobre o sofrimento animal?

É claro que o defensor dos direitos animais pode simplesmente dizer que não há razão para preferir o humano ao animal, ou levantar questões de grau e escopo. Além disso, e mais poderosamente, pode-se argumentar que usar animais para pesquisa custa dinheiro, e que o dinheiro para os cuidados de saúde é limitado e que há muitas outras coisas que podemos fazer com esse dinheiro que são boas para a saúde das pessoas e não envolvem crueldade contra os animais. Podemos melhorar o meio ambiente para que menos pessoas tenham câncer em decorrência da poluição; podemos ensinar as pessoas e terem melhores hábitos de saúde; para que as doenças que surgem a partir dos seus estilos de vida diminuam; podemos encorajar as pessoas a não comerem alimentos de origem animal, uma vez que contribuem muito para o surgimento de problemas de saúde. Essas medidas não prejudicarão os animais; na verdade, elas ajudarão tanto os animais quanto as pessoas, uma solução vantajosa para todos.

No entanto, mesmo os melhores regimes ambientais e toda uma população fazendo ioga, meditando e comendo apenas saladas, arroz integral e lentilhas cozidas não acabarão com problemas genéticos de saúde como a FC. Ainda teremos o pai desesperado e a criança doente, pessoas com uma doença terrível e os animais cujas vidas desejaremos sacrificar para encontrar melhores tratamentos.

Talvez, mais uma vez, a única abordagem com uma chance razoável de sucesso seja tentar melhorar as coisas. Primeiro, pare com todos os estúpidos, inúteis e insanos experimentos com animais: os que jogam cosméticos nos olhos dos coelhos até ficarem cegos, ou que esmagam as cabeças dos macacos em paredes para confirmar se cabeças esmagadas contra uma parede ferem o cérebro; ou aquele teste de quanto tempo leva para os animais enlouquecerem, sujeitando-os aleatoriamente a choques elétricos.

E quanto aos experimentos de fibrose cística? Bem, talvez pudéssemos concordar em falar sobre eles mais tarde. Há muita coisa que pode ser feita para limitar ou eliminar experimentos com animais antes de pararmos a pesquisa destinada a curar doenças letais. Em uma vida moral, muitas vezes nos deparamos com escolhas difíceis. Às vezes, essas são escolhas realmente falsas, e devemos nos certificar de que sabemos quem ou o que disse: “Escolha entre A e B.”

Talvez haja uma opção C que funcione para todos nós – como as medidas de saúde holísticas e preventivas descritas acima. Ainda assim, às vezes, e infelizmente, há casos em que não há saída para alternativas dolorosas. Nós ainda teremos que lidar com a dor nesta vida, assim como todos os outros, e nenhuma quantidade de bondade moral jamais levará isso embora. Tipos que defendem “Eu posso fazer qualquer coisa que eu quiser com os animais” têm seus próprios animais de estimação, assim como há defensores dos direitos animais que têm seus filhos e outras pessoas que privilegiariam em vez dos animais. Essa é uma das razões pelas quais essa questão dos experimentos com animais é muito difícil, e exatamente onde um acordo entre diferenças reais pode ser alcançado.

A verdade prática de qualquer reivindicação moral – direitos dos animais, das mulheres, casamento gay, e o que devemos às pessoas que passam fome – é tão poderosa quanto o nível de desenvolvimento moral das pessoas com quem estamos conversando. Não importa quão correta seja uma afirmação moral, se a humanidade não estiver pronta para aceitar a sua verdade, ela não terá consequências sociais. Pode ser que, de acordo com o pleno respeito pelos animais, isso seja apenas algo que não é psicologicamente e, portanto, moralmente possível agora. A cada minuto de cada dia a nossa civilização pode de fato estar cometendo crimes monstruosos, e talvez os angustiados e “extremistas” gritos dos ativistas dos direitos animais são exatamente o que precisamos para despertar. No entanto, suspeito que, neste caso, quaisquer mudanças que façamos serão necessariamente graduais, mais baseadas na compreensão silenciosa e em lentas e moderadas melhorias do que em rejeições morais por atacado.

Provavelmente, alguns ativistas dos direitos animais, e talvez até mesmo os próprios animais, pensem que isso é uma desculpa covarde diante do massacre em massa. Mas devemos lembrar que a longa luta pela igualdade social e legal das mulheres está longe de terminar; e enquanto os escravos foram libertados em 1865 [nos Estados Unidos], mais de um século depois, os afro-americanos ainda lutavam por direitos civis básicos. Com todas as mudanças importantes que ocorreram, é difícil saber quanto foi conquistado através de raiva, violência verbal e leis coercivas, e quanto foi conquistado pelo paciente trabalho de conversação moral – em que fazemos o melhor que podemos para entender o “outro”, apesar do amargo desacordo. Talvez refletir sobre essa história nos ajude a ficar um pouco satisfeitos com ganhos limitados que tornam a vida um pouco melhor, em vez de nos apegarmos com raiva e amargura a um ideal impossível [em curto prazo]. Goste ou não, grandes mudanças são lentas.

Enquanto isso, aqueles de nós que prestam atenção [a essa realidade], podem pelo menos reconhecer o quanto isso nos incomoda. Podemos nos lamentar em relação aos limites morais de outras pessoas, sabendo que por nós mesmos já temos muitos limites. Podemos nos perguntar qual é a diferença entre o golden retriever que dorme em nossa cama à noite e o bacon que comemos no café da manhã. E se estamos realmente dispostos a sentir toda a gama e intensidade de nossas emoções sobre os nossos primos animais, na tentativa de assimilar a sua dor e a nossa responsabilidade sobre isso, e desenvolver a compaixão por eles e ao mesmo tempo por nossos companheiros humanos, quem sabe no que isso pode resultar? Não o suficiente, com certeza. Mas claramente o suficiente para fazer a diferença.

Referência

Gottlieb, Roger S. Can We Talk (about Animal Rights)? Harvard Divinity Bulletin. Harvard University (2014).





Tom Regan: “Chegará o dia em que bilhões [de pessoas] não comerão mais a carne de animais mortos nem vestirão suas peles”

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“Nunca duvide que um pequeno grupo de pessoas conscientes e engajadas possa mudar o mundo. De fato, sempre foi assim que o mundo mudou”

Regan: “Qualquer chance de realização dos defensores dos direitos animais depende do crescimento do movimento”

Falecido em 17 de fevereiro de 2017, aos 78 anos, Tom Regan foi um importante filósofo moral da teoria dos direitos animais e professor de filosofia da Universidade Estadual da Carolina do Norte, onde lecionou por 34 anos. Conquistou prestígio internacional por sua produção prolífica voltada ao abolicionismo animal. Em 2006, Regan teve o seu livro “Empty Cages”, ou “Jaulas Vazias”, publicado no Brasil. Alguns anos depois, publicou um raro artigo em seu site “The Animals Voice”.

Intitulado “Vegan Choice”, no texto, Regan aborda a sua compreensão do veganismo e da importância das pessoas se absterem de consumir produtos de origem animal, e entenderem, de fato, que a luta pelos direitos animais também diz muito sobre quem somos e o que fazemos enquanto seres humanos. Talvez uma das mensagens mais importantes do artigo seja a de que “é pouco provável que consigamos o que queremos alcançar sem entender a natureza dos desafios que enfrentamos.” Ainda assim, “Vegan Choice” é um texto diverso – com passagens picarescas, realista, ponderado e ao mesmo tempo alentador – em que Regan deixa claro que a descrença não deve vencer quem luta por justiça pelos animais, e que é importante seguir em frente até o “último suspiro”:

No convite que me foi feito nesta ocasião, pediram que me ocupasse de abordar a escolha vegana. Agora, pelo menos na minha experiência, diferentes veganos entendem o veganismo de maneira distinta.

Alguns estão inclinados a pensar nisso como uma escolha alimentar: veganos são pessoas que não comem a carne de outros animais, nem os chamados produtos de origem animal, incluindo leite, queijo e ovos. Assim, os veganos não só seguem um estilo de vida que difere das pessoas que clamam por carne animal do McDonald’s e da KFC; eles também diferem dos vegetarianos que, assim como os veganos, se abstêm da “carne”, mas que, ao contrário dos veganos, consomem ovos ou produtos lácteos. Essa é uma maneira de entender o veganismo: é o nome de uma escolha alimentar.

A Vegan Society entende o veganismo de maneira diferente. Aqui está como eles definem o termo:

“A palavra ‘veganismo’ denota uma filosofia e um estilo de vida que procura excluir – na medida do possível e do praticável – todas as formas de exploração e crueldade contra os animais visando alimentos, roupas ou qualquer outra finalidade; e, por extensão, promove o desenvolvimento e o uso de alternativas livres de animais para o benefício de humanos, animais e meio ambiente. Em termos dietéticos, denota a prática de dispensar todos os produtos derivados parcialmente ou totalmente de animais.”

Observe como essa definição abrange “todas as formas de exploração e crueldade contra animais”, não só para “alimentação”, mas também para “roupas ou qualquer outro propósito”. A definição do veganismo da Vegan Society inclui, em termos dietéticos, “dispensar todos os produtos derivados total ou parcialmente de animais”. A definição inclui muito mais do que a escolha de uma pessoa do que comer. Ou não.

Então, nós nos reunimos aqui para pensar sobre a “escolha vegana”, e a primeira pergunta que temos a fazer é como entender essa escolha: estritamente (como uma escolha estrita a dieta apenas) ou abrangente (como uma escolha que inclui outros aspectos sobre como vivemos – que roupa usamos, por exemplo). Sempre estive inclinado a pensar sobre a ideia de forma estrita:

Veganismo é o nome de uma prática dietética. No entanto, devo admitir que é difícil para mim dizer que a Vegan Society, que pretende falar por veganos de todos os lugares, não entende a ideia para a qual foi nomeada. É por isso que sugiro, e espero que você concorde, que entendamos “escolha vegana” de maneira ampla [como defendido pela Vegan Society], o que significa que a escolha que estamos considerando é se devemos ou não adotar um modo de vida que procure remover nosso apoio, na medida do possível e praticável, de todas as formas de exploração e crueldade contra animais para qualquer propósito.

Entendida dessa maneira, “a escolha vegana” é indistinguível de outra ideia com a qual muitos (na verdade, provavelmente todos vocês) estão familiarizados: a ideia dos direitos animais ou, para ser mais preciso, a ideia de como seria o mundo se os direitos animais fossem reconhecidos e respeitados. Pois se eles fossem reconhecidos e respeitados, não por poucos, mas por todos, as pessoas não comeriam carne animal ou produtos de origem animal, assim como não usariam roupas feitas de peles ou lã. Por causa de como essas duas ideias (escolha vegana e direitos animais) se amalgamam, vou usá-las de forma intercambiável.

Agora, os veganos não são conhecidos por seu senso de humor. Isso é fato. Mesmo assim, ouvi algumas boas piadas veganas ao longo do caminho. Como:

Por que a galinha atravessou a estrada?

Porque ela estava sendo perseguida pelo Coronel Sanders [em referência ao fundador da KFC].

Ou algo como:

Por que o vegano atravessou a estrada?

Porque ele estava protegendo a galinha.

E tem:

Quantos veganos são necessários para trocar uma lâmpada?

Dois, um para trocá-la e outro para checar se há insumos de origem animal.

Mas também lembre-se:

Quantos vivisseccionistas são necessários para trocar uma lâmpada?

Nenhum, eles não querem que você veja o que eles estão fazendo.

Como o comediante estadunidense Bill Cosby observa: “Você já notou os clientes [veganos] em lojas de alimentos saudáveis? Eles são pálidos, magrelos e parecem meio mortos. Em uma steakhouse, você vê pessoas robustas e coradas – que estão morrendo, claro, mas, ei! eles parecem formidáveis!

Aqueles que me conhecem sabem disso: Se Tom Regan tem uma mensagem central e recorrente é essa: qualquer chance de realização dos defensores dos direitos animais depende do crescimento do movimento – e crescendo não um pouco, mas muito. O que quero dizer com muito? Não quero dizer centenas, milhares ou dezenas de milhares de novas pessoas abraçando os direitos animais. Nem quero dizer centenas de milhões. Não, o que quero dizer com muito é o que o astrônomo Carl Sagan era conhecido por dizer: Quero dizer bilhões e bilhões. Só se chegar o dia em que bilhões e bilhões de pessoas acreditarem e praticarem os ideais que definem o veganismo, amplamente concebido – só então teremos uma esperança realista de alcançar o que queremos alcançar.

Agora, pessoas diferentes podem ter reações diferentes à enormidade do desafio que encaramos. Uma vez que esse desafio é traçado em termos de números reais (e muito elevados), alguns defensores dos animais dirão (a grosso modo): “Meu Deus, a situação é desesperadora!” Alguns irão além e dirão: “A situação é tão desalentadora que estou jogando a tolha – desistindo – abandonando a causa.”

Entendo essas reações. Quem entre nós não olhou para o que está acontecendo com os animais (mais de 50 bilhões são abatidos no mundo todo anualmente, e isso sem contar a vida marinha) – quem entre nós não abriu os olhos para as dimensões incalculáveis do trágico destino que os animais devem suportar, e não se sentiu totalmente exaurido, completamente exausto, totalmente mitigado pelos desafios que enfrentamos? Sentir desespero diante das esmagadoras adversidades é uma resposta humana perfeitamente natural. Também não é muito útil. Nós não nos incluímos aos nossos números subtraindo-nos do total. Deixe me repetir isso porque é importante: Não nos incluímos aos nossos números subtraindo-nos do total.

Não, a esperança para os animais exige que permaneçamos no curso, enquanto pudermos – até o nosso último suspiro, na verdade. Isso é o mínimo que podemos fazer. E é uma promessa muito pequena quando comparada com o que os animais têm que suportar até o último suspiro.

Uma razão pela qual os desafios que enfrentamos parecem tão grandes é porque tentamos imaginar aqueles bilhões de pessoas se juntando às nossas fileiras, mas por outro lado permanecendo do mesmo jeito. Chegará o dia em que bilhões [de pessoas] não comerão mais a carne de animais mortos nem vestirão suas peles; não irão aos circos nem visitarão os parques marinhos; não comprarão cosméticos que foram testados em animais, e não doarão dinheiro para instituições de caridade que apoiam pesquisas com animais; eles não…bem, você pode adicionar à lista do que eles eliminam de suas vidas. Mas além dessas mudanças, muitos de nós parecem assumir que esses bilhões de pessoas são os mesmos que compõem a maioria da população atual. A única diferença é que eles têm que vir para o nosso lado quando se trata do veganismo ou dos direitos animais.

Quero sugerir que esse modo de pensar é simplista demais. Não estamos tentando apenas mudar alguns velhos hábitos sobre o que as pessoas comem ou vestem. Bilhões de pessoas abraçarão os direitos animais apenas se bilhões de pessoas mudarem de forma mais profunda, mais fundamental, e de forma mais revolucionária. O que quero dizer não é nada menos do que isso: Eles devem abraçá-lo e, em suas vidas, devem expressar uma nova compreensão do que significa ser humano. Como seria esse novo entendimento? Aqui (por meio de um esboço grosseiro) está a minha resposta:

Salve não apenas as baleias e o planeta, mas nós mesmos.

Como seria esse novo entendimento? Isso é o que tenho tentado explicar; é isso que a Geração Ti representa. Os desafios que enfrentamos, então, não podem ser reduzidos a convencer bilhões de pessoas a escolherem o veganismo; isso inclui a transformação de quem são as pessoas de hoje em quem elas podem ser amanhã.  Não algumas delas. Muitas. Bilhões e bilhões.

A situação é desalentadora? Devemos abandonar a causa? Acho que não. Pelo menos não até que tenhamos feito sérios esforços para trazer o tipo de mudança revolucionária que tenho descrito. É pouco provável que consigamos o que queremos alcançar sem entender a natureza dos desafios que enfrentamos. Nunca vamos entender a natureza dos desafios que enfrentamos se pensarmos exclusivamente em ter bilhões e bilhões de pessoas abraçando o veganismo. Porque isso é apenas uma parte, não a totalidade da mudança que buscamos. Quanto às perspectivas do nosso sucesso? Encerro citando brevemente as palavras da imortal Margaret Mead: “Nunca duvide que um pequeno grupo de pessoas conscientes e engajadas possa mudar o mundo. De fato, sempre foi assim que o mundo mudou.”

Referência

Regan, Tom. Vegan Choice. The Animals Voice.

 





Respeito?

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Pintura: Fighting Without a Cause, de Evgeniy Monahov

Não deveria, mas respeito é sempre uma questão abstrusa. Isto porque na prática as pessoas tendem a considerar muitas vezes o respeito como uma característica, virtude ou mesmo sentimento associado à conveniência, não contrariedade e até mesmo sujeição. O clássico te respeito à medida em que concordamos, ou te respeito à medida em que você não toque em tal assunto.

Creio que isso seja extremamente comum hoje em dia em todos os aspectos. Basta se posicionar em um espectro ideológico diferente de alguém. Isso já é o suficiente para “existir desrespeitosamente”, ou talvez colher elogios nada amigáveis por “existir desrespeitosamente”. Claro, mesmo que você não esteja desrespeitando ninguém, mas apenas conversando ou articulando opinião, partilhando alguma informação.

Na realidade, e presumo que não seja novidade para ninguém, que isso não raramente acontece até mesmo dentro de um mesmo espectro ideológico quando nossas inclinações e interpretações pessoais, que nem sempre são uma perspectiva expressa da realidade, nos contaminam ou endossam um tipo peculiar de avessa unilateralidade que emerge diante da mais sutil oposição. Pode não haver manifestação de desrespeito por parte do emissor, mas o receptor pode entender que sim e agir, de fato, com desrespeito; e vice-versa.

Acredito que isso acontece porque temos uma tendência a justificar nossas ações, até mesmo aquelas que não são exemplares ou egrégias, com um manto de conspicuidade ou virtude – um falseamento de transigências. Então a crença no desrespeito, mesmo quando inexistente, é uma forma de nos esquivarmos e justificarmos ações ou reações com as quais não queremos lidar, ou não estamos preparados para lidar porque implicam em repensar. Assim o “desrespeito” pode receber uma couraça de elemento “sui generis”, um remendo constante em involução, em um universo de supositícias virtudes e verdades (in)questionáveis.





Written by David Arioch

April 13th, 2018 at 1:20 am

Tom Regan: “Os direitos animais nos levam a fazer um inventário moral de nossa maneira de viver no mundo”

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“Coloco-me entre aqueles que acreditam apaixonadamente nos direitos animais. Mas minha crença apaixonada não flui da emoção cega”

Em “Animal Rights”, Human Wrongs”, Regan usa como referência a filosofia que rege os direitos humanos como ponto de partida para a discussão dos direitos animais (Foto: Reprodução)

Em 2003, um ano antes do filósofo moral Tom Regan, referência na discussão dos direitos animais, lançar o livro “Empty Cages: Facing the Challenge of Animal Rights”, ele publicou um livro intitulado “Animal Rights, Human Wrongs – An Introduction to Moral Philosophy”. Esta obra de introdução à filosofia moral foi apontada por Regan como a que abriu o caminho para o seu trabalho lançado no ano seguinte. Por isso, é justo dizer que “Empty Cages”, lançado no Brasil como “Jaulas Vazias” em 2006, é uma continuidade das discussões de “Animal Rights, Human Wongs”, mas com duas distinções substanciais. Enquanto o livro de 2003 fala quase que restritamente à razão, o segundo, que tem um escopo mais abrangente, clama também ao coração. Sendo assim, para quem já leu uma das obras, ler a outra permite uma compreensão complementar da perspectiva moral de Regan em relação aos animais que objetificamos, matamos e consumimos para atender supostas necessidades.

Em “Animal Rights”, Human Wrongs”, Regan usa como referência a filosofia que rege os direitos humanos como ponto de partida para a discussão dos direitos animais. O filósofo aborda questões bastante controversas envolvendo o contratualismo de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau; e o utilitarismo gestado por Jeremy Bentham e John Stuart Mill. Pode-se dizer que “Animal Rights, Human Wrongs” é um livro com orientações, e características de guia, que perpassam pela realidade, história, equívocos morais e o ideal posicionamento moral em relação aos seres não humanos. Tom Regan oferece respostas e reflexões para questões complexas e até hoje altamente discutíveis em relação à intransigência humana no tratamento destinado a seres não humanos.

A obra, que de certa forma celebrou os mais de 30 anos do envolvimento de Regan com os direitos animais, também pode ser interpretada como um manual sobre como discutir sobre os direitos animais sem deixar-se vencer pelos arroubos da passionalidade – algo que pode impedir que defensores dos direitos animais consigam transmitir uma mensagem eficaz contrária à exploração animal na perspectiva do filósofo.

Logo no prefácio do livro, o autor diz que algumas pessoas, incluindo ele, são apaixonadas pela convicção de que muitos animais não humanos têm direitos; já outras não são menos apaixonadas pela convicção de que eles não os têm:

“A atmosfera emocionalmente carregada em torno dos partisans de ambos os lados é reminiscente de outras questões morais controversas – aborto e ação afirmativa, por exemplo. Para aquelas pessoas (a grande maioria, por acaso) que não têm fortes convicções em relação aos direitos animais, de uma forma ou de outra, é difícil saber o que pensar.”

Registrado isso, Regan busca orientar aqueles que têm muitas dúvidas sobre como lidar principalmente com opositores aos direitos animais, que frequentemente descrevem os defensores desses direitos como irracionais, emocionais, anticientíficos e misantrópicos. Segundo Regan, essas caracterizações ou estereótipos podem ser verdadeiras para alguns, mas elas não são verdadeiras para a grande maioria dos defensores dos direitos animais.

“A estratégia [do livro] é simples. Fazemos perguntas difíceis, exploramos as possibilidades relevantes e procuramos as melhores respostas. Então vemos onde essas respostas nos levam.[…]  Quando seguimos essa estratégia, acredito que a lógica nos leva a uma conclusão simples: muitos animais não humanos têm direitos. Alguns dos desafios que enfrentamos surgem na teoria moral.”

Primeiro o livro apresenta um referencial de ideias fundamentadas em diferentes filosofias morais; e nas nossas relações com essas ideias. Então utiliza esses parâmetros como um arcabouço para as questões que são desenvolvidas e elencadas no decorrer do livro, mas principalmente nos últimos capítulos. Até porque Regan entende que não há como gerir boas respostas se não considerarmos a base e as motivações que dão origens às perguntas, mesmo que nos pareçam picarescas ou provocativas.

“Animal Rights, Human Wrongs” está dividido nos capítulos “Da indiferença à Defesa”, “Exploração Animal”, “A Natureza e a Importância dos Direitos”, “Visões Indiretas do Dever”, “Visões Diretas do Dever”, “Direitos Humanos”, “Direitos Animais”, “Objeções e Respostas” e “Filosofia Moral e Mudança”. Partindo de um princípio introdutório à filosofia moral, Tom Regan cita que naturalmente teóricos morais fazem com frequência dois tipos de perguntas: “O que torna certos atos certos?” e “O que faz com que os atos errados sejam errados?” Afinal, teorias diferentes oferecem respostas diferentes.

“Apesar dessas diferenças, toda teoria tem algo a dizer sobre quem tem posição moral (que conta moralmente). Por exemplo, algumas teorias morais dizem que todos e apenas os seres humanos têm uma posição moral. Se for verdade, a notícia não é boa para animais não humanos. Se for verdade, os animais não humanos não contam para nada moralmente”, cita Regan partindo de uma comum perspectiva antropocêntrica que ele teve de confrontar ao longo de sua carreira em oposição a filósofos que não reconheciam e não reconhecem os direitos dos animais.

Por outro lado, há teorias morais, incluindo a defendida por ele, que dizem que todos os seres sencientes (capazes de sentir prazer e dor) têm uma posição moral. Claro, sendo verdade, esses animais contam moralmente. “Não pode ser verdade que somente os seres humanos tenham uma posição moral”, enfatiza Regan que introduz o leitor ao entendimento do que são os direitos morais, e por que até hoje os seres humanos têm direitos morais embora não os outros animais.

Ele faz isso de forma a permitir que o leitor tire suas próprias conclusões. Ademais, levanta questões envolvendo certo e errado enquanto posição moral, e defende que quanto mais nos deparamos com dúvidas, críticas e argumentos contrários aos nossos mais fortalecemos a nossa filosofia moral em relação aos direitos animais e também a outras questões:

“Nossa exploração dos direitos dos animais, em particular, serve como uma introdução à filosofia moral em geral. A filosofia moral não é apenas teoria; é repleta de significado prático. Isso significa que, além de fazer perguntas teóricas, também precisamos fazer perguntas práticas, incluindo essa em particular: Que diferença faz se os animais têm ou não direitos morais? Como vemos, não há questão mais importante, julgada do ponto de vista dos animais. Se os animais não têm direitos, então nenhuma das maneiras pelas quais os seres humanos os exploram (como fonte de alimento ou roupas, por exemplo) é errada em princípio, e nenhuma necessidade errada deve ser criada se continuarmos a explorá-lo dessa maneira em um futuro indefinido. Por outro lado, se os animais têm direitos, então todas as formas de exploração deles são erradas, em princípio, e cada uma delas deve ser interrompida imediatamente.”

Para entender a importância dos direitos animais, Regan sugere que as pessoas julguem isso do ponto de vista dos animais, porque neste caso a preocupação é elevada à condição primária: “Também não devemos minimizar a importância dessa questão para nós. Se os direitos dos animais são violados quando eles são criados para a produção de alimentos, presos por causa de suas peles ou usados como instrumentos em pesquisas, então temos o dever de mudar a maneira como vivemos, os alimentos que comemos (ou não comemos) e as roupas que vestimos (ou não vestimos).”

De acordo com Tom Regan, nada reflete melhor a maneira como absorvemos e entendemos a moral do que a prática de nossas vidas diárias. No chamamento à discussão moral em relação ao direito à vida não humana, ele discorre sobre questões como aborto e suicídio assistido por médicos como ações de grande significado prático:

“Em contraste, a questão dos direitos animais nos obriga a perguntar o que devemos fazer quando nos sentamos para a nossa próxima refeição ou quando vamos comprar um casaco novo. Os direitos animais são um tipo de investigação que nos leva a fazer um inventário moral de nossas escolhas mais comuns, nossa maneira de viver no mundo. Como eu disse no início, coloco-me entre aqueles que acreditam apaixonadamente nos direitos animais. Mas minha crença apaixonada não flui da emoção cega ou da falta de respeito pela razão, quanto mais pela misantropia. Acredito nos direitos dos animais porque acredito que a teoria moral na qual seus direitos são afirmados é racionalmente uma teoria mais satisfatória do que aquelas teorias em que seus direitos são negados.” Em “Animal Rights, Human Wrongs”, talvez a pergunta mais importante seja: “Como podemos viver uma vida que respeite os direitos dos outros animais?”

Referência

Regan, Tom. Animal Rights, Human Wrongs. Rowman & Littlefield Publishers. 144 páginas (2003).





Tom Regan x Peter Singer: abolicionismo e utilitarismo, uma discussão sobre os direitos animais

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Tom Regan e Peter Singer, abolicionismo e utilitarismo (Fotos: Reprodução)

A rivalidade de Tom Regan e Peter Singer no campo da filosofia moral que rege os direitos animais surgiu publicamente no início dos anos 1980. Mas foi em 1983 que os dois filósofos passaram a representar dois espectros consideravelmente distintos da discussão sobre os direitos animais. De um lado, Regan, autor de obras como “The Case for Animal Rights” e “Empty Cages”, com uma perspectiva mais próxima do que se entende hoje por abolicionismo animal, e “Peter Singer”, autor do clássico “Animal Liberation”, com um posicionamento utilitarista e pragmático que permite concessões no uso de animais em casos específicos.

Dois anos depois que Tom Regan lançou o seu primeiro clássico – “The Case for Animal Rights”, de 1983, Peter Singer publicou uma crítica ao trabalho de Regan no New York Reviews of Books. E desde então, os dois passaram formalmente a se posicionar cada vez mais publicamente sobre suas diferenças no entendimento dos direitos animais. Porém, apesar das disparidades, os dois nunca se viram ou se consideraram como inimigos. Muito pelo contrário, relegavam suas desconformidades apenas ao campo das ideias e da filosofia.

Exemplo emblemático e histórico dessa rivalidade é uma crítica de autoria de Tom Regan publicada no New York Review of Books em 25 de abril de 1985 em resposta ao artigo “Tem Years of Animal Liberation”, de 17 de janeiro de 1985, que comemorou os dez anos de lançamento do livro “Animal Liberation”, de Peter Singer. Na crítica, Regan relata que nos últimos dez anos ele e Peter Singer traçaram caminhos diferentes, aplicando teorias éticas diferentes a uma variedade de questões morais e sociais, incluindo o tratamento dado aos animais não humanos.

Regan registrou que Singer já se esforçava para apoiar seu argumento com base no que ele chama de “movimento de libertação animal” em cálculos utilitaristas: “No livro ‘The Case for Animal Rights’, que recebeu uma resenha de Singer nestas páginas, tentei estabelecer as bases teóricas para o que, em contraste com Singer, chamo de ‘o movimento pelos direitos animais’.”

Em uma discussão sobre a obra “The Case for Animal Rights”, Tom Regan e Peter Singer tiveram um impasse em 1985 sobre uma história hipotética envolvendo o caso de um bote salva-vidas em que alguns seres humanos dividem o espaço com um cão. Porém, para a sobrevivência da maioria, um deles deveria deixar o bote. O dilema baseado em um exemplo, que naturalmente não faz parte de uma realidade comum, acirrou ânimos, mas serviu para ilustrar convergências e divergências entre as perspectivas filosóficas de Regan e Singer na década de 1980:

Nas palavras de Tom Regan

Há mais do que uma diferença verbal aqui. É pelo apelo aos direitos animais que a visão de direitos, como chamo a posição desenvolvida em meu livro, emite sua condenação categórica da escravidão, por exemplo. Essa instituição está categoricamente errada, sejam quais forem as consequências, porque sistematicamente viola o direito dos seres humanos de serem tratados com respeito. A posição de Singer, no entanto – (supondo que os interesses iguais foram considerados igualmente) – é o de que a escravidão esteja errada por causa das consequências, uma posição que, por fazer com que o erro da instituição esteja sujeito consequências, claramente implica que a escravidão não seria errada se as consequências fossem otimistas [sic]. É difícil exagerar a diferença moral radical entre o utilitarismo de Singer e a visão de direitos.

Essa mesma diferença pode ser ilustrada quando consideramos o tratamento dos animais. A visão de direitos oferece uma condenação categórica do uso nocivo dos animais na ciência, por exemplo, exigindo sua total abolição. E faz isso independente dos apelos às consequências, repousando seu caso aqui, como no caso de sua condenação da escravidão, na violação sistemática dessa instituição do direito dos animais de serem tratados com respeito. Como um utilitarista, Singer não pode oferecer uma crítica que seja independente dos apelos às consequências; de fato, ele é obrigado a admitir – e ele tem admitido – que alguns usos nocivos dos animais em benefício da ciência podem ser moralmente permissíveis. A posição de Singer não é antivivissecionista. A visão dos direitos é. Mais uma vez, a diferença entre as duas posições não poderia ser mais clara.

“The Case for Animal Rights”, como a discussão anterior sobre as instituições da escravidão de bens móveis e o uso prejudicial de animais na ciência, pode sugerir uma preocupação com a oferta de uma base para avaliar práticas e políticas sociais em andamento.  Isso é algo que um leitor da crítica de Singer pode perder, já que Singer concentra seu fogo crítico, não neste aspecto do livro, mas na minha breve discussão sobre um caso de salva-vidas: quatro humanos normais e adultos e um cachorro morrerão a menos que um dos humanos sacrifique sua vida; ou um dos humanos ou o cachorro seja jogado ao mar. Seria errado jogar o cachorro no mar nessas terríveis circunstâncias? Eu não acredito que seria, e eu argumento que a visão de direitos apoia este julgamento. Singer, por sua vez, “confessa ter alguma dificuldade em compreender” minha resposta, e pergunta se minha disposição em sacrificar o cão neste caso pode não ser inconsistente com minha oposição categórica ao uso nocivo de animais na ciência.

Não há inconsistência aqui, entretanto, já que os dois casos diferem de maneira moralmente crucial. No caso do uso nocivo de animais na ciência, animais são coercitivamente colocados em risco, riscos que eles não correm de outra forma, para que outros possam se beneficiar. Dia após dia, eles são forçados a correr riscos por nós (e pelos outros), e assim são institucionalmente tratados como se existissem como meros recursos, cujo lugar no esquema moral das coisas é servir aos interesses de outros indivíduos. Essa transferência coercitiva de riscos, de outros para esses animais, quando os próprios animais não correm o risco de sofrer os danos que lhes são impostos é, como explicarei detalhadamente no caso, uma violação indefensável de seu direito de ser tratado com respeito.

O caso do bote salva-vidas é diferente. O risco de morte do cão é assumido como sendo o mesmo de cada um dos sobreviventes humanos. E ainda é assumido que ninguém corre esse risco por causa de violações precedentes de direito; por exemplo, ninguém foi forçado ou enganado a bordo. Os sobreviventes estão todos no bote salva-vidas porque, digamos, uma embarcação maior afundou ou o rio inundou.

Não há indício de inconsistência, portanto, em fazer julgamentos morais diferentes nos dois casos. É errado – categoricamente errado – coercitivamente colocar um animal em risco de dano, quando o animal não correria esse risco, para que outros pudessem se beneficiar; e é errado fazer isso em um contexto científico ou em qualquer outro contexto, porque tal tratamento viola o direito do animal de ser tratado com respeito, reduzindo o animal ao status de um mero recurso, um mero meio, uma coisa. No entanto, não é errado jogar o cão do bote salva-vidas ao mar se o cão corre o mesmo risco de morrer que os outros sobreviventes, se ninguém violar o direito do cão ao colocá-lo a bordo, e se todos a bordo do bote perecerão se continuarem em sua condição atual.

Dado que essas condições são satisfeitas, a escolha de quem deve ser salvo deve ser decidida pelo que chamo de princípio de dano. O espaço me impede de explicar esse princípio aqui (veja o livro “Case For the Animal Rights”, capítulos 3 e 8). É suficiente dizer que ninguém tem o direito de fazer com que o seu menor dano seja maior do que o maior dano do outro. Assim, se a morte seria um dano menor para o cão do que seria para qualquer um dos sobreviventes – (e esta é uma suposição que Singer não contesta) – então o direito do cão de não ser ferido não seria violado se ele fosse lançado ao mar. Nessas circunstâncias perigosas, suponho que nenhum direito de ser tratado com respeito tenha sido parte de sua criação, o direito individual do cão de não ser prejudicado deve ser ponderado de forma equitativa contra o mesmo direito individual de cada um dos sobreviventes humanos.

Ponderar esses direitos dessa maneira não é violar o direito de qualquer pessoa de ser tratada com respeito; exatamente o oposto é verdadeiro, e é por isso que os números não fazem diferença nesse caso. Dado que o que devemos fazer é pesar o dano enfrentado por qualquer indivíduo contra os danos enfrentados pelo outro indivíduo, em relação a um indivíduo, não em relação a uma base coletiva, então não faz diferença quantos indivíduos sofrerão menos, ou qual indivíduo sofrerá mais. Não seria errado lançar um milhão de cães ao mar para salvar os quatro sobreviventes humanos, supondo que o caso do bote salva-vidas fosse o mesmo. Mas também não seria errado lançar um milhão de humanos ao mar para salvar um sobrevivente canino, se o dano que a morte causaria aos humanos fosse, em cada caso, menor do que o dano que a morte causaria ao cão.

Tendo tentado aqui dissipar os fundamentos da confessa “dificuldade” de Singer em entender o meu tratamento do caso do bote salva-vidas, quero enfatizar novamente o meu ponto anterior, que “The Case” tenta oferecer uma base teórica para avaliar a ética das práticas sociais em cursos e instituições, e, no curso disso, atende à tarefa de lançar as bases do movimento dos direitos dos animais. Fazer muito da minha breve discussão sobre uma ocorrência isolada, bizarra e pouco comum – o caso do bote salva-vidas – é perder a maior parte do que “The Case” apresenta, seja [a obra] bem-sucedida ou não.

Nas palavras de Peter Singer

Regan procura enfatizar as diferenças entre a sua visão e a minha. Ele diz que sua posição requer a abolição total do uso nocivo de animais na ciência, enquanto a minha não. É verdade que, numa visão utilitarista, poderia haver circunstâncias em que um experimento com um animal pudesse reduzir tanto o sofrimento, que seria permissível realizá-lo mesmo que envolvesse algum dano ao animal. (Isso poderia ser verdade, aliás, mesmo se o animal fosse um ser humano). Mas se concentrarmos na prática social da experimentação, uma posição utilitarista exige que procuremos acabar com esses trágicos conflitos de interesses, desenvolvendo métodos de pesquisa que não envolvem o uso nocivo de criaturas sencientes. A abolição de todos os usos nocivos dos animais na ciência é, portanto, tanto o objetivo do meu ponto de vista quanto o de Regan.

Mas, Regan protestaria, pois o utilitarismo é apenas um objetivo final; na visão de direitos é um requisito imediato. De fato – pensando ainda na prática social da experimentação como um todo, e não em casos individuais, bons argumentos utilitaristas poderiam ser oferecidos para a imediata abolição da experimentação animal. Seria imensa a quantidade de animais poupados do sofrimento; os benefícios perdidos na melhor das hipóteses seriam incertos; haveria um incentivo que proporcionasse o rápido desenvolvimento de meios alternativos de condução de pesquisas, as mais poderosas imagináveis.

Se, por outro lado, desviarmos nossa atenção da prática social existente de experimentação para casos hipotéticos, então a visão de Regan também não pode consistentemente implicar a abolição total de todos os usos nocivos de animais na ciência. Em minha análise, sugeri que, dado o que ele diz sobre o caso do bote salva-vidas, ele não pode negar consistentemente que seria permissível sacrificar um número ilimitado de cães para salvar uma vida humana. Ele agora responde que o caso do bote salva-vidas é diferente da experimentação animal, porque os animais no bote salva-vidas não foram coagiados à situação em que correm risco de sofrer danos. Essa diferença, no entanto, não distingue a situação do barco salva-vidas de todas as circunstâncias possíveis em que os animais são usados em experiências.

Suponha, por exemplo, que um vírus novo e fatal afete os cães e os seres humanos. Cientistas acreditam que a única maneira de salvar as vidas de qualquer um dos afetados é realizar experimentos com alguns deles. Os sujeitos dos experimentos morrerão, mas o conhecimento adquirido significará que outros afetados pela doença viverão. Nesta situação, os cães e os seres humanos estão em perigo igual, e o perigo não é resultado de coerção. Se Regan acha que um cão deve ser expulso do bote salva-vidas para que os seres humanos possam ser salvos, ele não pode consistentemente negar que devemos usar um cão doente para salvar humanos doentes.

Isso não é tudo. Desde que Regan diz que nesses casos os números não contam, e um milhão de cães deve ser jogado ao mar para salvar um único ser humano, ele teria que dizer que seria melhor realizar o experimento em um milhão de cães do que realizar em um único humano. Aqui podemos ver as extraordinárias consequências da recusa em tomar conhecimento dos números: nas circunstâncias descritas, a suposta visão “totalmente abolicionista” de Regan permite muito mais – na verdade, literalmente e infinitamente mais – experimentação animal do que a visão utilitária que acrescenta que até o dano sofrido pelos cães em algum ponto é muito maior do que o dano que seria sofrido por um único ser humano.

Independentemente dessa consequência infeliz da visão de Regan, parece errado sustentar que o que podemos fazer a um cão em um bote salva-vidas depende de como o cão passou a estar no bote salva-vidas em primeiro lugar. O ponto é bem feito em um artigo não publicado por Dale Jemieson, um filósofo da Universidade do Colorado. Como Jamieson argumenta, dificilmente parece apropriado perguntar, antes de decidirmos colocá-los em nosso bote salva-vidas, se os animais ou pessoas que afogam estão na água porque foram empurrados (o que presumivelmente seria uma violação de seus direitos), ou porque caíram (o que não seria). Portanto, Regan não conseguiu conciliar o que ele diz sobre o caso do barco salva-vidas com seu apoio declarado à abolição total da experimentação animal. Concordo inteiramente, entretanto, que tais casos hipotéticos bizarros não têm nenhum significado prático. O valor prático do livro de Regan está em seus ataques às nossas práticas sociais de usar animais como ferramentas de pesquisa e como meros pedaços de carne viva e palatável. Sobre essas questões práticas, Regan e eu estamos em total concordância. Vista da perspectiva de uma sociedade que continua a aceitar essas práticas, as diferenças filosóficas entre nós pouco importam.

Referência

Regan, Tom; Singer, Peter. The Dog in the Lifeboat: An Exchange. The New York Review of Books (25 de abril de 1985).





Plutarco e a relação entre a violência e o consumo de carne

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“Me pergunto qual foi a sensação do primeiro homem que colocou a carne de um animal assassinado em sua boca”

Plutarco teve influência sobre o vegetarianismo ético no Ocidente (Arte: Reprodução)

Dos filósofos gregos da Antiguidade, é provável que Plutarco, a quem costumeiramente é atribuído o entendimento moderno do que foi a Grécia Antiga, tenha sido o mais enfático e o mais pontual na crítica à exploração animal. Autor de “De Esu Carnium”, ou “Do Consumo da Carne”, escrito no século I, que integra uma de suas obras mais importantes – “Moralia”, o filósofo platonista, biógrafo e ensaísta grego, que se voltava para a discussão das questões morais, escreveu que o “hábito selvagem” do consumo de carne inclina a mente à brutalidade, ao derramamento de sangue e à destruição quando o endossamos e o reconhecemos como parte de uma realidade natural.

No capítulo “Do Consumo da Carne”, da obra “Moralia”, Plutarco defende que desde que o ser humano teve acesso a uma praticamente inesgotável fonte de alimentos de origem vegetal é inaceitável o consumo da carne de animais que não seria possível “sem mascarar o sabor do sangue com milhares de especiarias”. A contrariedade do filósofo grego, que mais tarde influenciaria o vegetarianismo ético no Ocidente, era baseada em uma recusa moral, já que a sua rejeição à carne como alimento era uma consequência da ponderação de que o consumo de carne depende do sofrimento e da morte dos animais, logo uma desconsideração do valor da vida não humana.

Plutarco também escreveu que, ao assar ou ferver a carne, o ser humano altera o seu gosto natural e depois se intruja usando especiarias e mel para cobrir o sabor do sangue e “esconder a sua culpa por comer algo que tinha uma alma”: “Me pergunto qual foi a sensação do primeiro homem que colocou a carne de um animal assassinado em sua boca. […] Ele chamou de iguarias as partes que um animal usava para rugir, falar, mover e ver.” […] Como seus olhos podem admirar o sangue de criaturas abatidas, esfoladas e esquartejadas? Como seu nariz pôde suportar o mau cheiro?”

Para o filósofo grego, se uma pessoa realmente acredita que nasceu para consumir carne, ela deve pelo menos assumir a responsabilidade de matar o que há de comer. Ele diz que quem se considera, de fato, carnívoro, precisa abdicar do uso da faca, da marreta ou do machado; e agir como os lobos, os ursos e os leões, que se alimentam ao mesmo tempo em que matam. Plutarco desafia as pessoas a “rasgarem um boi com os dentes”, “roerem um porco ainda vivo” ou a reduzirem “um cordeiro ou uma lebre em pedaços” usando apenas as mãos e a boca.

Tal costume de não assumir a responsabilidade sobre o abate é o que permite a dissociação entre a morte animal e o consumo de carne. Assim permitindo que o paladar esteja em acordo com a barbárie alimentar. Plutarco cita um episódio em que um lacedemônio comprou um peixe em uma pousada e o entregou ao seu senhorio. O homem então exigiu que o preparasse com queijo, vinagre e óleo. O lacedemônio respondeu que se tivesse todos esses ingredientes, não teria porque comprar o peixe:

“Mas somos tão despreocupados em relação ao nosso luxo sangrento que atribuímos à carne o nome de carne; e então exigimos outro tempero para a mesma carne, misturando óleo, vinho, mel, salmoura e vinagre, com especiarias árabes.” Na perspectiva plutarquiana, Pitágoras se absteve do consumo de carne com razão, ponderando que aquilo a que as pessoas chamam simplesmente de “carne” era parte do corpo de um animal não humano, logo importante a ele. Plutarco condenava a banalização do sangue dos corpos abatidos, esfolados e maculados, observando que o mau cheiro era sempre ofuscado como forma de “não ofender o paladar”.

Ele admite que em outros tempos talvez o consumo de carne pudesse ser justificado pela escassez de alimentos vegetais, dependendo da localização geográfica. Porém, em sua época, o consumo de carne já não era visto como essencial, mas somente uma reafirmação de status, distinção social, e expressão de extravagantes concupiscências. “O seu crescente e despreocupado capricho relacionado à variedade excessiva de provisões [de origem animal] trouxe prazeres tão insociáveis como estes contra a natureza”, anotou Plutarco. Tal observação foi feita pelo filósofo arrazoando que à época uma minoria estava imersa nos excessos da carne. Por isso, ele a considerava também um costume insociável, bravio e segregacionista.

“Que abundância de coisas brotam para o seu uso! De quantas vinhas frutíferas você pode desfrutar! Que riqueza você recolhe dos campos! Que iguarias das árvores e das plantas, você pode reunir!  Você pode fluir e preencher-se sem poluir. […] Quanto a nós, caímos sobre a parte mais triste e assustadora do tempo, na qual fomos expostos a desejos múltiplos e inextricáveis.”

O filósofo defendia que todos poderiam viver melhor, de forma mais justa e pacífica, se partilhassem da mesma nutrição sem alimentos de origem animal. No seu entendimento, a exaltação do consumo da carne trouxe a gula e a degeneração, e transformou o racional em irracional. “Que refeição não é cara? Aquela em que nenhum animal é morto”, afirma. Valendo-se dos ensinamentos de Empédocles, Plutarco cita que não devemos ignorar o sentimento, a visão, a audição, a imaginação e a intelecção que cada animal recebeu da natureza para adquirir o que é aceitável e evitar o que é desagradável.

Ele reconhecia a grande diversidade dos alimentos de origem vegetal, assim não vendo qualquer justificativa para que os humanos transgredissem o que ele definia como “lei da natureza”, que era a não intervenção na vida não humana visando o abate que nada atende além dos vícios do paladar. “Por que se deixar levar pela voracidade e pelo frenesi nesses dias, contaminando-se com o sangue, quando há abundância de alimentos necessários à sua subsistência? Por que você acredita que a terra não é capaz de mantê-lo vivo? […] Você não se envergonha de misturar as frutas e os vegetais com sangue e morte?”, questiona.

Plutarco associava à naturalização do consumo de carne e da violência contra não humanos com os hábitos dos mais abastados, porque esses representavam a maior parte dos glutões consumidores de carne de seu tempo, que foram os responsáveis por despertar o mesmo ímpio desejo entre os plebeus e miseráveis. “Ó, terrível crueldade! É verdadeiramente uma visão desconfortável a mesa de pessoas ricas que mantêm cozinheiros e fornecedores à sua disposição para abastecê-los com corpos mortos em sua alimentação diária. Mas é ainda pior ver que os mamíferos são afastados da natureza para que os matem em quantidade que nem mesmo consumirão. Estes, portanto, foram mortos sem propósito”, critica.

Ele qualificava como um equívoco o ser humano se intitular carnívoro, ponderando que nos falta a aptidão e as características dos animais naturalmente carnívoros: “Não temos o bico de um falcão, garras e dentes afiados, nem mesmo um estômago apto a digerir adequadamente uma alimentação pesada de carne. Partindo da suavidade da língua e da lentidão do estômago para digeri-la, a natureza parece renunciar toda a pretensão dos víveres carnudos. […] Uma vez, Diógenes arriscou-se a comer um grande contingente de carne crua, para que pudesse se desfazer da carne preparada no fogo; e enquanto vários sacerdotes estavam ao seu redor, ele colocou a cabeça na sua plataforma, o peixe na boca e disse: ‘É por sua causa, senhores, que me coloco em perigo e corro esse risco.’”

Plutarco não negava que o ser humano é capaz de consumir carne, porém reconhecia que a tolerância humana para o consumo de carne é bem diferente daquela dos animais carnívoros, já que nossas limitações são muito mais axiomáticas: “Temos os prejuízos provocados tanto no corpo como na alma dos consumidores. Os incômodos da digestão e aquela desconfortável sensação de peso.” O filósofo grego acreditava que o consumo de carne brutificava a mente e o intelecto humano. Por isso, frisa em “Do Consumo da Carne”, que o próprio estômago não é culpado pelo derramamento de sangue, mas é involuntariamente maculado pela nossa intemperança.

Ele narra que os primeiros homens a alegarem que não devemos justiça aos animais foram os primeiros a baterem o “aço maldito”, fazendo com o que o boi sentisse a lâmina penetrando sua carne. Baseando-se em suas pesquisas, Plutarco concluiu que tiranos e opressores foram os primeiros a legitimarem o derramamento de sangue. Cita como exemplo o primeiro homem que os atenienses mataram deliberadamente. Mais tarde, incorrendo na prática de matarem outros sem direito a um julgamento justo.

Logo passaram a violentar desnecessariamente animais selvagens e a comê-los. Insatisfeitos com a carne das “feras”, os atenienses passaram a matar pequenas aves e peixes: “E o desejo do abate, pela primeira vez experimentado e exercitado, chegou ao cordial boi, às ovelhas que nos vestem, e ao pobre galo que guarda a casa. Até que, pouco a pouco, a força insaciável fora fortalecida pelo uso, e os homens chegaram ao abate de homens, e ao derramamento de sangue, e às guerras.”

O filósofo grego via o hábito de criar animais dóceis com fins de abate, ou seja, seres indefesos, incapazes de escaparem da crueldade humana, como um exemplo clássico da tirania e da vilania em relação às outras espécies. E mais do que isso, como uma prova incontendível da ação humana em arbitrariedade aos desígnios da natureza. Afinal, sempre escolhiam os animais mais fáceis de serem domesticados fora da natureza selvagem. E a esses animais era legado um destino cruel. Ferros incandescentes eram espetados nas gargantas dos suínos, visando garantir uma carne mais tenra e macia conforme o sangue fluía com mais facilidade em decorrência dos golpes.

Também era costume saltar sobre os ventres e os úberes de porcas prenhas, pouco antes destas parirem, fazendo com que o sangue se misturasse ao leite e aos fetos – o que deixava a “carne mais suculenta”. Os homens cegavam cisnes e outras aves criadas em cativeiro, com a finalidade de as condicionarem a uma alimentação forçada que pudesse enriquecer pratos exóticos. E nada disso tinha relação com a necessidade, mas simplesmente com a glutonaria, o prazer da vilania, na concepção plutarquiana. “O início de uma dieta viciosa é acompanhado por todos os tipos de luxo e carência”, censura.

Dentre os filósofos gregos da Antiguidade, Plutarco recomenda em “Do Consumo da Carne” que aqueles que buscam uma formação humana mais civilizada devem seguir os ensinamentos de Pitágoras e Empédocles, em uma clara referência à defesa da abstenção do consumo de animais. São pensadores que, segundo ele, “incitam os seres humanos a se aproximarem dos outros membros da criação”:

“Chamas selvagens e ferozes outros carnívoros, os tigres, os leões e as serpentes, enquanto manchas no sangue as tuas mãos, e em espécie alguma de barbárie lhes ficas inferior. E para eles, todavia, o assassinato é apenas o meio de se sustentarem; para ti, é uma lascívia supérflua. Aos inocentes, aos mansos, aos que não têm auxílio nem defesa — a esses perseguimos e matamos. Só para ter um pedaço da sua carne, os privamos da luz do sol, da vida para que nasceram. Tomamos por inarticulados e inexpressivos os gritos de queixume que eles soltam e voam em todas as direções, quando na realidade são instâncias e súplicas e rogos que cada um deles nos dirige dizendo: ‘Não é da verdadeira satisfação das vossas reais necessidades que queremos livrar-nos, mas da complacente luxúria dos vossos apetites.’”

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Plutarco nasceu em Queroneia, na Beócia, na Grécia Central, no ano de 46, e faleceu em Delfos, também na Grécia, no ano 120.

Além de “Moralia”, outra obra importante do filósofo grego é “Vidas Paralelas”.

Referências

Plutarchus, Moralia: Volume VI, Fascicle 1 (Bibliotheca scriptorum Graecorum et Romanorum Teubneriana). C. Hubert. H. Drexler.  Bibliotheca scriptorum Graecorum et Romanorum Teubneriana.  K.G. SAUR VERLAG. Segunda reimpressão da segunda edição de 1958 (2002).





 

Séneca: “Resolvi abster-me do consumo de carne e, no final de um ano de abstinência, foi tão fácil quanto prazeroso”

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“Insaciável, insondável, a gula procura cada terra e cada mar”

“Eu simplesmente me privo da comida dos leões e dos abutres. […] Nós só reconhecemos o som da razão quando nos separamos da multidão (Arte: Peter Paul Rubens)

Lúcio Aneu Séneca, mais conhecido como Séneca, foi um importante filósofo do Império Romano, dramaturgo de prestígio, conselheiro do imperador Nero e um dos homens mais influentes de seu tempo. Na juventude, ele teve contato com a filosofia por influência de Átalo O Estoico, Sotion e Papírio Fabiano que faziam parte da escola filosófica criada por Quinto Séxtio, combinando pitagorianismo e estoicismo.

Em “Epistulae Morales ad Lucilium”, ou “Epístolas de Séneca” ou “Cartas a Lucílio”, Séneca narra que ele decidiu abdicar do consumo de animais no início dos seus 20 anos por influência de Sotion. Costumava dizer-lhe por que Pitágoras se absteve de consumir animais, e por que, mais tarde, ele também fez isso.  “[Já] Séxtio acreditava que o homem tinha opções o suficiente sem precisar recorrer ao sangue, e que um hábito de crueldade é formado sempre que o abate é praticado por prazer. Além disso, ele concluiu que deveríamos restringir as nossas ‘fontes de luxo”, argumentando que uma dieta variada era contrária às leis da saúde e não era adequada às nossas constituições.”

Mais tarde, Séneca começou a despertar atenção negativa, porque no império de Tibério César seus hábitos passaram a ser comparados aos de seguidores de religiões estrangeiras, como os cristãos. “Motivado pelo pitagorianismo, Séneca tornou-se um vegetariano estrito. Quando Séneca O Ancião descobriu o novo entusiasmo de seu filho, ele o advertiu sobre as responsabilidades da vida pública ao ser visto como um excêntrico”, consta na página 20 do livro “Seneca: The Tragedies”. Naquele tempo, os primeiros cristãos tinham hábitos vegetarianos e partilhavam da compaixão por todas as criaturas.

Séneca escreveu que os princípios pitagóricos que envolvem a abstenção do consumo de carne favorecem a bondade e a inocência. E mesmo que os benefícios desse não consumo não fossem aqueles enumerados por Pitágoras, principalmente no que diz respeito à metempsicose ou transmigração de almas, que fala que devemos respeitar todas as criaturas porque nós também podemos renascer como animais não humanos, há algo que, do ponto de vista de Séneca é inquestionável – o fato de que abdicar do consumo de animais aproxima o ser humano da frugalidade e o afasta da crueldade contra animais não humanos.

“Eu simplesmente me privo da comida dos leões e dos abutres. […] Nós só reconhecemos o som da razão quando nos separamos da multidão. O próprio fato da aprovação da multidão é uma prova da falta de prática ou de opinião. Pergunte o que é melhor, não o que é costume. Deixe-nos amar a temperança – sejamos justos – deixemos nos abster do derramamento de sangue. Ninguém está tão perto dos deuses quanto aquele que demonstra bondade”, registrou Séneca na epístola 108 de “Epistulae Morales ad Lucilium”.

Séneca cita os ensinamentos de Sotion que afirmava que o homem pode encontrar suficiência de alimentos sem precisar explorar ou matar animais. Segundo ele, a crueldade tornou-se habitual a partir do momento em que a prática de abater animais foi associada à gratificação do apetite. “Movido por esses argumentos, resolvi abster-me do consumo de carne e, no final de um ano de abstinência, foi tão fácil quanto prazeroso”, confidenciou nas epístolas.

De acordo com The Hidden History of Greco-Roman Vegetarianism, de Nathan Morgan, Séneca também foi influenciado pelos ensinamentos de Epicuro e, ao adotar uma “alimentação vegetariana”, ele também passou a criticar a crueldade dos jogos romanos oferecidos como distração aos cidadãos. O que ele definia como uma das decadências de seu tempo, pelo fato de não haver necessidade de instigar a rivalidade entre seres humanos e não humanos.

Em crítica aos hábitos alimentares exóticos da época, o filósofo romano declarou que ninguém precisava de javalis de mais de 450 quilos nem da língua de pássaros raros para satisfazer o paladar ou a fome, em crítica aos excessos despertados pelo consumo de carne: “Devo admirar você somente quando não desprezar o pão simples, quando você se convencer de que as ervas não existem apenas para os outros animais, mas para o seres humanos também. Os vegetais são o suficiente para o nosso estômago e para garantir a continuidade de nossas valiosas vidas.”

Na página 546 do livro “The Oxford Handbook of Animals in Classical Thought and Life”, editado por Gordon Lindsay Campbell, Daniel A. Dombrowski informa que Séneca acreditava que a causa psicológica do consumo de carne estava relacionada à ambição humana. Essa afirmação vai ao encontro das “Cartas a Lucílio”, especialmente a passagem em que ele lamenta que incontáveis navios de todos os mares eram deslocados com provisões para alimentarem apenas uma boca, uma poderosa, mas ainda assim uma única boca humana, enquanto um boi ficava satisfeito com a pastagem de um ou dois acres.

Ele também observou que enquanto uma floresta era o suficiente para vários elefantes o ser humano seguia sua nefasta jornada como o responsável pela pilhagem de toda a terra e de todos os mares. Isso explica ainda porque ele costumava se referir aos glutões que consumiam grandes quantidades de carne como “escravos da barriga”. Defensor de uma alimentação simplificada, e que não incluía alimentos de origem animal, na epístola 95, Séneca aponta como um problema o surgimento de uma força “supernumerosa” de médicos, de instrumentos cirúrgicos e medicamentos, porque isso significava que o número de pessoas doentes estava aumentando vertiginosamente.

O filósofo romano via isso como consequência de maus hábitos alimentares, entre os quais os excessos do consumo de alimentos de origem animal. “Muitos pratos induziram a muitas doenças. Observe o quão vasta é a diversidade de vidas que um estômago recebe. Insaciável, insondável, a gula procura cada terra e cada mar. Alguns animais perseguimos com armadilhas, redes de caça, ganchos, não poupamos nenhum tipo de trabalho para submetê-los ao nosso jugo. Não há permissão para qualquer espécie viver em paz.  Não é de se admirar que com uma dieta tão exagerada as doenças variam tanto”, lamenta na epístola 95.

Correndo o risco de ser executado como um traidor, Séneca foi obrigado pelo governo imperial a abdicar da abstenção de alimentos de origem animal. Seus hábitos alimentares passaram a ser vistos como uma ameaça à ordem. No entanto, isso não o impediu de estimular outras pessoas a seguirem por esse caminho por meio de suas 124 cartas, mais tarde transformadas na famosa obra “Epistulae Morales ad Lucilium”. Ainda assim, abdicar de sua nutrição essencialmente vegetal também não o impediu de ser morto, já que o imperador Nero o acusou de participar de uma conspiração para assassiná-lo.

Até hoje a maior parte dos pesquisadores da história e da obra de Séneca defende que ele jamais participou desse plano. A desconfiança de Nero, supostamente reforçada pela inveja que ele tinha do prestígio de seu conselheiro, custou a vida do filósofo romano que foi compelido a suicidar-se em Roma aos 68 anos, no ano 65 do século I. Além de suas cartas e ensaios filosóficos, outro importante legado deixado por Séneca são as tragédias “Medeia” e “Tiestes”, que influenciaram a tragédia e o drama europeu durante e após o Renascimento.

No livro “Ethics of Diet”, publicado em 1883, Howard Williams enfatiza que Séneca foi um ser humano excepcional, de pensamentos elevados, e essencialmente bom no melhor sentido da palavra; que não se limitava ao lugar-comum e a uma moral convencional. Diferente dos muitos oradores de sua época, que conquistavam facilmente aprovação e aplausos com seus enunciados clichês, Séneca instigava a dúvida e a reflexão, porque entendia que só a mudança de consciência e pensamento poderia permitir ao ser humano rever a sua conduta de vida em todas as suas relações. Os seus discursos não raramente demandavam abnegação, autocontrole e uma consciência para além da concepção ortodoxa do mundo e da vida.

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Lúcio Aneu Séneca, filho de Séneca o Ancião, nasceu em Córdova, atual Andaluzia, no ano 4 antes da Era Cristã. Por influência de sua tia, acabou eleito questor após o ano de 37 do século I, o que deu-lhe o direito de ocupar um lugar no senado romano. Séneca foi considerado o mais importante filósofo estoico durante o Renascimento.

Referências

Seneca. Letters From A Stoic: Epistulae Morales AD Lucilium: All Three Volumes.  CreateSpace Independent Publishing Platform; Combined edition (2014).

Phillips, Howard. The Ethics of Diet: An Anthology of Vegetarian Though. White Crow Books (2010).

Campbell, Gordon Lindsay. Daniel A. Dombrowski. The Oxford Handbook of Animals in Classical Thought and Life. Oxford University Press (2014).

Seneca. Seneca: The Tragedies. Página 20. Series: Complete Roman Drama in Translation. Johns Hopkins University Press; 1st edition (1995).

Morgan, Nathan. The Hidden History of Greco-Roman Vegetarianism. Encyclopedia Britannica. Advocacy for Animals (2010).

Tyson, Jon-Wynne. The Extended Circle: A Dictionary of Humane Thought. Penguim Group. United Kingdom (1990).

 





 

Pitágoras, o primeiro filósofo grego a reprovar o consumo de carne e a matança de animais

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“Enquanto come as articulações de um cordeiro, você festeja com seus bons amigos e vizinhos”

Pitágoras: “Enquanto o ser humano for implacável com as criaturas vivas, ele nunca conhecerá a saúde e a paz” (Pintura: Peter Paul Rubens)

Dos filósofos da Grécia Antiga, Pitágoras é sempre apontado como o primeiro a questionar e a criticar o consumo de carne e a matança de animais. A ele é atribuída a célebre frase: “Enquanto o ser humano for implacável com as criaturas vivas, ele nunca conhecerá a saúde e a paz. Enquanto os homens continuarem massacrando animais, eles também permanecerão matando uns aos outros. Na verdade, quem semeia assassinato e dor não pode colher alegria e amor.” Tal frase foi registrada pelo poeta romano Ovídio, reproduzindo o discurso do filósofo grego.

Embora Pitágoras tenha se aproximado do que seria definido mais tarde como um tipo de vegetarianismo místico, há registros e histórias que revelam que ele realmente se preocupava com os animais não humanos, não apenas com a mácula e com a violência que o consumo de animais poderia causar e estimular. Para o pensador, a abstenção do consumo de animais poderia permitir que o ser humano alcançasse um grau mais elevado de consciência.

Ademais, independente de sua motivação em relação à defesa do não consumo de carne, o filósofo grego que nasceu em Samos séculos antes do surgimento do cristianismo é uma prova do quão é equivocada a crença de que a rejeição ou a crítica ao consumo de animais é uma premissa contemporânea. Esse seu posicionamento, em menor ou maior proporção, influenciou diretamente filósofos e pensadores como Plutarco, Sócrates, Platão, Teofrasto, Empedócles, Ovídio, Séneca e Apolônio de Tiana, entre outros.

Pitágoras chegou a associar o ato de comer carne com uma forma de canibalismo, e naturalmente o ato de matar animais para consumo como assassinato. Para entender essa sua posição basta partirmos da perspectiva de que nós seres humanos também somos animais, portanto, temos um vínculo de parentesco com os animais. Mas ainda assim nos alimentamos de animais.

Ele acreditava que tanto os animais humanos quanto os não humanos têm alma. A sua crença na transmigração de almas, ou seja, na ideia de que seres humanos podem renascer como animais não humanos e vice-versa endossava a sua posição, embora com um viés místico que mais tarde seria rejeitado pelo vegetarianismo ético. Porém, nem por isso, Pitágoras deixou de influenciar o vegetarianismo ético e até mesmo o veganismo como conhecemos hoje, já que à sua maneira, e considerando o contexto da época, ele também questionava a objetificação animal.

“As proibições de Pitágoras contra a matança e o consumo de animais não eram baseadas em superstições, totemismos ou tabu”, afirma a pesquisadora Mary Ann Violin no artigo “Pythagoras – The First Animal Rights Philosopher”, que integra o volume 6 do jornal de filosofia “Between the species”, publicado em 1990. Pitágoras defendia que não é menos bárbaro derramar o sangue de um animal do que o de um ser humano.

O filósofo grego expressou horror pela ideia de colocarmos cadáveres de outros animais dentro de nós. Ele considerava errado nos alimentarmos da “triste carne de animais assassinados”. Como registrado na obra “Metamorfoses” de Ovídio, Pitágoras disse algo como: “Enquanto come as articulações de um cordeiro, você festeja com seus bons amigos e vizinhos.” Pitágoras dizia que os açougueiros eram insensíveis às súplicas de um cordeiro ou bezerro, apesar do fato de seus gritos serem semelhantes aos gritos de um bebê.

Também foi Ovídio quem retratou Pitágoras como um filósofo que suplicava aos seres humanos para demonstrarem compaixão pelo sofrimento de todos os seres sencientes. Além das menções a ele na obra “Metamorfoses”, outro exemplo é uma história narrada pelo filósofo neoplatônico Jâmblico e mais tarde publicada no livro “Life of Pythagoras”, traduzido por Thomas Taylor e lançado em 1818 pela J.M. Watkins, da Inglaterra.

Jâmblico conta que quando Pitágoras estava viajando ao longo da praia de Síbaris para Crotona, ele conheceu alguns pescadores cuja rede ainda estava no mar. Naquele dia, Pitágoras previu o número de peixes que eles pegariam. Intrigados, os pescadores concordaram em fazer qualquer coisa se ele estivesse certo. Quando a rede foi trazida à terra, e os peixes contados, Pitágoras acertou o número exato de peixes e pediu que fossem devolvidos à água. Assim foi feito. Curiosamente, nenhum dos peixes morreu durante a contagem. Pitágoras deu aos homens o dinheiro que eles ganhariam com os peixes e seguiu a sua jornada para Crotona.

Pitágoras era um pensador à frente do seu tempo, tanto que entre seus alunos e seguidores haviam mulheres, ex-escravizados e bárbaros. De acordo com o biógrafo Diógenes Laércio, Pitágoras libertou um jovem chamado Zalmoxis e fez dele seu amigo. Sua escola de filosofia fundada em Crotona se destacava pela organização e pelas regras relativas à conduta prática e moral.

Segundo Mary Ann Violin, Pitágoras se negou a fazer distinção da carne e do sangue de animais humanos e não humanos. O filósofo costumava contar aos seus alunos e seguidores sobre uma era de ouro em que os lábios das pessoas não estavam “contaminados com sangue”. Enfatizava que era um tempo sem violência, em que todos viviam em paz. E foi exatamente pela repulsa à violência contra seres humanos e não humanos que quando Pitágoras e seus seguidores se reuniam em sacrifício aos deuses, eles apenas queimavam incensos e ofereciam mudas de carvalho a Zeus, louro a Apolo, rosa a Afrodite e videira a Dionísio. “Muitos contos milagrosos foram contados sobre Pitágoras e seu relacionamento com os animais”, escreveu Mary Ann no artigo “Pythagoras – The First Animal Rights Philosopher”.

Para o pesquisador Nathan Morgan, autor de “The Hidden History of Greco-Roman Vegetarianism”, publicado em 2010 pela Encyclopaedia Britannica, Pitágoras foi o primeiro filósofo do ocidente a deixar um legado vegetariano. “Ele sentiu que o consumo de carne era insalubre e fazia com que os humanos guerreassem uns com os outros. Por estas razões, ele se absteve da carne e encorajou os outros a fazerem o mesmo”, declarou Morgan.

Na biografia “Life of Pythagoras”, Jâmblico pontua que Pitágoras exortou os políticos de seu tempo a absterem-se do consumo de carne. Pois, se eles estavam dispostos a agirem com justiça em seu mais alto grau, era indiscutivelmente importante incumbi-los a não ferirem nenhum dos “animais inferiores”. Conforme palavras de Pitágoras registradas pelo filósofo neoplatônico, como eles poderiam persuadir os outros a agirem com justiça, se eles próprios provavam que se entregavam a uma avidez insaciável que consiste em devorar esses animais que nos são aliados? Pois, por meio da comunhão da vida estão, por assim dizer, unidos a nós por uma aliança fraterna.

Já a Stanford Encyclopedia of Philosophy, destaca que Pitágoras defendeu o vegetarianismo com base na sua crença na metempsicose, ou seja, na crença de que um mesmo espírito, após a morte do antigo corpo habitado, retorna à existência material, podendo reencarnar como ser humano ou não humano. Logo todos os animais devem ser respeitados. Também cita que Eudoxus de Cnido registrou que além de Pitágoras se abster de alimentos de origem animal, ele evitava proximidade com açougueiros e caçadores. A Stanford Encyclopedia of Philosophy informa ainda que, consoante Porfírio, Pitágoras sugeriu que devemos evitar consumir qualquer animal como se fôssemos consumir seres humanos.

A ética pitagórica que reprovava o consumo de animais teve um importante papel enquanto moral filosófica entre os anos de 490 a 430 a.C. O objetivo de Pitágoras, conforme registros de seus biógrafos e seguidores, era estimular a consciência do respeito à vida independente de espécie. O filósofo grego reconhecia as diferenças entre animais humanos e não humanos em relação ao raciocínio e à consciência. Por outro lado, via similitude principalmente em relação à senciência. O fato dos animais não verbalizarem suas necessidades, não deveria ser motivo para fazer deles um alvo fácil para a humanidade, na perspectiva pitagórica.

Incisivo em seu posicionamento, Pitágoras reprovava o sacrifício de animais e proibia que seus alunos ou seguidores tomassem parte nessa prática que considerava espúria. Acredita-se que o filósofo grego tenha decidido se abster do consumo de animais aos 19, 20 anos, passando a priorizar especialmente o consumo de ervas. Contudo, há divergências sobre como eram de fato os seus hábitos alimentares.

Segundo a obra “Life of Pythagoras”, de Jâmblico, Pitágoras passou a defender invariavelmente a abstinência do consumo de animais, justificando ser uma rejeição determinante para alcançar até mesmo a paz. Argumentava que aqueles que consideravam errada e desnecessária a morte de animais não humanos eram os mesmos que reprovavam a morte de pessoas e o surgimento das guerras. Pitágoras qualificava a guerra como um grande matadouro, e se tal matadouro banalizava a vida humana, mais ainda desvalorizava a vida não humana.

De acordo com Jâmblico, o filósofo grego de Samos relatou que só aquele que reconhece a comunidade de elementos que envolve os seres humanos e os animais é capaz de estabelecer em maior grau uma comunhão com aqueles que compartilham uma alma afim e racional. Advertiu também que a justiça é introduzida pela associação com outras pessoas, enquanto a injustiça é resultado da insociabilidade e negligência humana no que diz respeito a muitas coisas, inclusive o desinteresse ao que não nos parece conveniente.

Embora a história de Pitágoras esteja às voltas com inúmeras controvérsias, até pelo fato de sua vida e obra terem sido narradas e registradas por seus alunos e seguidores, é inegável que chama a atenção reconhecer que há 2,5 mil anos um filósofo fez oposição ao consumo de animais. No entanto, não é difícil encontrar pessoas questionando sobre o motivo pelo qual essa parte da vida de Pitágoras foi tão negligenciada pela história. Afinal, ele é mais conhecido como matemático, e basicamente pela associação de seu nome ao Teorema de Pitágoras.

Sobre isso, uma observação que talvez seja necessária é a de que Aristóteles fez franca oposição ao seu discurso contra a matança de animais. E como Aristóteles enquanto filósofo obteve muito mais êxito no Ocidente, inclusive endossando uma consciência antropocêntrica que reconhecia os animais apenas como seres disponíveis ao uso humano, a filosofia de Pitágoras acabou obscurecida e relegada a um universo menor. Já Aristóteles, que rejeitou a racionalidade animal não humana, ajudou a formar parte da base da atitude cristã ocidental, defendendo assim que criaturas sencientes não humanas poderiam sim ser privadas de justiça e da própria existência, já que isso beneficiaria uma espécie superior, ou seja, a espécie humana.

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Entre os vegetarianos, Pitágoras foi um nome de grande relevância até o século 19, tanto que até então os protovegetarianos e vegetarianos eram chamados de pitagóricos.

Pitágoras nasceu em Samos em 570 a.C e faleceu em Crotona ou Metaponto em 495 a.C.

Referências

Violin, Mary Ann. Pythagoras – The First Animal Rights Philosopher. Between the Species. Páginas 122-125 (1990).

Iamblichus. Thomas Taylor. The Life of Pythagoras. J.M. Watkins. London (1818).

Morgan, Nathan. The Hidden History of Greco-Roman Vegetarianism. Encyclopaedia Britannica (2010).

Ovid. Metamorphoses. Oxford World’s Classics. Oxford University Press (2009).

Wynne-Tyson, Jon. The Extended Circle: A Dictionary of Humane Thought. Penguin Group (1990).

Pythagoras. Stanford Encyclopedia of Philosophy (2005-2014).