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Aves Exiladas
Eles contavam histórias de um lugar mítico, chamado Paraná. Um mar de terras férteis
Maringá, Apucarana, Cornélio Procópio, Londrina, Cianorte, Campo Mourão, São José dos Pinhais: nomes que começaram a ser ouvidos na periferia de Poá, em meados dos anos 70, com a chegada de inúmeras famílias paranaenses. Eles contavam histórias de um lugar mítico, chamado Paraná. Um mar de terras férteis. Um mundo belo, onde cresciam as lendárias araucárias e se ouvia o canto da gralha azul.
Chegavam famílias inteiras. Pai, mãe, filhos e agregados. Procuravam os terrenos baratos da periferia. Construíam casas pequenas, nas quais acontecia o milagre do compartilhamento dos mínimos espaços e recursos. Êxodo rural era uma expressão que eu não compreendia. Quando, por acaso, eu a ouvia; logo imaginava o êxodo bíblico. Moisés à frente. O povo eleito atrás. Seguindo-o. Todos atravessando, estupefatos, o Mar Vermelho. Qual faraó teria expulsado tanta gente do Paraná? Quem seria o Moisés que os conduzira até ali?
Perguntas que ficaram sem resposta…
Início dos anos 80. Mais famílias chegando! Construção do conjunto habitacional Nova Poá. Meu pai e um vizinho, paranaense, trabalharam na construção desse novo bairro. Íamos eu e uma mocinha, a Eva, levar as marmitas para os nossos pais. A Eva me falava de Maringá, da torre da catedral em formato de cone e de outras singularidades. Ganhávamos, desses vizinhos, belos cartões-postais dessa terra intrigante.
E a década de 80 avançava trazendo mais gente do Sul. Que faraó teria o poder de exilar tanta gente? Quem seria o Moisés que guiaria esse povo? Adonai! Não havia nenhum Moisés! Só a dor de deixar a terra natal e chegar, quase sem recursos, a uma Canaã pauperizada!
Muitos migrantes, que chegaram crianças, já são avós. Criaram raízes no Alto Tietê. Perderam a verdura e o cheiro de novidade que trouxeram na chegada. Foram bem-vindos! Integraram-se! Trouxeram cultura e foram aculturados. Antropofagia cultural: paulistas e paranaenses.
O Alto Tietê acolheu e aninhou um número fora das estatísticas dessas aves exiladas, que chegaram cansadas, desiludidas e traziam no olhar a esperança de encontrar a Terra Prometida. Adonai!!! Por que da terra não mana mais leite e mel?
Crônica de autoria do escritor paulista Antonio Neto, radicado em Santa Maria de Jetibá, no Espírito Santo. O texto faz parte do seu livro de crônicas “Memorial do Alto Tietê, comercializado no site da livraria da Editora Penalux (editorapenalux.com.br/loja) por R$ 32.
Sobre a crônica, Antonio Neto explica:
“É um tributo aos migrantes paranaenses que se aninharam no Alto Tietê. A migração paranaense ficou esquecido por causa da maciça migração vinda de outros estados. Então eu quis resgatar essa história pouco contada.”